Por Leonardo Rossato
O governo Lula vem sendo muito cobrado, especialmente nas redes sociais, sobre a velocidade com que está mudando as coisas em Brasília. Esse processo de “limpeza de casa”, para alguns, parece andar devagar demais, enquanto outros julgam que ele deveria ser ainda mais lento, para evitar indisposições maiores com grupos de interesse que tinham grande participação no governo Bolsonaro, como os militares.
Por outro lado, a situação junto ao Congresso não é muito confortável. O governo Lula acumulou derrotas relevantes nas últimas semanas (a pior delas foi a derrubada das mudanças que Lula fez no Marco do Saneamento), Arthur Lira não se mostra como o fiador poderoso que foi para o governo Bolsonaro e a articulação política não tem produzido os resultados desejados – em algumas votações, o União Brasil, que tem três ministérios, não conseguiu dar nem metade dos votos na Câmara para o governo federal. Não é sem razão que Lula já determinou uma série de reuniões com os partidos da base aliada para cobrar maior fidelidade nas votações.
Dentro de todo esse cenário, está o PL das Fake News. O Projeto de Lei, que inicialmente tinha a previsão de passar até com certa facilidade pela Câmara, foi alvo de um lobby contrário gigantesco por parte de empresas como Google, Meta, Twitter, TikTok e, mais recentemente, Telegram.
Mentiras estilo “serão proibidos versículos da Bíblia se o PL for aprovado” foram compartilhadas por políticos como Deltan Dallagnol, que segue em seu compromisso inabalável de não ter nenhum compromisso com a verdade, mais ou menos como ele fazia em sua época de procurador.
Com essa celeuma toda, a aprovação do PL 2630 (o nome institucional do PL das Fake News) se tornou incerta. Deputados receberam um assédio enorme das empresas e de suas bases eleitorais, a ponto de Arthur Lira reclamar publicamente do assunto. E, no final, o relator do processo, Orlando Silva, retirou ele da pauta. Não só pela incerteza da aprovação, mas pela percepção de que a aprovação sairia cara demais para o governo. É flecha demais para gastar em um projeto que pode ser regulamentado de outras maneiras.
A regulação das grandes empresas de tecnologia invariavelmente virá. Se não vier pelo Congresso, virá pelos tribunais. Porque, embora as empresas façam lobby, grande parte da sociedade percebeu que as redes estão cada vez mais tóxicas e precisam de definições em relação à atuação. Qual é a responsabilidade da rede na moderação de conteúdo? A rede pode ser responsabilizada se não deletar discursos de ódio instantaneamente? São questões que provavelmente serão disciplinadas em um julgamento que ocorrerá no STF nas próximas semanas. Com esse cenário, não havia por que o governo Lula correr o risco de uma derrota vergonhosa na Câmara. A melhor opção foi tirar mesmo.
Além disso, é preciso dizer: punir militares não é responsabilidade do Lula, e sim da Justiça. O papel do governo Lula é ajudar de todas as formas possíveis nos inquéritos, exatamente como não vinha sendo feito no governo Bolsonaro. E é inegável que a mudança de postura já gerou frutos robustos: as prisões e apreensões de celulares realizadas no escopo da operação da PF que investigava a falsificação das carteiras de vacinação de Bolsonaro, Mauro Cid e de seus familiares jamais seriam possíveis sem a colaboração do governo Lula.
Sistemas públicos foram violados para incluir registros de vacina de Bolsonaro, de sua filha Laura e de familiares do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro. Além disso, outras pessoas próximas a Bolsonaro foram presas, incluindo o ex-militar e ex-candidato a deputado Aílton Barros, que se autointitulava o “01 do Bolsonaro” no Rio de Janeiro” e diz saber quem foi o mandante da morte da ex-vereadora Marielle Franco.
No plano externo, o Brasil acumula algumas vitórias. O Reino Unido anunciou o investimento de 80 milhões de libras no Fundo Amazônia (cerca de R$ 500 milhões) durante a viagem de Lula ao país para a coroação de Charles III como rei.
Celso Amorim, por sua vez, foi para a Ucrânia se encontrar com Volodymir Zelensky, como parte do esforço em reafirmar a neutralidade do Brasil na guerra e de qualificar o país como um possível negociador da paz. Vai dar certo? É impossível saber, os fatores estão completamente fora de controle na arena internacional. Mas sorte também é estar no lugar certo quando a oportunidade aparece, e o Brasil, depois de anos oscilando entre a vergonha e o marasmo, agora quer se posicionar novamente nesse lugar.
Talvez a grande vitória desse início de mandato seja justamente a recomposição do Fundo Amazônia. Muito do desmatamento, das invasões de terras indígenas e dos garimpos ilegais na região ocorrem justamente porque o governo resolveu se ausentar de suas funções civis na Amazônia sob Bolsonaro, deixando apenas os militares por lá, e entregando temas como o da saúde indígena na mão de ONGs evangélicas.
Nesse cenário, entre militares e evangélicos, os povos indígenas corriam risco imenso, bem como a floresta, e isso se reflete na operação de janeiro, que revelou a política genocida do governo Bolsonaro para os povos Yanomami.
Não é à toa que os conflitos persistem: após garimpeiros matarem um agente de saúde indígena e ferirem mais dois na terra Yanomami em 29 de abril, os povos da região declararam guerra aos garimpeiros, que já deveriam ter saído da região. O resultado mostra como a região está perto de um conflito aberto: quatorze mortes foram registradas desde então, nenhuma delas entre indígenas.
Na seara econômica, Haddad viu Campos Neto insistir na taxa de juros de 13,75% ao ano, que impede qualquer trajetória consistente de crescimento econômico. Talvez por isso tenha nomeado Gabriel Galípolo como diretor do Banco Central: agora Campos Neto terá uma sobra dentro da instituição, um nome pronto a fazer todo tipo de contraponto.
Mas, sejamos justos, Haddad também teve uma grande vitória: André Mendonça tinha obstado o resultado de um julgamento no STJ que pode render R$ 90 bilhões anuais aos cofres públicos em cobranças de ICMS. Ele voltou atrás. Com a validação do julgamento, o governo talvez tenha um pouco mais de folga para retomar os investimentos que hoje estão parados. Haddad foi pessoalmente explicar suas razões ao Ministro antes dele mudar de posição.
Os próximos desafios do governo Lula, para além da possível implantação das CPIs, são a aprovação do arcabouço fiscal de Haddad na Câmara (a discussão deve começar na semana que vem) e a participação de Lula na cúpula do G7, que deve ocorrer no dia 19 de maio em Hiroshima. Se tudo der certo, Lula termina o mês de maio com maior previsibilidade em sua trajetória fiscal e com mais uma reafirmação do protagonismo brasileiro na política internacional. E sempre há a chance de termos algum bônus interessante no meio do caminho, como a prisão de mais algum nome próximo a Bolsonaro. Ver Bolsonaro com medo de ser preso é sempre revigorante.
É aguardar e conferir.