CNA quer fim de ocupações, mas Associação da Reforma Agrária responde; discussão está no Supremo desde o governo FHC
Publicado em 08/05/2023 – 19h08
Por Felipe Mendes – Brasil de Fato – Rio de Janeiro (RJ)
Brasil de Fato — O agronegócio, através da Confederação Nacional da Agricultura, foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar cercear a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Para isso, protocolou pedido para se juntar formalmente às discussões sobre uma pauta que tramita no STF desde o ano 2000, ainda durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e que ainda não foi julgada – e nem há previsão para que isso aconteça.
O caso foi reaberto em abril, no contexto da Jornada de Lutas do MST. A CNA pediu para ingressar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2213 na condição de amicus curiae, expressão em latim que significa, literalmente, “amigo da Corte”. Essa condição é dada a instituições que podem fornecer dados e informações ao judiciário em determinados julgamentos.
A ADI 2213, proposta pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) visava suspender os efeitos de trechos da Lei 8.629/1993, a Lei da Reforma Agrária.
Isto porque, em seu artigo 6º, a Lei afirma que imóveis que passaram por “invasão” não serão vistoriados, avaliados ou desapropriados nos dois anos seguintes à desocupação. Na prática, isso significa que terras que foram ocupadas por movimentos populares não poderão ser desapropriadas pelo poder público para que cumpram sua função social. É bom lembrar que a mesma lei determina que as propriedades devem cumprir funções produtivas, ambientais, trabalhistas e sociais.
Citando notícias veiculadas recentemente na imprensa sobre ocupações (e relacionando a volta de Lula à presidência com um suposto aumento dos conflitos no campo), a CNA, então, acionou o Supremo em abril deste ano para solicitar a participação como amicus curiae. “Agora, novamente se observa uma explosão da tomada forçada de imóveis rurais com fins políticos e ideológicos, com invasões ocorrendo na Bahia, na região do Pontal do Paranapanema, no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul”, diz trecho do pedido enviado pela entidade ao STF.
Em resposta, a Associação Brasileira da Reforma Agrária (Abra), fez pedido semelhante, e também solicitou a participação como amicus curiae. A entidade, criada em 1967, atua desde então para promover a concretização da reforma agrária no país. O advogado Diego Vedovatto, que representa a entidade, disse ao Brasil de Fato que o objetivo é apresentar ao STF entendimentos diversos, especialmente em relação à função social da propriedade.
“A CNA, além de pedir ingresso na condição de amigo da corte, pediu uma tutela liminar, com um conjunto grande de pedidos, que foram amplamente noticiados na mídia, para suspensão de redes sociais de vários movimentos sociais, instauração de inquéritos em diversos órgãos, sendo que ela não é parte no processo. Ela não é autora nem ré na ação. Considerando essa repercussão, a Abra também pediu a habilitação na condição de amicus curiae”, explicou.
A ação, no momento, está sob a relatoria do ministro Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro ao Supremo. Ele aceitou os pedidos das duas entidades, que foram formalmente integradas ao processo na condição de “amigas da corte”. Cabe agora ao ministro dar andamento ao processo, e ambas podem ser ouvidas. Porém, a assessoria de imprensa do STF informou ao Brasil de Fato que não há previsão para que esse andamento ocorra.
“Essa ação tramitou e está andando no Supremo há mais de 20 anos. No contexto das mobilizações de abril, a CNA, ao nosso ver, de forma inadequada, fez um pedido de amicus curiae fora do momento adequado para fazer, ela deveria ter feito isso antes, no passado”, afirmou Vedovatto.
O advogado disse que a entidade espera que o STF reafirme que ocupações acontecem para chamar atenção do poder público e da sociedade sobre ilegalidades nos imóveis onde acontecem, e que não há qualquer crime quando elas ocorrem. As mobilizações de abril deste ano são exemplo disso: não houve registro de confrontos, pessoas feridas ou danos a propriedades.
“E essa é a diferença entre invasão e ocupação: invasão é quando há o que a gente no Direito chama de animus domini, a vontade, desejo de se apropriar da terra. Os trabalhadores organizados, movimentos sem terra, movimentos sindicais, movimentos religiosos, eles não visam se apropriar da terra. Eles visam chamar atenção dos órgãos responsáveis pela política fundiária para necessidade de fiscalização desses imóveis e assentamento das famílias que vivem numa condição de extrema vulnerabilidade econômica e social”, complementou.
Edição: Rodrigo Durão Coelho