Megaoperação europeia com mais de 100 presos expôs mais uma vez as brechas que facilitam a atuação da ‘Ndrangheta na Alemanha. Organização criminosa italiana tem facilidade para lavar dinheiro no país.
Publicado em 07/05/2023
Por Ben Knight
DW — As ações policiais coordenadas desta semana contra as estruturas da ‘Ndrangheta em toda a Europa atraíram manchetes internacionais e geraram histórias explosivas sobre os detalhes da investigação, mas não causaram muita surpresa entre os experientes investigadores da máfia. “Isso não vai mudar nada sobre as operações da máfia na Alemanha”, diz Petra Reski, jornalista alemã radicada na Itália que passou anos relatando as atividades da organização criminosa. “Você pode prender algumas pessoas, mas isso não muda a estrutura.”
A ‘Ndrangheta, que tem suas raízes na região da Calábria, no sul da Itália, superou a Cosa Nostra como o grupo mafioso italiano mais poderoso e é uma das maiores redes criminosas do mundo, atuando em mais de 40 países.
Três anos de investigação
Ao menos 108 pessoas foram detidas na Itália e mais de 30 na Alemanha, após uma investigação de quatro anos sobre tráfico de drogas e armas batizada de Operação Eureka. A organização teria construído uma operação mundial de lavagem de dinheiro.
Em 2019, uma operação semelhante deteve 160 pessoas na Itália e na Alemanha supostamente envolvidas com a ‘Ndrangheta.
Reski escreveu vários livros sobre a máfia italiana e, para ela, as prisões desta semana representam uma certa gratificação, pois alguns dos presos a processaram e ameaçaram por causa de trabalhos anteriores. Em alguns casos, os tribunais alemães determinaram que ela modificasse o texto de alguns de seus livros sobre atividades do crime organizado.
“Estas são as pessoas no coração da ‘Ndrangheta, e escrevi sobre elas em 2008 – fui a primeira a ser processada e perdi”, diz ela à DW. “Para mim, pessoalmente, é gratificante porque o que descrevi deu resultado, graças aos italianos.”
A Alemanha como porto seguro para mafiosos
Embora a polícia alemã tenha cooperado na investigação, e algumas das prisões tenham sido realizadas na Alemanha, elas foram executadas sob um mandado de prisão internacional apresentado pelas autoridades italianas, segundo Reski. “Essas prisões não poderiam ter acontecido sob a lei alemã”, diz. “Na Alemanha, apenas pertencer a uma organização mafiosa não é algo passível de processo criminal. É necessário também que seja provada a ocorrência de um crime real.”
“Você pode prender algumas pessoas, mas isso não muda a estrutura”, diz jornalista Petra Reski – Foto: Paul Schirnhofer
A Alemanha há muito conquistou a reputação de porto seguro para o crime organizado. Muitas das batidas policiais foram focadas no estado da Turíngia, no leste da Alemanha, que se tornou um reduto da máfia após a reunificação do país, quando o período de transição e consequentes distrações nas autoridades responsáveis pela aplicação das leis facilitaram as condições para que a máfia italiana comprasse lotes de imóveis.
Já em 2012, Roberto Scarpinato, promotor-chefe antimáfia de Palermo, na Sicília, falou ao Parlamento alemão, o Bundestag, sobre “fluxos incríveis de dinheiro da Itália para a Alemanha” e destacou brechas nas leis contra lavagem de dinheiro.
Lavagem de dinheiro na Alemanha
Mas a Alemanha continua sendo uma economia bastante favorável a operações com dinheiro em espécie. Até hoje, ao contrário de outros países da União Europeia (UE), não há um teto para pagamentos em dinheiro em uma única transação: na Espanha, o limite é de 2.500 euros (R$ 13.750); na Itália, mil euros (R$ 5.500); e na Grécia, 500 euros (R$ 2.750).
A ministra alemã do Interior, Nancy Faeser, está planejando um limite de 10 mil euros (R$ 55 mil) na Alemanha, o que colocaria o país em conformidade com uma diretiva da UE, mas especialistas jurídicos já estão preocupados se isso está em conformidade com a Constituição alemã.
Do jeito que as coisas estão, é possível gastar até 10 mil euros em espécie na Alemanha na maioria das coisas sem precisar se identificar – embora desde 2020 seja necessário mostrar a identidade ao comprar mais de 2 mil euros (R$ 11 mil) em metais preciosos. Tudo isso torna extremamente fácil para os grupos mafiosos lavarem dinheiro na Alemanha.
Até abril de 2023, até mesmo imóveis podiam ser comprados à vista, o que poderia ser particularmente lucrativo em cidades como Berlim, onde o mercado imobiliário promete lucros astronômicos.
Sem transparência, sem fiscalização
O fato de grupos do crime organizado estarem se aproveitando disso por meio de redes opacas de empresas de fachada é de conhecimento público desde 2016, quando os Panama Papers vazaram. “Não podemos chamar isso de avanço, mas talvez seja um sucesso parcial contra partes da máfia”, diz Andreas Frank, que passou três décadas investigando e escrevendo sobre as brechas da lavagem de dinheiro na Alemanha. “A ‘Ndrangheta é algo com o qual temos sido confrontados há muito tempo.”
Alemanha continua sendo uma economia favorável a operações com dinheiro em espécie – Foto: Burkhard SchubertGeisler-Fotopress/picture alliance
Frank, cujo livro de 2022 Dreckiges Geld (Dinheiro sujo, em tradução livre) argumenta que a lavagem de dinheiro está minando a democracia na Europa Ocidental, já está quase cansado de descrever o que vê como falta de vontade política para enfrentar o problema. “Alguma coisa melhorou no combate à lavagem de dinheiro? Não! Absolutamente nada.”
Consequências para toda a sociedade
Frank, que também testemunhou perante o comitê do Bundestag em 2012 ao lado de Scarpinato, acha que o dano causado pelo crime organizado é constantemente subestimado. “A máfia é altamente perigosa, prejudica nossa economia”, diz. “Enquanto negócio legítimo, é muito difícil competir com os negócios liderados pela máfia. E a ‘Ndrangheta é apenas uma das muitas organizações.”
Além disso, como em muitas autoridades investigadoras em todo o mundo, também há escassez de recursos. A autoridade alemã encarregada de rastrear operações de lavagem de dinheiro, a Unidade de Inteligência Financeira (FIU, na sigla em inglês), foi acusada de ser lenta em relatar suas suspeitas aos promotores competentes. E os promotores, por sua vez, geralmente operam no nível estadual e frequentemente reclamam que não podem perseguir crimes além de sua jurisdição, o que torna a coordenação de informações extremamente difícil.
Frank acredita que os problemas estruturais se resumem à falta de pessoal combinada com inibições no compartilhamento de dados entre as autoridades. “Demorou anos, até 2021 e 2022, para que a FIU tivesse acesso aos dados de que precisava”, disse ele à DW. “E ainda hoje não tem acesso total.”
Para a jornalista Reski, toda a questão se resume à vontade política: “Não há vontade política na Alemanha para combater a máfia, esse é o ponto”, conclui. “Porque os políticos alemães veem o investimento da máfia como um motor econômico. O dinheiro vem, e eles não querem saber de onde vem.”
Isso tem repercussões internacionais muito além da atividade da máfia, como Frank apontou: “Se eu não posso aplicar as leis contra a lavagem de dinheiro, não deveria me surpreender quando as sanções contra a Rússia não funcionam. Eu sequer sei onde essas fortunas russas estão.”
EdsonLuíz.
07/05/2023 - 15h36
Imaginemos o tanto que a legislação de todos os paises precisam ser apedfeiçoadas para combater crimes.
▪Na Alemanha, aperfeiçoamentos da legislação para punir crimes dos tipos informados neste post; no Brasil, aperfeiçoamentos para que condenados em 2ª instância, que já é uma instância de revisão do julgamento da 1ª instância e é feita em turma de julgamento colegiada permita determinar o inícuo de cumprimento da pena sem mais adiamdntos.
Aqui no Brasil também precisa revisar a legislação que estabelece os ritos processuais, que são elementos apenas burocráticos do processo criminal, sem relação nenhuma com os crimes mesmos e com as provas dos crimes.
Do modo que está nossa legislação, quem tem poder e dinheiro para apresentar recursos vai protelando a condenação definitjva ou vai usando eventuais erros na burocracia processual, vai usando errinhos nos ritos do processo sem nem questionar os crimes mesmos e as provas dos crimes praticados e pelos quais está sendo julgado, e assim consegue ficar ao mesmo tempo condenado e com as medidas de punição suspensas.
Essa impunidade aqui no Brasil não beneficiou apenas Lula, Sérgio Cabral, Eduardo Cunha e outros do mensalão e do Petrolão que foram condenados por corrupção e no sntanto estão livres. Essa impunidade conseguida fazendo questionamentos apenas sobre os erros dos ritos do processo, usando errinhos burocráticos como moleta, tem deixado muitos poderosos praticantes de crimes torpes na impunidade.
Se já houvessemos atualizado essa legislação, as ‘rachadinhas’ do Senador Flávio Bolsonaro, cujas primeiras provas arrecadadas pelo judiciário foram diretamente os extratos da movimentação bancária do senador, já teriam sido condenadas e o senador estaria já pagando a pena por seu crime.
Essas primeiras provas contra o senador, e que seriam as provas mais fortes de suas ‘rachadinhas’, foram invalidadas não por não serem provas, mas por terem sido cometidos erros de rito processual ao arrecadá-las.