Petrolífera avaliada em cerca de US$ 10 bi foi entregue a opositores por Trump; Venezuela classifica ato como “roubo”
Publicado em 07/05/2023 – 09h26
Por Lucas Estanislau – Caracas (Venezuela)
Brasil de Fato — A disputa jurídica e política envolvendo o controle da rede venezuelana de refinarias nos EUA, a Citgo, está prestes a ter um desfecho desfavorável à Venezuela. Isso porque o Departamento do Tesouro estadunidense autorizou que a oposição venezuelana negocie dívidas e ativos do Estado no exterior e disse que não tomará medidas contra uma possível venda da estatal.
A decisão abre caminho para que credores da Venezuela tomem a Citgo como pagamento de dívidas, sem a anuência do governo de Nicolás Maduro. Um tribunal de Delaware, nos EUA, já havia autorizado a venda da empresa após uma ação movida pela mineradora canadense Crystallex, que entrou na justiça pedindo indenização pela expropriação de uma mina que possuía na Venezuela durante o governo do ex-presidente Hugo Chávez, em 2008.
No entanto, sanções aplicadas pelos EUA à indústria petroleira venezuelana impediam que empresas estrangeiras entrassem em negociações com a Citgo, o que funcionava como obstáculo jurídico para o cumprimento da sentença. Além disso, por decisão política, o governo do ex-presidente Donald Trump vinha protegendo a empresa de ser liquidada para continuar financiando a oposição. Em 2019, Washington passou a reconhecer o ex-deputado Juan Guaidó como “presidente interino” da Venezuela e entregou a direção da Citgo a aliados do opositor, que tinham acesso aos lucros e dividendos da empresa.
Na última quinta-feira (04), o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, condenou a decisão da OFAC e classificou a medida como “um roubo”. “O dono dessa empresa é o povo da Venezuela, através da PDVSA, e o que o governo de Joe Biden está fazendo é um dos maiores roubos, um dos maiores saques que já existiu contra qualquer nação do mundo”, disse.
Além disso, a vice-presidente venezuelana, Delcy Rodríguez, afirmou na última quarta-feira (03) que o governo tomaria todas as medidas necessárias para evitar a liquidação da empresa e que não irá reconhecer “nenhum tipo de negociação, nenhum tipo de acordo de pagamento a nenhum credor que não seja legalmente conduzido pelo Estado venezuelano”.
Quem deve, quem paga e quem negocia?
Apesar de não ser novidade, o caso Citgo foi extremamente afetado após Guaidó tomar o controle da empresa e acabou se tornando um dos principais exemplos das distorções jurídicas que o reconhecimento do “governo interino” produziu.
A empresa foi parcialmente adquirida pela Venezuela em 1986 e arrematada em 1990, com o objetivo de receber e processar o petróleo de tipo pesado, característico da produção venezuelana. O conglomerado Citgo conta com três refinarias (Texas, Illinois e Louisiana), três oleodutos, 48 terminais e 5,6 mil postos de gasolina espalhados pelos EUA.
“É uma empresa avaliada em torno de US$ 10 a US$ 15 bilhões, é de longe o ativo venezuelano mais valioso no exterior, além de ter um valor estratégico, porque suas estruturas estão adaptadas para receber o petróleo venezuelano”, explica o economista Francisco Rodríguez.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor da Universidade de Denver afirma que, em um cenário no qual as sanções sejam eliminadas, a Venezuela teria muito prejuízo se tivesse que reinserir seu petróleo no mercado estadunidense sem contar com a Citgo.
“Perder a empresa seria muito custoso porque, quando a Venezuela tentar colocar sua produção nos Estados Unidos e não seja mais a dona da Citgo, terá que negociar com quem seja o dono dessa empresa e pode ser que, ao longo do tempo, esses donos tenham outras prioridades que não sejam comercializar petróleo venezuelano”, diz.
Apesar da importância estratégica apontada por Rodríguez, em 2006 o governo do ex-presidente Hugo Chávez alegava que a Citgo causava prejuízos ao país e chegou, inclusive, a cogitar sua venda. A empresa, no entanto, foi mantida até que, em 2016, o atual presidente Nicolás Maduro decidiu utilizar a estatal como garantia em operações internacionais de créditos.
“Esses são os títulos PDVSA 2020, que levam no nome o ano de vencimento”, explica Rodríguez. Naquele momento, a Venezuela começava a sofrer os efeitos negativos da queda do preço do petróleo e precisou recorrer ao mercado internacional de crédito para refinanciar outras dívidas ligadas à indústria petroleira. “Eram títulos para refinanciar dívidas que estavam vencendo”, diz o economista.
Entre 2017 e 2018, sanções impostas pelo ex-presidente Donald Trump praticamente congelaram a dívida externa venezuelana e dificultaram que o país honrasse os compromissos. O maior empecilho veio em 2019, quando os EUA passaram a reconhecer Guaidó como autoridade legítima e, portanto, como responsável pelos pagamentos dos títulos que não aconteceram.
A inadimplência levou os credores a se somaram às reclamações da Crystallex, que já havia ganhado uma causa em 2016 que obrigava a Venezuela a indenizar a mineradora canadense pela expropriação de uma mina. Além dos proprietários dos títulos PDVSA 2020 e da Crystallex, outro credor do ramo energético entrou no processo: a norte-americana ConocoPhillips.
A empresa havia aberto um processo no Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos do Banco Mundial pedindo US$ 8,75 bilhões como indenização pela expropriação de três empreendimentos petroleiros na Venezuela no ano de 2007.
O precedente da Crystallex permitiu que outros credores somassem seus processos e, atualmente, todos foram concedidos pelo tribunal de Delaware, comandado pelo juiz Leonard Stark. Cerca de 11 credores, entre empresas energéticas, bancos e fundos de investimentos, fazem parte do processo e podem se beneficiar da venda da Citgo.
Decisão ameaça diálogos
As medidas tomadas pelos EUA vêm uma semana após a Conferência de Bogotá, encontro internacional organizado pelo presidente Gustavo Petro na capital colombiana com o objetivo de reativar os diálogos entre governo e oposição da Venezuela. Com a presença de 20 países, os EUA enviaram uma delegação e, pela primeira vez, participaram de uma reunião multilateral com o objetivo de debater o fim das sanções.
Ainda que o encontro tenha terminado sem resultados concretos sobre alívios no bloqueio, analistas argumentam que a mais recente decisão de Washington sobre a Citgo pode atrapalhar o andamento das conversas. Em entrevista ao Brasil de Fato, o ex-ministro da Economia da Venezuela Luis Salas Rodríguez afirmou que há intenções políticas por trás da medida dos EUA.
“A OFAC autoriza uma Assembleia Nacional que não existe na Venezuela, para que ela negocie, sem nenhum tipo de autoridade nem legitimidade, um bem da nação, não do governo, nem do partido do governo, nem do chavismo”, aponta.
A “Assembleia Nacional” mencionada por Salas é formada por um grupo de ex-deputados opositores que não reconhece o mandato do atual Parlamento da Venezuela, definido após eleições Legislativas realizadas em 2020. Esse grupo renovou unilateralmente seus “mandatos” após destituir Juan Guaidó do cargo de “presidente interino”, em dezembro do ano passado. Washington, então, passou a reconhecer a “Assembleia Nacional de 2015” como única entidade legítima da Venezuela.
“Esse grupo vai negociar com agentes privados que vem lesando, de todas as formas, o interesse nacional”, argumenta Salas. Para o ex-ministro, “essa medida é basicamente política para pressionar o governo venezuelano e para dar um novo impulso, com certeza, a alguns setores da oposição que estão vinculados com essas ações irregulares que vem ocorrendo contra a Citgo”.
Salas também destaca que “o governo venezuelano manifestou que isso é uma forma de pressionar e bombardear a Conferência de Bogotá”.
Em nota, a chancelaria venezuelana afirmou que a decisão da OFAC “anula os avanços da Conferência de Bogotá” e que os EUA enganam os outros países que participaram do encontro para “aportar soluções nas negociações que o governo bolivariano mantém com parte da oposição venezuelana”.
“O resultado, uma semana depois, foi essa licença que trata de consumar um roubo de nossa principal indústria petroleira no país”, disse o Ministério de Relações Exteriores.
Edição: Patrícia de Matos