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Há conciliação com a Faria Lima?

Publicado em 05/05/2023 – 05:30 | Atualizado em 04/05/2023 – 15h50 Por Paulo Nogueira Batista Jr* – Rede Estação Democracia RED — Estou entre os críticos mais insistentes, mais renitentes da política de juros do Banco Central. Fora o presidente Lula, claro, que é hors concours. Ele tem feito críticas sempre pertinentes, quase sempre certeiras. […]

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Rovena Rosa/Agência Brasil

Publicado em 05/05/2023 – 05:30 | Atualizado em 04/05/2023 – 15h50

Por Paulo Nogueira Batista Jr* – Rede Estação Democracia

RED — Estou entre os críticos mais insistentes, mais renitentes da política de juros do Banco Central. Fora o presidente Lula, claro, que é hors concours. Ele tem feito críticas sempre pertinentes, quase sempre certeiras. Volto à carga hoje, acompanhando modestamente os esforços críticos do nosso Presidente.

O tema é vasto, mereceria um ensaio de 50 páginas, no mínimo. Vou tentar ser sintético. Começo com os apelos do ministro Haddad, que há algum tempo vem pedindo harmonia entre as políticas monetária e fiscal. Faz todo sentido. O termo mais usado na literatura é coordenação fiscal-monetária. Em todos os países razoavelmente organizados, mesmo um BC autônomo se vê obrigado a coordenar as suas ações com as do Tesouro. Isso significa não só a troca regular de informações entre as duas instâncias, mas o cuidado de levar em conta as ações da outra parte na definição e implementação das suas. Se há alguma prevalência, esta é das autoridades fiscais, que representam o governo eleito. Em alguns países, o Tesouro tem até mesmo representação formal nos comitês que definem a política monetária.

Esforços em prol da harmonia fiscal/monetária

O ministro Haddad, a bem da verdade, não se limita a lançar apelos públicos em prol da harmonia. Vem fazendo o possível para aplacar o BC e, mais importante, a base social da autoridade monetária – a Faria Lima, também conhecida como turma da bufunfa. Não é fácil, leitor, mas o Ministro da Fazenda se esforça. Em janeiro, anunciou um pacote de ajuste fiscal. Em seguida, abandou ou postergou o aumento das metas de inflação, aceitando os argumentos do BC de que isso seria contraproducente. Em abril, anunciou um “arcabouço fiscal” com travas ao gasto público, na esperança de convencer o BC de que o risco fiscal será pequeno daqui para a frente.

Haddad deu sinais, além disso, de que pretende negociar com o presidente do BC os nomes dos dois novos integrantes da diretoria da instituição. Pela lei de autonomia, é prerrogativa do Presidente da República nomear agora dois dos nove integrantes da diretoria do BC e do Copom. Os mandatos de dois diretores venceram em final de fevereiro e o governo, não se sabe bem por que, ainda não indicou os substitutos. No momento em que escrevo, início de maio, as indicações continuam pendentes. Se dependesse apenas da Fazenda, os nomes seriam submetidos à aprovação de Roberto Campos Neto. Não quero ser injusto, mas é a impressão que a Fazenda está passando. Na verdade, o próprio ministro deu declarações nesse sentido há algum tempo. É mais do que apenas impressão, portanto.

Banco Central, um Quarto Poder

Os apelos de Haddad em favor da harmonização têm caído no vazio até agora. É que o comando do BC vê a proposta como tentativa velada de suprimir ou condicionar a sua sacrossanta autonomia. O BC brasileiro tem a pretensão extravagante, tudo indica, de definir os seus passos sem considerar a política do Tesouro.

Vamos ser mais claros. A verdade é que o BC se comporta como Quarto Poder. Não é apenas autônomo, mas independente. Isso ao arrepio do que a lei pretendia. A distinção convencional, incorporada à legislação brasileira, estabelece que o BC autônomo tem a liberdade de buscar o cumprimento de metas que lhe foram fixadas pelo poder político eleito, por meio do Conselho Monetário Nacional (CMN). Já um BC independente teria a prerrogativa de fixar as próprias metas de inflação. Essa distinção, no caso brasileiro, é mais teórica do que prática. Ocorre que o BC tem um dos três votos do CMN; os dois outros são da Fazenda e do Planejamento. Além disso, o BC exerce a secretaria do Conselho, o que lhe confere poder adicional. Para completar o quadro, a Fazenda e o Planejamento não conseguem ou não desejam, ao que parece, fazer face à ortodoxia do BC.

Sentindo cheiro de sangue, a Faria Lima avançou. O comando do BC já dá repetidos sinais de que pretende enquadrar a política econômica do governo eleito. Veja bem, leitor, não apenas a política fiscal, que deve fazer “o dever de casa” a que se refere insistentemente a ministra Tebet, mas também os bancos públicos federais, que têm sido admoestados pelo BC, em seus comunicados e atas de reuniões, a não adotar políticas que visem estimular a atividade econômica, pois isto reduziria, supostamente, a eficácia da política monetária.

Governo de mãos amarradas

A prevalecer a “harmonia”, tal como entendida pelo BC, o governo ficará de mãos atadas, inerte, provavelmente incapaz de agir para relançar uma economia que está estagnada há dez anos! A política fiscal, limitada pelo arcabouço, conseguirá orientar-se para um papel ativo? O governo poderá determinar ao BNDES, ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica que forneçam um volume de crédito suficiente, a taxas e prazos atrativos, para destravar os investimentos na economia brasileira? Se depender do BC, não, nunca e jamais. Ficarão todas essas instâncias submetidas, harmonicamente, ao objetivo de assegurar a estabilidade monetária e o cumprimento das metas de inflação. O presidente da República, por sua vez, poderá continuar, sossegado, as suas críticas aos juros altos. A harmonia continuará sem sobressaltos.

Repare, leitor, que essa “harmonia” inclui também o direito que se reserva o BC de lançar petardos contra a política fiscal! A política de juros altos, por exemplo, eleva o custo da dívida e o déficit público. Mas essa é uma fonte de “risco fiscal” que, Deus sabe por que, não precisa ser considerada. Os juros altos derrubam, também, os níveis de atividade e de emprego, reduzindo as bases de incidência da tributação e, tudo o mais constante, as receitas do governo. Em ambiente de desaquecimento da economia, qualquer tentativa de aumentar a arrecadação, ou de tentar mantê-la estável, mesmo sem necessariamente recorrer a novos impostos ou aumentos de alíquotas, como pretende o ministro da Fazenda, encontrará tenaz resistência dos contribuintes, que redobrarão seus esforços para escapar da tributação.

Vamos elaborar um pouco esse ponto. O arcabouço fiscal estabeleceu, como metas centrais, déficit primário zero em 2024 e superávits nos anos seguintes. Se a economia continuar estagnada ou, pior, entrar em recessão, o esforço para alcançar a meta será maior e tenderá a acentuar a tendência à estagnação da economia. A política fiscal será pró-cíclica, em outras palavras. Uma solução para evitar a estagnação/recessão seria adotar medidas fiscais expansionistas. Mas o arcabouço fiscal dará espaço para uma política antirrecessão? Duvidoso, dadas as travas à despesa pública inseridas no marco fiscal. Outra solução seria acionar os bancos públicos federais para prover o crédito que os banco privados não proveem, especialmente em períodos de juros altos e estagnação. Possível? Em tese, sim, mas o BC já avisou que isso atrapalha a política monetária…

Finalmente, não vamos esquecer do seguinte. Os déficits públicos, desde Keynes, são vistos como admissíveis em períodos de estagnação ou recessão. Nessas situações, recomenda-se deixar os estabilizadores automáticos atuarem (isto é, a retração cíclica da carga tributária e o aumento de certas despesas ligadas à atividade econômica) e inserir componentes anticíclicos na política fiscal, expandindo por exemplo investimentos públicos e transferências sociais, com efeitos em termos de desconcentração da renda e multiplicadores da demanda e da atividade.

Veja o absurdo, leitor. O aumento do déficit público resultante dos juros altos não tem qualquer efeito positivo. Eleva o risco fiscal, sem benefícios em termos de reativação da economia e com efeito concentrador da renda. Só mesmo na Faria Lima essa política merecerá aplausos – e frenéticos. Simples entender por quê. Os juros elevados significam transferência de renda para os setores mais aquinhoados da sociedade. Beneficiam todos aqueles que têm poupança financeira ou reservas de caixa aplicadas em títulos públicos e outros ativos. Ora, os pobres e remediados, e mesmo a classe média baixa, pouco ou nada possuem em termos de poupança financeira. Quem recebe a renda adicional são os super-ricos – sobretudo os bilionários, as grandes empresas e os bancos que têm aplicações vultosas em títulos públicos e outros ativos líquidos. Vida mansa. Alta rentabilidade, com liquidez e sem risco. O paraíso do rentista.

Esses mesmos aquinhoados não gastam nada ou quase nada da renda adicional que recebem em função da generosa política do BC. O dinheiro recebido fica entesourado e aplicado em títulos públicos e outros ativos. Não circula na economia, nem ajuda a reativá-la.

Concluo aqui essa diatribe que já me saiu longa demais. Já não tenho, confesso, muita esperança de ajudar a modificar o quadro macroeconômico. O que escrevi aqui é apenas o desabafo de um brasileiro que assiste há décadas, revoltado, a repetição dos mesmos absurdos.

*Economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, começou a circular em março de 2021.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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EdsonLuíz.

07/05/2023 - 00h54

■Claramente o autor expressa uma opinião nest seu post motivada por suas fantasias ideológicas. Sem problemas:: quem não possui fantasias ideológicas?

Mas há que haver uma lógica formal para pensar conhecimento aplicado e com ideologismos essa lógica formal se esfumaça!

O autor fala que é necessária uma harmonia entre Politica Fiscal, que é de concepção e implementação pelo poder executivo (responsabilidade de Lula e de Haddad), e a Política Monetária, de responsabilidade do Banco Central e de seu presidente, Roberto Campos Neto.

O autor deste post, Paulo Nogueira, fala assim nest post sobre harmonia entre Ministério da Fazenda e Banco Central::
▪” Isso (a harmonização) significa não só a troca regular de informações entre as duas instâncias (executivo e Banco Central), mas o cuidado de levar em conta as ações da outra parte na definição e implementação das suas (ações).

O autor pode estar certo! Mas antes do autor estar certo, é FUNDAMENTAL verificar uma coisa:::
▪O Banco Central, para harmonizar a sua Política Monetária com a Política Fiscal, precisa primeiro que o Ministério da Fazenda, o Haddad, e o Presidente da República, o Lula, APRESENTEM uma Politica Econômica, especialmente apresentem uma Âncora Fiscal.

Só que Lula ganhou as eleições em outubro/2022 e depois de Lula ganhar as eleições Jair Bolsonaro se escondeu debajxo da cama de seu quarto no Palácio do Planalto e Lula assumiu na prática este seu mandato.

Lula tomou posse oficial do mandato no 1° dia do ano. Já estamos em maio/2023 e, até agora, NADA de Programa de Governo sistematizado e com detalhamento de ações*.

Na área de economia, então, que é a área importante para a tal harmonização entre Executivo(Lula) e Banco Central(Roberto Campos) , nessa área de economia é que o governo Lula, até agora, não apresentou nada mesmo!

Há o esforço de Fernando Haddad, esforço esse reconhecido por Roberto Campos, de esboçar uma Âncora Fiscal e que acabou de ser apresentada à Câmara dos Deputados para ser discutida. E só!

■E sobre a HARMONIZAÇÃO entre o Executivo e o Banco Central, que o autor deste post fala e que eu concordo com ele de que a harmonização precisa acontecer:: =>O que é essa HARMONIZAÇÃO?

▪A harmonização entre a Politica Monetária do Banco Central e a Politica Econômica do Executivo depende, entre outras coisas, de existir um Âncora Fiscal, que é fundamental.

A Âncora Fiscal NÃO EXISTE AINDA !

Mas, com este mandato de Lula estando atrasado, o ministro Fernando Haddad, com esforço pessoal, mobilizou pessoas e fez um arcabouço de Politica Fiscal e este arcabouço está apresentado à Câmara para ser discutido. Pelo menos isso!

1) Depois da discussão do arcabouço… …2) Depois desse arcabouço ser aprovado e virar a fundamental Âncora Fiscal…
…3) Depois que a Âncora Fiscal (e outras medidas econômicas ) forem aplicadas…

…5) Depois que estas medidas econômicas , de responsabilidade de Lula e que ele nem fez ainda, tiverem um tempo de aplicação e puderem ser medidas…

…6) Então, depois disto, o Banco Central terá dados para MEDIR OS EFEITOS do que Lula tiver feito e, apenas quando puder medir os efeitos, o Banco Central e Roberto Campos vão poder tomar a decisão sobre se vai ser bom baixar os juros, se vai ser bom manter os juros nos atuais 13,75% ou se vai precisar subir os juros um pouquinho.

Só após fazerem as modelagens e procederem às análises do que os modelos mostrarem, medindo os efeitos do que o Lula fizer (e já está bem atrasado e Lula ainda não fez nada:: não governou ainda para a economia!), é que o Banco Central poderá HARMONIZAR a Politica Monetária com a Politica Fiscal.

E bem entendido:: harmonizar, nesse caso, pode ser diminuir, pode ser manter ou pode ser aumentar a taxa de juros. A harmonização a ser feita dependerá primeiro de medir os efeitos do que Lula fuzer.

Mas parece que para o autor, para Lula, e algumas vezes até para o Haddad, harmonizar as políticas econômicas em um país deste tamanho, com 200 e tantos milhões de habitantes e que é a 8ª economia do mundo, não é aplicar os conhecimentos de economia e usar as ferramentas profissionais (e que não tantos profissionais sabem usar, de tão complexas neste caso são essas ferramentas).

Parece que para o autor deste texto, para Lula e algumas vezes parece que até para o haddad, harmonizar é um falar::
▪”Eu vou fazer isso!” “Fiz!” “Mandei para a Câmara aprovar!”.

E o outro responder de lá::
▪”Fez?” “Então eu vou baixar os juros um pouco aqui !”.

●E a conversa seguinte pode ser assim:
-▪Banco Central fala::–Baixei os juros aqui! Haddad! Ô Haddad! O que você acha que vai acontecer com a economia depois do que você fez?
▪Executivo /Lula e Haddad:: — Não sabemos! Nós mal acabamos de fazer! Só vai dar para saber daqui a uns três meses, depois que você puder medir os efeitos!.

Ou seja:: Por puro amadorismo, achismo e negacionismo, Lula, Gleisi, Paulo Nogueira e outros, querem baixar os juros no improviso. Pior é que eles já cometeram esse erro no periodo Dilma/Lula e todos tém documentado o resultado:: veio muito desemprego , veio muito desinvestimento, veio aceleração da desindustrialização e veio

…a MAIOR recessão datada da nossa economia em qualquer época.

▪São as lulices brasileíras! Fazer o qué?

Paulo

06/05/2023 - 22h39

Quanto mais se fala em economia, mais de política se fala…


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