Setor aeroespacial brasileiro tem colhido resultados positivos com experiências universitárias de baixo custo
Publicado em 06/05/2023 – 16h16
Por Alex Mirkhan – Brasil de Fato – Brasília (DF)
Brasil de Fato — Monitorar o que acontece em grandes áreas isoladas do Brasil é um desafio imenso, que exige vários tipos de operação combinados. Uma das aliadas para o futuro dos biomas, especialmente em áreas remotas da Floresta Amazônica, pode ser a tecnologia por satélite. Avanços realizados no país têm demonstrado que é possível coletar informações valiosas com a ajuda de satélites bem menores e mais baratos do que os convencionais.
É o momento dos chamados nanossatélites, como o pequeno AlfaCrux – um satélite em formato de cubo, com lados de 10 centímetros, e que pesa pouco mais de um quilo – desenvolvido dentro da Universidade de Brasília (UnB) e completou um ano na órbita da Terra no dia 1 de abril.
O projeto faz parte de uma das frentes de investimento brasileiro na busca por avanços na prospecção do espaço, como mostra a reportagem do programa Bem Viver, uma produção do Brasil de Fato. A iniciativa conta com o apoio da Agência Espacial Brasileira (AEB), que também fomenta iniciativas semelhantes em outros centros de pesquisas universitários, com custos bem mais reduzidos do que os necessários para os satélites de fabricação sino-brasileira, por exemplo.
A operação é realizada diariamente de um pequeno laboratório criado dentro da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília, comandado pelo engenheiro e pesquisador Renato Alves Borges. Ele coordena um grupo que atualmente conta com 17 professores, técnicos e estudantes, além de cuidar de toda parte burocrática e cumprir todos os requisitos de segurança internacional exigidos.
Através de um satélite fixado no topo do prédio, a comunicação do AlfaCrux com a base é feita quando o pequeno objeto se aproxima da base durante sua trajetória na órbita terrestre a 500 quilômetros de altitude. Um sistema sofisticado, que combina autonomia com novos comandos e testes frequentes.
“Nós temos um computador de bordo dentro do AlfaCrux, que vai monitorar a coleta de dados no espaço, que vai receber o comando que a gente envia por aqui dessa estação, é o que vai organizar o envio das informações que foram coletadas e armazenadas para essa estação também. E executar processamentos internos, eventos que são gerados durante sua trajetória em órbita”, resume Borges, se referindo à autonomia do nanossatélite e a comunicação feita por meio de um sistema de rádio.
Usos práticos do nanossatélite entram no radar
Com os resultados positivos da primeira fase do projeto, inicia-se uma nova fase de prospecção de investidores para aumentar o alcance de cobertura e de objetivos do pequeno dispositivo, com direitos a utilizar bases já instaladas na região amazônica. “A nossa meta é fazer um sistema para coletar dados via satélites lá no início. E aí entrar obviamente no Cerrado, nossa região. Mas a ideia é ampliar o alcance a todos os biomas brasileiros. A galera está super empolgada”, comenta.
A pesquisa e o desenvolvimento do AlfaCrux é muito anterior ao seu lançamento em órbita. Com custos bem menores do que os satélites convencionais, recebeu pouco mais de R$ 2 milhões de investimento da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF).
O foco inicial do projeto, além da formação de pessoas capacitadas, também era avaliar e propor soluções de telecomunicações a partir de dados coletados na superfície do planeta. Para as próximas etapas, a capacidade de coleta de dados está sendo pensada para subsidiar outras necessidades e finalidades práticas a um satélite orbital.
Borges explica que os sistemas de satélites ajudam a subsidiar equipes que operam em regiões remotas ou de difícil acesso, como em barragens e áreas inundadas ou com outros eventos climáticos extremos. Seria possível utilizar inclusive equipamentos aéreos não tripulados, como drones e balões, para servir como antenas repetidoras de sinais emitidos do solo.
“Por exemplo, a gente pega um cenário de queimadas e de desmatamento. Por mais que o AlfaCrux não tenha uma câmera, diferente de outras missões que estão literalmente filmando, fotografando a superfície do espaço, nós estamos coletando informações vindas de um aparato de sensores em solo. Assim, se tem um processo de combustão de um material orgânico, nós podemos identificar quais são os subprodutos dessa queima para facilitar as equipes operacionais”, sinaliza.
Universidades tomam a frente de projetos pioneiros
Hoje, sete universidades brasileiras oferecem cursos de graduação ou pós-graduação em engenharia aeroespacial, que também possuem histórico de missões bem sucedidas com nanossatélites. Alguns deles já são pensados para ter finalidades práticas, como o Aldebaran-I, fruto de uma parceria entre a AEB e a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que tem como objetivo auxiliar na busca de pequenas embarcações e pescadores que ficam à deriva, após se perderem em alto-mar.
A partir de 2014, quando foi lançado o primeiro nanossatélite brasileiro, vários outros projetos embarcaram no momento propício a novas expedições ao Espaço, em iniciativas próprias ou feitas em consórcio entre instituições e apoiadas pela Agência Espacial Brasileira.
Atualmente, mais de oito nanossatélites brasileiros estão em órbita, desde o pioneiro ITASAT-1, lançado em 2018 pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), passando pelo catarinense FloripaSat-1 e contando o PION-BR1, primeiro satélite desenvolvido por uma startup brasileira.
Em comum com o Alfacrux, a maioria das oito missões brasileiras foi lançada literalmente de carona em foguetes espaciais privados da empresa norte-americana SpaceX. O envio coletivo ajuda a reduzir os custos do lançamento, aumentando o fluxo de projetos semelhantes por países com menos tradição e investimento aeroespacial. “Só no lançador do AlfaCrux foram 17 objetos inseridos na missão do SpaceX, partindo de Cabo Canaveral, na Flórida (Estados Unidos)”, aponta Borges.
Ter tecnologia nacional é “estratégico”
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Rodrigo Leonardi, coordenador de satélites e aplicações da Agência Espacial Brasileira, reitera a estratégia de alcançar uma posição estratégica nesse setor a partir de parcerias com as universidades. “Essas plataformas têm excelente custo-benefício e têm amadurecido muito com aplicação em diversas finalidades para a ciência, o desenvolvimento tecnológico, observação da Terra, entre outras. É uma grande oportunidade para ofertar esses sistemas como um capítulo importante do nosso sistema espacial brasileiro”, diz.
Em novembro de 2022, a AEB, junto com a Academia Internacional de Astronáutica (IAA), reuniu em Brasília mais de 200 profissionais de 20 países diferentes em um evento sobre pequenos satélites. Segundo Leonardi, isso ajuda a refletir o crescimento da comunidade brasileira de pesquisadores, engenheiros, empresários e estudantes interessados pelo assunto.
“Os nanossatélites também abrem excelentes oportunidades para desenvolver cooperações internacionais, nacionais e obviamente tem o aspecto de capacitação de recursos humanos. Existe uma grande gama de aspectos positivos para o nosso país que a gente consegue utilizando esse tipo de plataforma. A AEB tem investido e pretende continuar investindo nesse tipo de tecnologia, até porque já existe grande expertise no nosso país nessa área”, complementa.
Com o aumento do fluxo de missões espaciais em todo mundo, o Brasil tem buscado investir no setor tanto em pequena quanto em grande escala. Em 14 de abril, Brasil e China assinaram acordo para construção de um novo satélite sino-brasileiro que deve trazer inovações no monitoramento aéreo com o uso de radar. O último satélite do Programa CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres, na sigla em português) foi lançado em dezembro de 2019.
Para Borges, o desenvolvimento da tecnologia nacional é extremamente estratégico para qualquer país e pode coexistir em frentes variadas de pesquisa, assim como em diferentes escalas de investimentos. Na sua avaliação, o desenvolvimento já não está restrito apenas a grandes potências e há uma série de convenções internacionais que ajudam a regular a transferência de tecnologias, assim como a sua proteção.
“Para certas aplicações, para certos problemas, é intrínseco cooperação em rede que busca equilíbrio. A capacidade de observação é diferente em cada parte do planeta. Nem tudo que consigo enxergar do hemisfério norte eu consigo enxergar no sul ou com o mesmo detalhe. Isso impõe naturalmente uma restrição que força uma colaboração em rede”, pontua o pesquisador, que conta com colaborações voluntárias no projeto AlfaCrux de observadores localizados em diferentes partes do globo.
A importância dos investimentos nacionais no setor aeroespacial, segundo ele, para fomentar centros de pesquisa e desenvolvimento, seja no ambiente acadêmico ou no setor produtivo privado. “É preciso investir porque certas tecnologias não são facilmente acessíveis e nós precisamos desenvolver nossa própria, inclusive para nos posicionarmos de uma forma melhor nas negociações futuras”, conclui.
Edição: Thalita Pires