Demanda foi proposta à Suprema Corte. Para Advocacia-Geral, regra contida na Lei de Desestatização da empresa causa grave lesão ao patrimônio e ao interesse públicos
Publicado em 05/05/2023 – 18h31 – Atualizado em 05/05/2023 – 19h03
AGU — A Advocacia-Geral da União (AGU) ajuizou nesta sexta-feira (05/05) ação com pedido liminar requerendo ao Supremo Tribunal Federal (STF) a declaração parcial de inconstitucionalidade de dispositivos da Lei nº 14.182/2021 (Lei de Desestatização da Eletrobrás). Também subscrita pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a ação solicita à Corte que dê interpretação à norma para afastar a regra nela expressa, na parte relativa à União, que proíbe que acionista ou grupo de acionistas exerçam votos em número superior a dez por cento da quantidade de ações em que se dividir o capital votante da empresa. Esse entendimento valeria apenas no caso de acionistas com essa posição antes do processo de desestatização.
A vedação consta no artigo 3º, inciso III, alíneas “a” e “b” da Lei de Desestatização da Eletrobrás. De acordo com os fundamentos da ação, a aplicação imediata desses dispositivos às ações detidas antes do processo de desestatização representam grave lesão ao patrimônio e ao interesse públicos. Isso porque a União, mesmo após a desestatização da companhia, ocorrida em 2022, embora continue a ser sua maior acionista, teve seus direitos políticos drasticamente reduzidos por medida “injustificável do ponto de vista jurídico-constitucional”.
Segundo informações constantes da ação, com a privatização da Eletrobrás, houve uma operação de aumento de capital da empresa por meio de oferta pública de ações em bolsa de valores. A União manteve cerca de 43% das ações ordinárias (considerado o controle direto e outras formas de participação). No entanto, pela regra imposta pela Lei de Desestatização, teve seu poder de voto reduzido a menos de dez por cento do capital votante.
A regra questionada pela AGU por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta foi adotada originalmente com o objetivo de promover a “pulverização de ações” da empresa, impedindo que ela fosse controlada por grupos econômicos que a desviasse de suas finalidades de interesse social. No entanto, nas razões da ADI, a AGU argumenta que, em vez de cumprir o propósito para a qual foram instituídos, os dispositivos tiveram o efeito prático de desapropriar indiretamente os poderes políticos da União na companhia.
Grave lesão ao interesse público
Os autores da ADI sustentam que a regra limitadora do direito de voto, quando analisada em conjunto com outras características do processo de desestatização da Eletrobrás, gera ônus desproporcional à União e grave lesão ao interesse público, em clara violação ao direito de propriedade do ente federativo, “aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, e de diversos mandamentos constitucionais que regem a atuação da Administração Pública”.
Eles chamam a atenção para o fato de que, embora devesse ter sido redigida com as características de generalidade e abstração, como devem ser as normas em geral, a regra se restringe apenas ao direito de propriedade da União, única acionista a possuir ações em volume superior a dez por cento das ações ordinárias. “Assim, a regra veio apenas a malferir os direitos políticos da União em favor dos demais acionistas minoritários da companhia”, anota a petição inicial.
A ação destaca ainda que, além de prejudicar o Estado, os dispositivos questionados criam um incentivo perverso contrário à concretização do próprio modelo de privatização projetado pela Lei de Desestatização da Eletrobrás. Tal modelo prevê a diluição do capital social da União por meio de novos aportes de recursos (investimentos) para a empresa mediante a oferta de novas ações ordinárias.
Para a AGU, isso ocorre porque a oferta de novas ações também impactaria o poder político dos atuais minoritários, que exercem o controle de fato da empresa. “Assim, a limitação de dez por cento – que atinge única e exclusivamente o bem público dominical de propriedade da União – incentiva a manutenção do status quo, em que pequenos acionistas controlam de fato a empresa em detrimento do poder político da União nas assembleias”, argumentam.
Gestão privada
Na petição dirigida ao STF, os autores esclarecem que a finalidade da ação não é a reestatização da Eletrobrás, que continuará a ser uma empresa sob gestão privada, mas sim o resguardo do interesse público. Ressaltam que o propósito da medida judicial é obter uma interpretação adequada da legislação para que a União possa participar da gestão da Eletrobrás de forma proporcional ao investimento público que possui na empresa, e à sua responsabilidade na gestão de recursos energéticos.
Para o advogado-geral da União, Jorge Messias, considerando o interesse público da matéria, é legítima a busca de uma interpretação da lei que possibilite à União exercer plenamente seus direitos políticos na Eletrobrás de forma proporcional ao capital público nela investido. “Não podemos esquecer que a União tem responsabilidade pela gestão do sistema elétrico brasileiro”, diz. “Qualquer crise que atinja a empresa não pode deixar de ser resolvida senão no sentido da preservação de sua atividade, que significa, em última instância, a própria continuidade da economia nacional”, acrescenta.
A ADI ajuizada no STF requer, em suas conclusões, a suspensão, em caráter liminar, dos dispositivos da Lei de Desestatização da Eletrobrás com efeitos retroativos até o julgamento final do processo pela Corte. Ressalta que a regra deve ser aplicada apenas ao direito de voto referente a ações adquiridas após a desestatização da empresa.
Sobre a empresa
A Eletrobrás é a maior empresa de energia elétrica da América Latina, sendo responsável pela operação de 101 usinas de geração de energia de distintas fontes, com uma capacidade instalada de 42,6 mil mw, e de 73,8 mil quilômetros em linhas de transmissão em todo o país. Emprega, diretamente, cerca de dez mil pessoas. Em 2022, teve lucro líquido de R$ 3,6 bilhões.
Perguntas e Respostas
1 – Qual é o objetivo da ADI ajuizada pela AGU relativa à Eletrobrás?
Na essência, o objetivo é resguardar o patrimônio e o interesse públicos. É assegurar o direito da União de votar, como acionista da Eletrobrás, de forma proporcional à participação que ela detém no capital social da empresa. Hoje, mesmo após a privatização, a União possui cerca de 43% das ações ordinárias da companhia (considerado o controle direto e outras formas de participação). No entanto, por uma regra imposta pela Lei nº 14.182/2021 (Lei de Desestatização da Eletrobrás), ela teve seu poder de voto reduzido a menos de dez por cento do capital votante.
2 – O que efetivamente está sendo pedido ao STF com a ação?
A ação solicita à Suprema Corte que dê interpretação à Lei de Desestatização da Eletrobrás para afastar a regra nela constante, na parte relativa às ações detidas pela União, que proíbe que acionista ou grupo de acionistas da Eletrobrás exerçam votos em número superior a dez por cento da quantidade de ações em que se dividir o capital votante da empresa. Essa vedação consta no artigo 3º, inciso III, alíneas “a” e “b” da Lei nº 14.182/2021 ,e também foi incorporada ao Estatuto Social da Companhia, em seu art. 6°. Houve um pedido de liminar na ação para suspender de imediato, e parcialmente, a eficácia de tais dispositivos, com efeitos retroativos, até julgamento final do processo, de modo que eles somente sejam aplicáveis ao direito de voto referente a ações adquiridas após a desestatização da Eletrobrás.
3 – Em caso de decisão favorável à União, a empresa volta a ser estatizada?
Não é objeto na ADI a rediscussão do processo de privatização da empresa, que continuará sob gestão privada. Como mencionado, o objeto da ação é o resguardo do interesse e do patrimônio públicos com a obtenção de uma interpretação adequada da legislação para que a União possa participar da gestão da Eletrobrás de forma proporcional ao investimento público que possui na empresa, e à sua responsabilidade na gestão de recursos energéticos.
4 – A regra que está sendo questionada não é benéfica para a empresa por impedir seu controle por acionistas sem compromisso com seus fins sociais?
Como explicado na petição inicial, os dispositivos questionados têm o objetivo de evitar que o controle da empresa – imprescindível para o adequado funcionamento do sistema elétrico brasileiro – fosse, de fato, entregue a grupo descompromissado com interesses sociais. No entanto, observou-se que, na prática, a interpretação dada pela Eletrobrás à regra somente acarretou ônus desproporcional e injustificável para a União, com comprometimento de direitos políticos e econômicos do Estado. Sob o ponto de vista jurídico, entende-se que houve imposição de ônus ilegítimo à União (e a seu grupo) e ao interesse social em benefício de outros acionistas privados da empresa. Sob o contexto da eficiência da Administração Pública, e consideradas as circunstâncias da desestatização, compreende-se que inexiste justificativa plausível para que a União possua mais de dez por cento de ações ordinárias do capital social da Eletrobrás privatizada, se seu direito de voto está limitado a esse patamar.
5 – A limitação do número de votos por acionistas não é uma prática comum de mercado?
Na prática societária nacional, ou mesmo internacional, a limitação de número de votos de cada acionista, tal como previsto no art. 110, § 1°, da Lei n° 6.404/1976 (Lei das SA), só é aprovada em assembleia geral de acionistas depois que o capital ordinário dessa companhia já se encontra pulverizado. Isso ocorre porque não existe razão jurídico-econômica para um acionista controlador auto aplicar uma restrição que a ele não é benéfica. No caso da privatização da Eletrobrás, houve uma inversão dessa lógica societária porque a imposição de uma norma limitadora do número de votos foi aprovada antes da efetiva diluição do capital ordinário da companhia, atingindo, justamente por isso, somente a participação societária da União na empresa (que manteve cerca de 43% das ações ordinárias), em nítido favorecimento dos acionistas minoritários privados.
6 – Por que a petição inicial sustenta que a regra atual traz prejuízo ao modelo de privatização da Eletrobrás?
De fato, como exposto na inicial, além de prejudicar a União, os dispositivos questionados criam um incentivo perverso, que é contrário à realização do próprio modelo de privatização previsto na Lei de Desestatização da Eletrobrás. Esse modelo prevê a diluição do capital social da União por meio de novos aportes de recursos (investimentos) para a empresa, mediante a oferta de novas ações ordinárias. Ocorre que a oferta de novas ações também impactaria o poder político dos atuais acionistas minoritários, que exercem o controle de fato da empresa. Desse modo, a limitação de dez por cento – que atinge única e exclusivamente o bem público dominical de propriedade da União – incentiva a manutenção do status quo, em que pequenos acionistas controlam de fato a empresa em detrimento do poder político da União nas assembleias.
7 – Qual o impacto de eventual decisão favorável à União nas atividades da empresa?
A empresa continuará a desenvolver suas atividades de maneira normal. Há o interesse de todos os sócios, sejam eles públicos ou privados, no sentido de que a companhia tenha bons resultados, gere lucros e cumpra sua finalidade social de empresa indispensável para a atividade econômica nacional. Na perspectiva do interesse público, a AGU entende ser legítima interpretação que possibilite que a União possa exercer plenamente seus direitos políticos na sociedade de forma proporcional ao capital público investido e à sua responsabilidade na gestão da estrutura básica do sistema elétrico brasileiro. Vale destacar que, devido à relevância da empresa para o país, qualquer crise que a afete não pode deixar de ser resolvida senão no sentido da plena preservação de suas atividades.
8. Por que se argumenta que a empresa está sob controle de fato de acionistas minoritários?
Esse argumento está demonstrado em fatos. Conforme narrado na petição inicial, não há um único representante da União na atual composição do Conselho de Administração da empresa. A solicitação de troca foi recusada pela atual gestão. Além disso, nas duas últimas assembleias realizadas, a posição da União, contrária à extinção da representação dos empregados no Conselho de Administração e ao aumento de remuneração dos dirigentes, ficaram vencidas e completamente isoladas. Daí a demonstração que os minoritários, isolando a posição da União, exercem de fato o controle da companhia. Sob outra ótica, o exercício dos plenos poderes políticos da União na Eletrobrás é garantia de governança e preservação da empresa, inclusive considerando a função social da empresa, que gere a estrutura básica do sistema elétrico. Todavia, a regra em discussão na ADI mitiga a atuação da União. Assim, como dito na ação, da posição vencida da União na 186ª AGE (exclusão da previsão de conselheiro eleito como representante dos empregados) e na 63º AGE (remuneração global dos administradores), também foram aprovadas outras alterações de governança, sem que a União pudesse exercer seu direito a voto de forma proporcional às suas ações. Enfim, a União investe seus recursos, mas não exerce poder político na administração da companhia, que fica sob o controle exclusivo dos minoritários.