O Google, o Spotify e o Twitter fizeram diferentes ofensivas nesta semana contra o PL 2630, que propõe a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Ao tomar tais ações, as plataformas abusam de seu poder econômico e evidenciam o motivo preciso porque é urgente uma regulação. Mas por que as empresas que compõem o principal negócio dos maiores grupos econômicos do planeta se lançam em uma cruzada contra o chamado PL das fake news?
O Google colocou um link sob o espaço de digitação de busca que leva a uma nota do próprio Google sobre o PL 2630, sem qualquer alerta de anúncio ou conteúdo político (descumprindo as próprias regras da plataforma). Já os ouvintes do Spotify se depararam com um anúncio do próprio aplicativo contra o projeto, embora suas regras de uso proíbam publicidade de conteúdo político. E o Twitter vem derrubando o alcance de postagens favoráveis à medida e passou a censurar hashtags e termos de apoio à Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (PL 2630/2020).
Ao tomar tais ações, as plataformas abusam de seu poder econômico e evidenciam o motivo preciso porque é urgente uma regulação. Mas por que as empresas que compõem o principal negócio dos maiores grupos econômicos do planeta se lançam em uma cruzada contra o Projeto de Lei relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB/SP)?
Modelo de negócio
Para entender a questão, é importante compreender o modelo de negócio. Presentes em quase todas as atividades da vida social na atualidade, a atuação das plataformas de internet pode influenciar comportamentos, visando ao menos dois objetivos: 1) estimular o consumismo de forma geral, o que é feito por meio do direcionamento de publicidade; 2) reter a atenção de usuários para que fiquem o máximo de tempo possível online, por meio de mecanismos de estímulos e compensações que provocam vício, e pelo reforço das percepções de mundo por filtros-bolha e câmaras de eco, ou seja, os algoritmos apresentam aos usuários conteúdos sobre o que já acreditam, reforçando muitas vezes discursos de ódio.
O fato de a linguagem das redes ser o do medo e da “treta” é consequência da forma como funcionam os direcionamentos realizados pelos algoritmos, que são tecnologias programadas para se desenvolverem a partir da massiva quantidade de dados coletados a cada milissegundo nas redes, mapeando como cada pessoa posta e como reage a cada conteúdo. Ora, se sabemos que há preconceitos e desigualdades presentes na sociedade, essas contradições da vida social serão os parâmetros de atualização e desenvolvimento dos algoritmos pelo processo de aprendizado de máquinas (learning machine).
Proteção de crianças e adolescentes
Assim, se uma mensagem sobre massacre em escolas passa a ter muita adesão em determinado público, como o de adolescentes, por exemplo, os algoritmos passam a apresentar este tipo de conteúdo ao máximo de pessoas dessa faixa etária, sobretudo àqueles indivíduos mais suscetíveis, pois sua tarefa é ampliar o engajamento dos conteúdos e reter a atenção das pessoas pelo maior tempo possível. O mesmo vale para informações de cunho sensacionalista ou feitas para convencer parcela da população sobre determinado assunto, de forma que os algoritmos potencializam a circulação de fake news nas redes.
A reunião massiva de dados e o direcionamento de mensagens com base em nossas preferências está no centro do modelo de negócio das plataformas de internet. Este é o motivo por que precisam ser reguladas, a fim de proteger os cidadãos e a democracia diante dos interesses dessas megacorporações transnacionais. Este também é o motivo por que as plataformas se lançam contra qualquer proposta de regulação que exija transparência. Afinal, revelar os parâmetros de funcionamento dos algoritmos irá mostrar de que maneira nossos dados são utilizados e isso pode expor que há vieses na programação de algoritmos, ou seja, tendência a favorecer a circulação de determinados tipos de conteúdo (os quais talvez não sejam exatamente promotores de um ambiente democrático).
Fake News sobre o PL das fake news
O PL 2630 não estabelece censura prévia, nem ministério da verdade, não permite banimento de políticos com opiniões diferentes às do governo, nem restringe mensagens religiosas. Todas essas invenções são fake news largamente utilizadas para atacar o texto pelas mesmas forças que fizeram grande parte da população acreditar em kit gay e mamadeira de piroca. O projeto também não trará prejuízo a veículos jornalísticos online de menor alcance (pelo contrário, poderão passar a ser remunerados pela sua produção que circula nas redes), muito menos terá consequências para youtubers e influencers (que sequer são alcançados pelo texto).
Liberdade, Responsabilidade e Transparência
O que o PL das Fake News propõe é a garantia de Liberdade de Expressão, por meio de instrumentos como o devido processo. Quer dizer que se qualquer mensagem for marcada como conteúdo sensível ou for retirada do ar em função das políticas de uso, a plataforma precisa informar o motivo e você tem o direito de contestar, tendo prazo definido para que o aplicativo responda. Você ainda pode questionar judicialmente se a restrição ao seu conteúdo for mantida.
Outra dimensão que o projeto abarca é a da Responsabilidade. Que fique claro: a responsabilidade pelo que você posta é sua. Mas em dois casos específicos as plataformas terão responsabilidade solidária: 1) no caso de anúncios pagos, dado que o alcance das mensagens é aumentado e já existe um processo de aprovação de anúncios pelas plataformas; 2) no caso da plataforma ser notificada sobre risco sistêmico, ou seja, quando há uma massiva circulação de mensagens sobre um tema que possa ameaçar a ordem social ou representar ameaça violenta, como no caso de massacres em escolas ou a organização dos atos terroristas de 8 de janeiro. Uma vez notificada, a plataforma entra em protocolo de emergência e deve agir para coibir a ação criminosa organizada em larga escala. Há, ainda, artigos dedicados especificamente à proteção de crianças e adolescentes nas redes.
Por fim, o PL 2630 estabelece mecanismos de Transparência das plataformas de internet, que precisam produzir relatórios periódicos sobre suas atividades, incluindo moderação de conteúdos, devido processo, anúncios, etc., a fim de que possam ser analisados e avaliados pelo conjunto da sociedade. Tal obrigação não fere qualquer segredo industrial e pode contribuir para que sejam impedidas práticas de censura prévia como a que o Twitter promoveu neste primeiro de maio, calando a voz de defensores de uma regulação de atividades de corporações transnacionais no Brasil justamente no Dia dos Trabalhadores e das Trabalhadoras.