Agência Brasil – Quando o caju começa a brotar na área rural de Camocim (CE), não é apenas o cheiro da fruta que se espalha. Vem junto o gostinho que vai ter colheita e mais recursos para o assentamento “PA Torta”, onde mora a trabalhadora rural Olivia Serafim, de 28 anos.
O caju é o que dá sabor de esperança para as 90 pessoas que moram ali. “O problema é que os mais jovens estão indo embora. A agricultura se tornou uma atividade difícil. Não chove como antes e não rende mais o que é necessário. Por isso, os mais jovens vão construir suas famílias em outros lugares. Ficam só os mais velhos”, lamenta.
Na última semana, Olívia foi uma das mais de 5 mil trabalhadoras que participaram do 4º Festival da Juventude Rural, em Brasília. No evento, no pavilhão do Parque da Cidade, discutiram demandas, reivindicações e trocas de experiências para pensar alternativas para fixar os mais novos no campo.
Olívia recorda, por exemplo, que os colegas de escola foram partindo para outros lugares. “Ao invés de plantar o arroz, o feijão, o caju, terminam o ensino médio e vão tentar trabalhar no comércio de cidades maiores. Não fui embora porque meu pai me convenceu sobre a luta social”. Hoje, ela tenta influenciar outras pessoas da faixa etária a trabalhar no campo. Dos 24 jovens da sua comunidade, ficaram somente cinco.
Nesse período “invernoso”, Olívia explica que vai crescer o caju rosado. “A festa no assentamento, a colheita e o cultivo nos dão renda para sobreviver. A castanha é muito simbólica, principalmente pra juventude, porque é o que dá o dinheirinho para comprar as nossas coisas”. Mas a produção caiu. A estiagem assusta tanto quanto os temporais. “A gente já entendeu que isso é mudança climática”.
Condições
A agricultora familiar Vânia Marques, secretária de políticas agrícolas da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), entende que faltam políticas públicas. “A falta de acesso a melhores condições faz com que os jovens saiam do campo. Na nossa avaliação, os jovens devem ser estimulados a permanecer”.
Um caminho, para a secretária da Contag, seria a garantia do acesso à terra, mais créditos para plantar e colher, assistência técnica e extensão rural. “Para poder elaborar projetos e desenvolver o trabalho no campo, assistência técnica e tecnologias são fundamentais para acessar os mercados e escoar a produção”. Ela avalia a necessidade que a educação chegue ao campo a fim de que as pessoas não percam o vínculo com a terra e com a própria comunidade. “O estímulo das cooperativas pode ajudar a permanência dos jovens no campo”.
Engajamento
Uma fatia de melancia vermelhinha, sem agrotóxico, tem gosto especial de infância para a trabalhadora rural Roseli Silva, hoje com 25 anos, moradora da cidade de Joca Marques, no sertão piauiense, a 250 km de Teresina. Na vida adulta, porém, tudo ficou mais complicado. A melancia sumiu da cidade. A família dela, que sobrevive da produção do arroz e do milho, tem visto o cultivo com menos vigor. Tudo em volta está diferente. E isso a estimulou a virar secretária da Juventude no sindicato rural da cidade.
Na caatinga, o cenário seco acompanha os olhos de Roseli que, ao mesmo tempo que luta pela agricultura, faz um curso semipresencial de técnico de enfermagem em Luzilândia para ter outras opções de serviços.
Para participar do evento em Brasília, viajou quase dois dias, e veio dormir em colchões no pavilhão. “É importante para a gente estar aqui e trocar experiências”. Nas cercanias do grupo de visitantes do Piauí, estavam os maranhenses. Entre eles, os colegas Daniel Silva, de 19 anos, e Elias Novaes, de 20, são de Feira Nova do Maranhão, a 800 km de São Luís. Eles são criadores de gado e também acostumados a trabalhar de sol a sol. “A falta de chuvas mudou tudo. Ração, vacinas, o arame… tudo fica caro no campo”, diz Elias.
Para tentar não sair do trabalho rural, a dupla de amigos resolveu apostar no ensino superior em cursos semipresenciais na cidade de Balsas, a 120 km dos sítios em que trabalham. Elias foi fazer curso de enfermagem. Daniel, de agronomia. “Muitos de nossos amigos foram embora sem perspectivas”.
Do outro lado do pavilhão, Naiara Lima, de 26 anos, veio de Dormentes, no sertão pernambucano. Ela e o marido trabalham com caprinos. Naiara diz que, apesar das estiagens prolongadas e dos temporais extremos dos últimos anos, nada faz que eles saiam do campo.
“A colheita para dar de comer ao animal está em baixa, mas a gente resiste”. A resistência tem a ver com a vida que o casal quer para os filhos. “Tranquilidade total no nosso lugar. As crianças vivem soltas por lá, brincando com os bichos, subindo nas porteiras. Cabe a gente a lutar para que tudo fique melhor”, diz.
Há soluções?
A luta passa pela necessidade de convivência com os efeitos das mudanças climáticas, conforme avalia a pesquisadora e climatóloga Francis Lacerda. Ela explica que o ciclo hidrológico está alterado devido ao aquecimento global. “Os trabalhadores rurais constatam, de forma nítida, a mudança das estações. A chuva se apresenta diferente do que era antes. Eu também sou filha e neta de agricultores nordestinos, e temos visto essas mudanças diante de nós”.
Professora da área de agroecologia, Francis Lacerda avalia que os efeitos das mudanças climáticas são estudados desde o final do século passado. “No final da década de 1990, a gente começou a observar essas alterações no ciclo hidrológico na forma como as precipitações iam ocorrendo principalmente no semiárido”.
O semiárido nordestino é uma das regiões mais vulneráveis a essas alterações, tanto do ponto de vista do clima como socialmente, destaca a pesquisadora. Ela acrescenta que, apesar dos agricultores constatarem essas mudanças como “seca”, ocorre que as chuvas continuam acontecendo, mas em períodos menores.
Com a devastação das matas originárias, o solo aproveita pouco das chuvas fortes em tempos reduzidos, nesse clássico cenário de eventos extremos, com revezamentos de secas e temporais. “O jovem não quer mais ficar no campo porque hoje, além de inúmeras questões de políticas públicas, há particularmente a mudança das estações chuvosas”
Um alerta é que o êxodo rural pode acabar com cidades pequenas. “Se nada for feito, até o ano de 2050, a gente vai ter 80% da população em áreas urbanas, o que vai criar um problema complexo nesse futuro próximo”, diz a professora. Ela recorda que fez um trabalho há dois anos na cidade de Ibimirim (PE) de convivência com a seca com aulas de tecnologia social e importância da biodiversidade.
Ela pôde constatar que ensinamentos de agroecologia e valorização dos produtos originais de uma região ajudam a reflexão dos mais jovens sobre o trabalho no campo. “A gente pediu para que eles olhassem ao redor e procurassem o umbu, que era vasto na região. E encontraram uma árvore velha. Isso mexeu com eles”.
Ela defende que os municípios e Estados, pela própria sobrevivência, devam rever políticas de promoção de desmatamento. Os jovens que plantavam caju, melancia, umbu passam a ser cooptados pela indústria da madeira ou por trabalhos precários em áreas urbanas. “É possível ter um cenário de convivência com as limitações, mas também um futuro distópico. É isso o que precisamos decidir”, alerta a professora.
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!