Eu me tornei colunista semanal aqui no O Cafezinho, do Miguel do Rosário. Agradeço enormemente a confiança do Miguel e conto com todos vocês, menos pela audiência e mais para que possamos realmente ter um espaço de boas discussões.
A última semana foi marcada pela sequência de eventos que sacramentou a CPMI do 08 de Janeiro como um fato político incontestável. O vídeo divulgado pela CNN mostrava Gonçalves Dias no terceiro andar do Palácio do Planalto durante a invasão dos golpistas em 08 de janeiro, o que imediatamente fez com que bolsonaristas dissessem que a invasão de 08 de janeiro nos prédios dos três poderes era “armação do PT”. E a Presidência da República também se indignou com os vídeos divulgados, uma vez que, aparentemente, esses vídeos não tinham sido apresentados ao Presidente. No fim, Gonçalves Dias (o General, não o poeta) terminou demitido do seu posto de Ministro do GSI e Ricardo Capelli, que já tinha sido interventor no Distrito Federal em janeiro, assumiu como Ministro interinamente.
Omissão não é traição, mas é igualmente passível de punição. Essa é a questão envolvendo o General Gonçalves Dias. O General não apresentou todos os vídeos de 08 de janeiro para a Presidência da República, e isso aconteceu pode ter várias motivações: o General Gonçalves Dias pode mesmo ser um traidor (o que não parece provável), o General pode ter excluído alguns vídeos para se preservar (o que parece plausível tendo em vista que esse é um modus operandi comum entre militares), ou o General pode simplesmente pedido para seus funcionários fazerem uma curadoria dos vídeos, o que obviamente teria como efeito o fato de que esses funcionários selecionariam apenas os trechos “não comprometedores”. E, também, o General pode ter selecionado os vídeos com o objetivo de diminuir o tensionamento com os militares, afinal, ele mesmo é um militar.
É bom ressaltar que na data de 08 de janeiro o governo Lula ainda não tinha feito nomeações para o GSI além do General Gonçalves Dias. Isso quer dizer que toda a equipe que estava com ele era a equipe do General Heleno. Certamente isso não ajudou: hoje sabemos que muitos membros dessa equipe eram profundamente comprometidos com Bolsonaro, e alguns participaram até de articulações pelo golpe, de visitas a acampamentos em quartéis, fazendo o papel patético de “cavaleiros do aguardem” enquanto o golpe bolsonarista não vinha.
Nada disso torna menos condenável a atitude do General Gonçalves Dias em esconder imagens da Presidência da República. Claramente houve uma quebra de confiança aí, e a dúvida é se essa quebra de confiança foi um movimento intencional ou se foi um movimento descuidado de confiar em militares que claramente não mereciam essa confiança.
A grande consequência, para além da demissão do General, foi a de que o governo Lula agora quer a CPMI do 08 de Janeiro. Se antes a percepção era a de que a CPMI prejudicaria a pauta econômica, depois do vídeo de Gonçalves Dias ficou claro que esse assunto não morreria por si só. Deixar o golpismo do Bolsonaro em segundo plano não era mais uma opção, sob pena dos bolsonaristas emplacarem toda espécie de narrativa maluca sobre o tema em suas redes, que hoje são bem mais fortes que as redes pró governo, especialmente nesse momento em que Elon Musk transformou o Twitter num Rumble com mais incautos.
Reverter essa parte da narrativa bolsonarista nem é uma tarefa tão difícil, considerando que os fatos mostram categoricamente que a tentativa de golpe de 08 de janeiro foi feita por bolsonaristas, apoiada pelo staff palaciano do Bolsonaro e fruto de um processo pós eleitoral de dois meses em que Bolsonaro não reconheceu a derrota por nenhum momento sequer. Hoje sabemos que Bolsonaro tentou, de todas as formas possíveis, reverter na base da canetada sua derrota nas urnas. O golpe de 08 de janeiro foi só mais uma tentativa nesse sentido: a intenção era invadir os prédios dos três poderes, com leniência da polícia militar do Distrito Federal (estrategicamente controlada por Anderson Torres), ampliar esse movimento para as estradas do país (que nem os caminhoneiros fizeram no início de novembro e, depois, com o país “parado” e os Palácios “ocupados”, o passo óbvio era chamar os militares para “restaurar a ordem”.
A “restauração da ordem” era a volta triunfal de Bolsonaro ao Brasil, para reassumir o poder e destituir todos aqueles que “fraudaram a eleição”, em especial os Ministros do STF. Para o azar de Bolsonaro, todo esse planejamento não deu certo. Em parte, porque as instituições do país decidiram não abraçar o completo caos proposto por Bolsonaro, que sempre sonhou em se tornar um autocrata, mas não teve competência nem mesmo pra isso.
Mas a parte realmente divertida do processo desencadeado pela aceitação da CPMI por parte do governo é a perda da blindagem da cúpula dos militares que, a exemplo dos militares de 1985, estava planejando submergir sem perder direitos durante do governo Lula. E aí é necessário esvaziar os baldes da conspiração: militares são muito mais corporativistas do que conspiradores. A volta dos militares para a política foi feita, antes de tudo, com o objetivo de garantir que nenhum militar seria punido pelos crimes da ditadura. E agora a tentativa deles em manter influência tem como maior propósito o de impedir que os militares envolvidos com o governo Bolsonaro sejam punidos também. Toda aquela papagaiada do “projeto de nação” do Instituto Villas Boas tem como objetivo de fundo o de garantir que militares estejam livres de toda e qualquer punição por atos criminosos no governo. Tanto que o foco daquilo é o de destruir instituições que contam com defensores notórios de condenações aos militares, tais como o SUS e as Universidades Públicas.
Com a CPMI, essa turma vai virar alvo de novo. Vai soltar notinhas ameaçadoras de novo. Que dessa vez, com Lula no poder, essas notinhas sejam devidamente ignoradas. Já deveriam ter sido na CPI da COVID, em 2021. Se tivessem sido, o Brasil teria evitado aberrações como a de ver o General Pazuello virando Deputado Pazuello.
Luise
26/04/2023 - 14h09
Ótima análise Leonardo, boa escolha do Miguel do Rosário. Uma das minhas principais críticas ao Lula é o fato dele ainda teimar em confiar nas Forças Armadas. Pelamor, o desgoverno do Genocida era repleto de milicos, que ampliaram suas mamatas e teimam em serem partido político. Que o STF condene os milicos por trás do 8/1, e os governistas convoquem o General Heleno, Braga Netto e outros. Abraços
Mara
26/04/2023 - 13h58
Excelente notícia. Sucesso ao novo colaborador.
Dudu
26/04/2023 - 13h39
O que aconteceu no dia 8 é o fruto da mistura terceiromundista imunda entre política e alto judiciário e nada mais.
Falar de golpe é coisa de imbecis completos.
Galinze
26/04/2023 - 13h35
Mais um transtornado.