Após 50 anos, Tratado de Itaipu deve ser revisto

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Há meio século era assinado o acordo bilateral. Mais do que uma efeméride, data também marca o fim de uma obrigação imposta aos paraguaios: a venda do excedente energético a preço de custo ao Brasil.

Publicado em 26/04/2023

Por Edison Veiga

DW — Há exatos 50 anos, em 26 de abril de 1973, Brasil e Paraguai assinaram o Tratado de Itaipu, firmando o acordo para uma parceria, para uma sociedade binacional: no documento, ambos os países determinaram como deveria ser feito o aproveitamento hidrelétrico do Rio Paraná, planejando assim o produto da futura Usina Hidrelétrica de Itaipu, cuja barragem seria construída entre 1975 e 1982.

Mais do que uma efeméride, a data é importante porque, conforme previsto pelo chamado anexo C do acordo, neste ano expira uma obrigação imposta aos paraguaios: a venda do excedente energético a preço de custo ao Brasil.

A explicação está no seguinte: a usina pertence aos dois países, metade cada um. Já que o Paraguai não utiliza toda a parte que lhe cabe, e o Brasil necessita de muito mais energia, ficou acertado que o primeiro não poderia vender esse restante no mercado internacional, sendo obrigado a priorizar o segundo. E agora, 50 anos depois, esse tratado seria passível de revisão.

“Em termos energéticos, com as 20 unidades de geração, […] a usina tem a capacidade de fornecer 8,7% da energia consumida em nosso país e 86,4% da utilizada no Paraguai”, explica o físico Fábio Raia, professor de engenharia elétrica da Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em tecnologia de reatores. Em 2022, o sistema produziu um total de 69.873 GW/h.

“O Paraguai tem direito a 50% da energia gerada, mas não a consome, utilize apenas 5%”, complementa Raia. “O acordo diz que o restante, ou seja, 45%, deve ser vendido obrigatoriamente ao Brasil a preço de custo.”

Só após a posse do novo presidente paraguaio

Entidade constituída pelo tratado e que atua como operadora do sistema, a Itaipu Binacional foi procurada pela DW para explicar as possíveis mudanças que devem ocorrer.

Em nota, a empresa binacional esclareceu que o anexo C, “que estabelece as bases financeiras” do tratado, “pode ser revisto passados 50 anos de sua assinatura, e se assim desejarem seus sócios, Brasil e Paraguai”. Embora o cinquentenário seja nesta quarta, a companhia explicou que a negociação sobre eventuais ajustes e renovação do acordo “deve se iniciar depois de agosto, após a posse do novo presidente do Paraguai”. Os paraguaios irão às urnas no próximo domingo, dia 30, mas o novo mandatário só assume daqui a quatro meses.

“A negociação será conduzida pelas respectivas chancelarias dos países-sócios”, explicou a Itaipu Binacional. “[…] Pode-se optar pela construção de um novo anexo ou pela repactuação do vigente. As negociações oficiais sequer começaram […].”

Para o especialista Raia, “o problema é político e irá exigir esforços de ambas as nações”. “O Paraguai pretende vender o excedente ao mercado livre, […] é soberano e poderá comercializar essa energia com outros países, caso tenha tecnologia para isso.” Ele acredita que, se isso vier a ocorrer, haverá aumento no preço da energia elétrica pago pelo consumidor brasileiro.

Oportunidades

Presidente da associação que representa os consumidores industriais, a Abrace Energia, o engenheiro Paulo Pedrosa avalia que a renegociação do tratado pode ser uma oportunidade — que poderia beneficiar o bolso do consumidor. “O anexo trata justamente do cálculo tarifário. Agora, em 2023, com as dívidas para a construção de Itaipu já tendo sido pagas, isso permitiria uma redução significativa na tarifa”, argumenta.

A Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) também enxerga oportunidades na revisão do acordo. “A livre comercialização da energia é uma das possibilidades com a renovação do tratado”, afirma o jornalista Rodrigo Ferreira, presidente executivo da entidade. “No mercado livre de energia, impera a racionalidade das negociações bilaterais, onde compradores e vendedores podem negociar livremente preços, prazos e demais condições.”

Ferreira acredita que a revisão do anexo C signifique “uma oportunidade extraordinária para fomentar a competição no mercado de energia”. Pedrosa defende “que a energia [excedente] seja licitada ou vendida em leilões a preço de mercado e que a diferença entre o preço de venda e o custo da usina seja usada para o abatimento de encargos setoriais pagos por todos os consumidores”.

Em 2007, por exemplo, o Brasil assumiu integralmente a correção monetária de toda a dívida da construção da usina. – Joedson Alves/dpa/picture alliance

Diplomacia e benefícios

As negociações entre as duas partes não devem ser simples. Pesquisadora na Universidade de Brasília (UnB), jurista Gracemerce Camboim, professora de Direito Internacional na Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília diz que espera que espera que a sejam encontradas soluções que superem “as relações assimétricas, pois além da questão financeira o que está em jogo é a soberania dos países”.

“Embora os direitos das partes sejam iguais, os países são desiguais e é preciso encarar essa assimetria”, afirma ela, lembrando que o Brasil é muito maior, mais populoso e mais industrializado que o país vizinho.

“A crítica [dos paraguaios aos termos do acordo] está nos valores pagos pelo Brasil por essa energia [excedente]”, comenta Camboim. Atualmente, enquanto o preço do kw/h no mercado internacional está na casa de US$ 220, o Brasil paga somente US$ 44 ao Paraguai.

Por outro lado, a professora recorda que houve benefícios ao Paraguai por conta dessa relação entre os dois países na operação de Itaipu. Em 2007, por exemplo, o Brasil assumiu integralmente a correção monetária de toda a dívida da construção da usina.

De acordo com os dados mais recentes publicados pela Itaipu Binacional, em 2021, 86% de toda a receita de Itaipu foi proveniente do Brasil, embora o país tenha recebido apenas 76% da energia. O mesmo relatório apontava que os custos relativos ao rendimento do capital inicial, aos royalties, aos encargos administrativos e à remuneração por cessão de energia totalizavam então US$ 676 milhões — e 64% desse montante haviam sido repassados ao Paraguai.

Na análise de Camboim, “percebe-se que a construção de Itaipu, praticamente, foi integralmente paga pelo Brasil”. “O Paraguai, além de receber toda a energia de que precisava sem contribuir proporcionalmente com a construção, ainda obtém uma receita adicional”.

“O principal ponto nas discussões [que devem tomar corpo neste ano] é a livre disponibilidade da energia produzida e não aproveitada pelo Paraguai”, comenta ela. “Hoje, há uma imposição contratual na cessão ao Brasil da energia não utilizada, impedindo o Paraguai de vender esse excedente a outros parceiros.”

Com essa venda compulsória ao Brasil, o Paraguai recebe cerca de US$ 360 milhões por ano.

Tema já aparece nos discursos

A jurista diz que espera que os governantes e diplomatas se lembre desse histórico na hora de negociar. Ela defende que dois princípios sigam valendo. “A tarifa de Itaipu deve continuar sendo definida pelo custo, tal qual os termos do tratado”, afirma. “E a potência deve continuar sendo contratada com antecedência para viabilizar o planejamento de cada país.”

Embora oficialmente as tratativas ainda não tenham se iniciado, o assunto já preocupa as autoridades brasileiras. Em 16 de março, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva compareceu à posse do novo diretor-geral brasileiro da usina, o economista e político Enio Verri.

Em seu discurso, dirigindo-se ao presidente do Paraguai, Lula ressaltou que tanto “da parte do Brasil” como “tenho certeza que da parte do Paraguai” há mais maturidade e mais consciência e “faremos um novo tratado que será muito benéfico para a manutenção do desenvolvimento do Paraguai, do desenvolvimento do Brasil e para a manutenção dessa relação cordial harmoniosa” entre os dois povos.

Cláudia Beatriz:
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