Agência USP de Notícias – Os grandes empreendimentos imobiliários vêm causando transformações nas periferias da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e provocando aumentos nos valores de moradias, dificultando o acesso de famílias de menor renda e favorecendo o surgimento de favelas e assentamentos precários. “Grandes condomínios residenciais estão assumindo um protagonismo cada vez maior na reprodução de espaços nas periferias”, afirma a arquiteta Isadora Fernandes de Oliveira. Ela é autora de uma pesquisa de mestrado apresentada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP que analisa as transformações ocorridas no bairro de Itaquera, na zona leste da capital paulista.
Intitulado O avanço da produção imobiliária sobre a “periferia” da metrópole: o “segmento econômico” e as transformações na produção do espaço em Itaquera, São Paulo, o estudo foi orientado pela professora Maria Beatriz Cruz Rufino, da FAU, e teve como objetivo compreender o que acontece nas periferias da Região Metropolitana de São Paulo frente ao avanço do mercado imobiliário e às transformações provocadas ao longo do tempo. “Em termos de método, eu analisei Itaquera como um estudo de caso que pudesse me auxiliar a pensar esse avanço do mercado imobiliário por todas as periferias da metrópole”, diz a pesquisadora. O estudo de Isadora teve início em 2018 e o recorte de tempo utilizado por ela foi a partir da metade dos anos 1990 até 2020, ano da conclusão da pesquisa.
Segundo a arquiteta, o avanço da produção imobiliária sobre a periferia pode ser dividido em três momentos principais: entre 1995 e 2000, com o retorno de linhas de financiamento habitacional após o fim do Banco Nacional da Habitação (BNH), criado na ditadura militar; de 2009 a 2013, fortemente vinculado ao lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida; e entre os anos de 2017 e 2019, quando houve uma diversificação de produtos imobiliários lançados pelo mercado nas periferias em um momento de crise econômica e imobiliária. Isadora classifica esses três momentos como o “momento da criação”, o “momento da expansão” e o “momento da generalização” dessa produção habitacional promovida pelo mercado imobiliário.
Itaquera está na porção central do extremo leste da cidade de São Paulo. Ela faz divisa com as Subprefeituras de Aricanduva e Penha, pertencentes à zona leste 1 e com outras seis Subprefeituras da zona leste 2: Ermelino Matarazzo, São Miguel, Itaim Paulista, Guaianases, Cidade Tiradentes e São Mateus. Totalizando uma área de 55,32 quilômetros quadrados (km²), a Subprefeitura de Itaquera corresponde a 0,69% da área de toda RMSP, que possui 7.946,96 km². Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, em termos populacionais, Itaquera abriga 523.848 habitantes, o que representa 2,66% dos 19.683.975 residentes na RMSP.
Hoje em dia, a Subprefeitura de Itaquera é composta de quatro distritos administrativos que somados representam uma área de 54,3 km², correspondendo a 3,6% da área total do município de São Paulo, enquanto abriga cerca de 520 mil habitantes, o que corresponde a 4,7% de toda a população da cidade de São Paulo. A análise da região de Itaquera, como descreve Isadora, é interessante pelo histórico da produção habitacional na região. Entre 1950 e 1980, o bairro ficou conhecido pela implementação das autoconstruções de moradias, ou seja, as casas erguidas pelos próprios moradores. A partir da década de 1980, o bairro recebeu intensa produção pública de moradias, os chamados conjuntos habitacionais.
Em toda a zona leste, estima-se a construção de 116 mil unidades habitacionais, promovidas tanto pela Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab-SP) quanto pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), onde moravam cerca de 454 mil pessoas em 1999. Somente na região de Itaquera, foram mais de 30 mil unidades habitacionais produzidas pelo Estado.
Na metade dos anos 1990, o mercado imobiliário tradicional, de grandes incorporadoras passa a atuar na região. A pesquisa mostra como a produção das grandes incorporadoras se dá especialmente no distrito de Itaquera, nas proximidades das grandes avenidas que estruturam este espaço, como a Aricanduva e a Jacu Pêssego. Além disso, também acaba avançando de modo mais contundente em áreas urbanizadas pelo “padrão periférico de crescimento [autoconstrução]”, e mesmo em áreas de ocupação recente, com infraestrutura precária — especialmente na margem de córregos que cortam a região —, bem como nas bordas dos conjuntos habitacionais.
Mesmo com a intensa produção de moradias realizadas pelo mercado imobiliário nos últimos 30 anos, Isadora explica que a produção autoconstruída (doméstica), não deixou de existir. Ao contrário, ela se intensifica mediante a ineficiência do próprio mercado em assegurar condições de habitação à toda população. De acordo com a pesquisadora, “o número de favelas na Subprefeitura de Itaquera passou de 48 no ano 2000 para mais de 64 em 2017 (crescimento de 33%), sendo que o percentual de favelas na região em relação ao próprio município de São Paulo se ampliou de 2,38% para 3,74% nestes anos”.
“Os dados do déficit habitacional na metrópole também nos ajudam a problematizar este processo”, diz a arquiteta. “Entre 2011 e 2018, o déficit habitacional na RMSP dobrou, passando de 507,8 mil para 1,024 milhão de unidades habitacionais, sendo que apenas o ônus excessivo com aluguel corresponde a 46,3% do déficit habitacional na metrópole”, contabiliza a pesquisadora. Os altos preços imobiliários vislumbrados na metrópole de São Paulo evidenciam os desafios para pensar políticas e formas de produção habitacionais mais inclusivas, que garantam às populações mais pobres o acesso à moradia.