A complicada diplomacia antiguerra de Lula na coletiva de Portugal

Lula e Marcelo Sousa em Portugal, 22 de abril de 2023. Ricardo Stuckert

Lula está em Portugal e participou de uma coletiva junto com o presidente de Portugal.

A partir do minuto 26:40, ele começa a responder às perguntas dos jornalistas (na verdade, há uma pergunta antes, do jornalista Igor Gadelha, do Metropoles, sobre questões políticas internas, que o presidente disse que irá responder apenas quando voltar ao Brasil).

Quase todos os questionamentos da imprensa portuguesa, são sobre a guerra na Ucrânia.

Aos poucos, Lula vai afinando o seu discurso, que é um deslizar sobre o gelo finíssimo de um tema que, aparentemente, já está contaminado pelas paixões da guerra, tão fortes nos EUA e na Europa.

Lula tem um discurso original. Diferentemente de todas as lideranças ocidentais, ele não esquece, por exemplo, da guerra no Iraque.

Alguns analistas ocidentais às vezes lembram da invasão americana ao Iraque para dizer que “houve críticas”. Sim, houve críticas. Milhões de pessoas se manifestaram, em todas as grandes cidades do mundo. Mas não adiantou nada. Os EUA destruíram o Iraque do mesmo jeito.

Na verdade, todo o processo de instabilidade recente, do oriente médio à Ucrânia foi inaugurado pela guerra americana, ilegal, ao Iraque.

Lula também lembrou, ainda na coletiva em Portugal, que países europeus violaram convenções internacionais ao invadirem e atacarem a Líbia.

Houve críticas. Mas não houve sanções internacionais. A mídia ocidental não organizou campanhas contra EUA e Europa por essas violações do direito internacional.

Muito pelo contrário. A mídia ocidental trabalhou, desde o início, nos preparativos para que essas guerras acontecessem, operando de maneira cúmplice nas batalhas de desinformação que as antecederam.

Voltando a Lula, ele fez questão de lembrar, na coletiva, que condena a invasão da Ucrânia pela Rússia, o que considera uma violação da soberania de um país autônomo. Mas Lula também lembrou, repito, do Iraque e da Líbia. Poderia lembrar igualmente da Síria.

O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, também falou sobre a guerra. Enfatizou que Brasil e Portugal votaram juntos contra a Rússia na ONU. Mas ao final da coletiva, pressionado pelos jornalistas, enfatizou que a posição de Portugal é diferente daquela, aparentemente, defendida pelo presidente Lula. Portugal defende a guerra, disse Sousa, embora não com essas palavras. Ele se recusou a usar a palavra paz, e deu um grande destaque à defesa, por Portugal, ao direito da Ucrânia de lutar por seu território. Já o Brasil, lembrou Sousa, ainda demarcando a diferença das posições, prefere uma saída negociada.

Lula lembrou que o mundo está pagando um preço caro por essa intolerância generalizada em torno da guerra, com a recusa de todos os atores de buscarem uma solução diplomática. Lembrou os problemas crescentes na área de energia e fertilizantes, destacando que o Brasil precisa muito do último item, onde Rússia está entre os principais fornecedores do mundo.

Confrontado por um jornalista sobre suas recentes declarações, de que a Europa também estaria colaborando em favor da guerra, Lula deu um exemplo bastante concreto, que foi o convite público feito pelo primeiro ministro da Alemanha, Olaf Scholtz, de que o Brasil vendesse mísseis a seu país, para que fossem doados à Ucrânia. Ou seja, isso é colaborar, efetivamente, em favor da guerra.

A responsabilidade da Europa e dos EUA, nas provocações que antecederam a guerra, na expansão desonesta, agressiva da Otan, no financiamento de guerras híbridas, revoluções coloridas e golpes de Estado, não pode ser esquecida quando se analisa a instabilidade política atual no mundo.

Lula, aparentemente, é um dos poucos líderes ocidentais que ainda mantém uma posição equilibrada na questão da Ucrânia, condenando a invasão, ao mesmo tempo que procura trabalhar por uma solução que não envolva a deflagração de uma 3a Guerra Mundial ou uma catástrofe nuclear.

EUA e Europa não usam os conceitos de paz e diplomacia quando abordam o problema da guerra na Ucrânia. A única solução é enviar mais armas à Ucrânia, ou seja, usam os ucranianos como uma espécie de escudo humano, ou bucha de canhão, em favor de seus interesses geopolíticos. Na verdade, isso vale especialmente para os EUA. Os europeus tem agido de maneira vergonhosamente submissa nessa questão, prejudicando severamente seus próprios interesses estratégicos e econômicos em nome da hegemonia imperial norte-americana. O resultado é que os EUA tem lucrado enormente com a guerra, vendendo petróleo, gás e armas à região conflagrada e aos países vizinhos, enquanto a Europa vê o preço de sua energia aumentar, detonando a competitividade de sua indústria, e prejudicando a qualidade de vida de seus cidadãos.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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