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A primeira dose contra o vírus do bolsonarismo foi a CPI da Pandemia, onde o campo democrático encontrou um sólido ponto de convergência. Centro, liberais, esquerda, direita “esclarecida”, até mesmo a esquerda radical, reuniram-se em torno dos pilares mais importantes da modernidade, mais importantes até mesmo do que a própria democracia: o respeito à ciência e pela vida humana.
Um regime político pode até não ser lá muito democrático. Pode ser uma ditadura. Enquanto houver respeito mínimo a vida humana e à ciência, ele ainda é sustentável, e encontrará apoio de setores relevantes da inteligência nacional.
Repetindo: a primeira dose da vacina contra o bolsonarismo foi a CPMI da Pandemia, que construiu as bases ideológicas de um grande pacto nacional em favor da vida e da ciência.
A segunda dose foi a mobilização pelo segundo turno. Apesar de todo o esforço para que Lula vencesse ainda no primeiro turno, pode ser que tenha sido útil a realização de uma segunda etapa, porque obrigou novamente a criação de uma frente ampla, dessa vez tendo a democracia como centro de convergência. Foi emocionante assistir a senadora Simone Tebet, líder de um movimento pequeno, mas digno, de centro, oriunda de uma região ultraconservadora, com laços familiares antigos com o setor econômico mais reacionário do país, o agronegócio, engajar-se corajosamente na campanha de Lula, indo às ruas, fazendo discursos às massas, em nome das grandes causas, democracia, meio ambiente e justiça social.
Uma pena, aliás, que Ciro Gomes, roído por inveja, ressentimento, e um ódio irracional ao PT e a Lula, tenha perdido essa oportunidade. Menos mal que os principais quadros de seu partido, o PDT, tenham procurado retificar o mal causado pelo candidato com uma participação muito intensa na campanha de segundo turno. Foram massacrados pela massa de ciristas intoxicados por um antipetismo visceral, mas serviram ao país e honraram suas biografias e a história do PDT de Jango, Darcy Ribeiro, e Leonel Brizola, que sempre souberam colocar os grandes interesses nacionais acima de suas próprias carreiras individuais.
A terceira dose da vacina foi a vitória eleitoral e política do segundo turno. Aqui é preciso distinguir vitória eleitoral e política. Dilma Rousseff, por exemplo, venceu as eleições de 2014, mas logo ficaria claro que não havia vencido politicamente.
Lula e todo o seu campo, por outro lado, experimentaram aquela que tenha sido a mais impressionante vitória política desde a redemocratização. Não podemos subestimar a importância e o peso dessa vitória. A festa do dia 1 de janeiro, que reuniu centenas de milhares de pessoas em Brasília, a felicidade e alívio indisfarçável do mundo inteiro, dos EUA, Europa, América Latina e China, à “volta do Brasil” ao cenário internacional, estão aí para provar.
Foi uma vitória da ciência, do respeito pela vida, e da democracia. A força dessa vitória ficou patente ainda antes da posse, com a aprovação relativamente fácil da PEC da Transição, que proporcionou ao governo e ao país a garantia de pelo menos um ano de estabilidade.
A razão pela qual o governo não queria a CPMI dos Golpistas é simples: o país tinha mais o que fazer do que bater palma para um punhado de malucos continuarem surtando em frente a seus quartéis imaginários.
Mas a divulgação de vídeos do Palácio do Planalto pela CNN Brasil, de uma maneira bastante criticável, manipulando a cronologia das imagens, criou uma situação tal que não deixou saída: o governo decidiu apostar na CPMI, até mesmo para controlá-la da melhor forma possível, de olho no que interessa a todo mundo, que é a estabilidade política de um país cansado de crises e confusão.
Essa será, contudo, uma grande oportunidade. Pode ser a quarta dose da vacina contra o bolsonarismo. Aquela que transformará o vírus do fascismo numa gripe incômoda, mas inofensiva.
É difícil entender porque o bolsonarismo queria tanto uma CPMI que tem tudo para prejudicá-los. Qual o sentido racional disso?
Possivelmente, não há sentido racional.
O extremismo bolsonarista saiu das eleições presidencais totalmente desorientado. Os bloqueios de estradas, os atentados terroristas, as tentativas de fechar aeroportos, os acampamentos diante dos quartéis, a noite de horror e fogo em Brasília, e, por fim, o 8 de janeiro, são exemplos de um grande movimento fascista que assistiu, perplexo e confuso, o seu líder ser guilhotinado ao vivo pela vontade soberana de 60,3 milhões de brasileiros.
Na abertura de seu Tratado Político, Espinoza critica os filósofos que tentam conceber os homens que operam a política “não tais como são, mas como eles próprios gostariam que fossem”. Pois é, querido Espinoza. Cá estamos, ainda aprendendo contigo, tentando lidar com os políticos “tais como são”…
É com resignação, portanto, e talvez até com uma ponta de malícia e entusiasmo guerreiro, que devemos receber a notícia de que a CPMI irá acontecer.
Como em toda CPMI, assim como em toda guerra, há riscos enormes para todos, mas o fascismo e o nazismo só foram efetivamente esmagados após a crise final, ou seja, após a guerra.
O governo e o campo democrático, dessa vez, tem vários trunfos nas mãos. Na verdade, são tantos trunfos que o risco maior a ser superado, inicialmente, será justamente evitar o salto alto. Todo cuidado será pouco.
Para o campo democrático, será novamente a oportunidade de reunir as forças lúcidas do país, aquelas que respeitam a ciência, a vida e a democracia. A polarização com a extrema direita terrorista é boa para o governo, porque empurra o centro político, a mídia comercial, os liberais, para o mesmo lado da esquerda e do governo Lula.
Quem ficará ao lado dos defensores do 8 de janeiro? O bolsonarismo, ainda desorientado, após o desastre político do 8 de janeiro, estava à procura de uma nova arma para atirar no próprio pé, ou no que restou dele.
Encontrou uma bazuca.
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