Integrantes de coletivo antifascista estão sofrendo perseguição desde o último dia 1º, quando protestaram no Maracanã
Publicado em 19/04/2023 – 15h04
Por Felipe Mendes – Brasil de Fato – Rio de Janeiro (RJ)
Brasil de Fato — Dois torcedores do Flamengo que foram obrigados a utilizar tornozeleiras eletrônicas e a ficar afastados dos estádios após estenderem uma faixa de protesto contra a ditadura receberam apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de torcedores rivais. O objetivo é dar visibilidade ao caso e garantir a reversão das medidas judiciais.
O caso teve início no último dia 1º de abril, quando o Flamengo enfrentou o Fluminense na primeira partida da decisão do Campeonato Carioca. Torcedores flamenguistas levaram ao estádio uma faixa com os dizeres “Morte aos torturadores de 64”, em referência ao golpe de estado consolidado entre 31 de março e 1º de abril daquele ano, que deu início a mais de 20 anos de ditadura no país.
Em entrevista por escrito ao Brasil de Fato, integrantes do coletivo Flamengo Antifascista, grupo que divulgou o caso nas redes sociais, contaram que a perseguição começou logo após o início do jogo, instantes após a faixa ser estendida. Segundo o grupo, outros torcedores chamaram a polícia militar para denunciar a faixa e entregar possíveis envolvidos na ação. Dois torcedores, identificados segurando a faixa, chegaram a ser detidos dentro do estádio.
Em decisão assinada pelo juiz Marcelo Nobre de Almeida, do Juizado Especial Criminal (Jecrim, responsável pelo posto avançado da Justiça em estádios de futebol do Rio de Janeiro), foi determinado o afastamento dos dois torcedores de qualquer estádio no país. Mais que isso, quando o Flamengo atuar no estado do Rio, eles deverão permanecer dentro de suas casas.
No mesmo documento em que consta a decisão, o juiz relatou, ainda, uma oferta do Ministério Público, que ofereceu o pagamento de multa no valor de R$ 300 como “transação penal”, o que, na prática, daria fim à ação. “Ao não aceitar a proposta unilateral do MP, foi imposto o uso de tornozeleira eletrônica de monitoramento e afastamento das praças esportivas até dezembro de 2023, como medida cautelar”, relatou o coletivo.
Os dois torcedores foram enquadrados no artigo 41-B do Estatuto do Torcedor, que fala sobre “Promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos”, e prevê pena de reclusão de um a dois anos e multa. Foi marcada audiência de instrução e julgamento para o próximo dia 10 de maio.
O grupo afirmou que não é a primeira vez que situações como esta acontecem. O coletivo partiu em busca de auxílio jurídico às vítimas da perseguição e de divulgação do caso para alertar sobre as violações sofridas. Os nomes dos dois torcedores que estão sofrendo as sanções jurídicas serão preservados nesta reportagem.
“O Coletivo está ativo desde 2013, atuando em especial na construção de um estádio mais popular e democrático. O combate às opressões cotidianas é o nosso guia. Entendemos que o fascismo nunca foi vencido nas urnas. Precisamos trabalhar pela transformação”, disse o Flamengo Antifascista ao BdF.
Demonstrações de apoio
O caso ganhou grande repercussão desde o último fim de semana, quando o Flamengo Antifascista fez postagens sobre o tema nas redes sociais. Nesta terça (18), a Comissão de Direitos Humanos da OAB do Rio de Janeiro denunciou “a evidente ausência de proporcionalidade da imposição do uso de tornozeleiras eletrônicas”, e informou que está tomando medidas visando a sustação de tal cautelar.
A gravidade da situação fez com que torcedores de outros clubes deixassem de lado a rivalidade com os flamenguistas e se manifestassem em apoio às vítimas da perseguição.
Homenagem a Stuart Angel
O Flamengo Antifascista fez, na mesma partida, uma homenagem a Stuart Angel Jones. Atleta da equipe de remo do Flamengo e militante político, ele foi perseguido, preso, torturado e morto pela ditadura em 1971. O corpo dele nunca foi encontrado. A mãe, a estilista Zuzu Angel, morreu cinco anos mais tarde, em um suposto acidente de carro. Ela nunca desistiu de lutar contra a ditadura e encontrar informações sobre o filho. Em 1998, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos concluiu que o carro levou uma fechada e ela foi morta.
“Devido a data da partida coincidir com a do golpe militar de 1964, manifestações como esta já seriam esperadas. Nesta partida, levamos o nome de Stuart Angel, um militante rubro-negro vítima desse período sombrio. E a faixa que repercutiu foi construída junto a torcedores do Flamengo que buscam relembrar o papel do clube e a sua torcida na história na luta contra a opressão da ditadura empresarial-militar”, disse o coletivo ao Brasil de Fato.
A jornalista Hildegard Angel, irmã de Stuart e filha de Zuzu, também torcedora do clube, agradeceu a homenagem. No Twitter, afirmou: “Eu sou Mulambo também”. “Mulambo” é um apelido pejorativo, que originalmente fazia referência às camadas mais pobres da torcida do Flamengo, clube de maior torcida do país. Recentemente, coletivos de torcedores flamenguistas de esquerda adotaram o termo para tirar dele a carga ofensiva.
Edição: Nicolau Soares