Por Jorge Eremites de Oliveira, Eder Alcantara Oliveira e Alfa Oumar Diallo
O Supremo Tribunal Federal (STF) é reconhecido como o legítimo guardião da Constituição Federal de 1988 e a instância máxima de decisão do Poder Judiciário. Dele fazem parte onze ministros, todos nomeados pela Presidência da República e aprovados pelo Senado Federal, cujos mandatos são vitalícios até o limite de 75 anos, que equivale à aposentadoria compulsória.
Atualmente a Suprema Corte está composta da seguinte maneira: ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber (atual presidente); ministros Alexandre de Moraes, André Mendonça, Dias Toffoli, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Nunes Marques e Roberto Barroso (atual vice-presidente). Recentemente foi aposentado o ministro Ricardo Lewandowski e sua vaga ainda não foi preenchida.
Embora as mulheres representem a maior parte da população nacional, a composição do STF não traduz a situação registrada nas estimativas oficiais, tampouco a composição etnicorracial do país, majoritariamente constituída por pessoas pretas, pardas e indígenas. A predominância de pessoas brancas na Suprema Corte decorre de um conjunto de fatores, dentre os quais estão as complexas relações existentes na composição e estruturação de assimetrias etnicorraciais, socioeconômicas e de gênero verificadas ao longo da história do Brasil.
Diante da situação apontada, setores da sociedade civil, principalmente movimentos sociais e etnicossociais, percebem que o atual presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, terá em suas mãos a possibilidade de corrigir certas desigualdades. Caberá a ele, na condição de chefe do Estado e de governo, indicar dois novos ministros à instância superior do Judiciário, haja vista a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski e a iminente aposentadoria da ministra Rosa Weber.
Considerando que a população negra e indígena compõe a maior parte da sociedade nacional, entendemos proceder a defesa da tese de que os próximos ministros do STF, devidamente habilitados para o cargo, sejam uma pessoa negra e outra indígena.
Os sistemáticos ataques verificados durante o governo anterior à Suprema Corte e ao estado democrático de direito, bem como as sucessivas investidas contra coletividades negras e indígenas, e os atos extremistas de 8 de janeiro de 2023, justificam a ideia aqui apresentada.
Nesta linha de argumentação, importa pontuar que o racismo estrutural é constituído no tempo e espaço a partir da invenção, legitimação, institucionalização, usos e abusos da ideia de raça. Está diretamente associado ao processo de racialização verificado nas Américas a partir de 1492, com o início do chamado encontro colonial.
Por isso, o racismo serve para essencializar e classificar as pessoas e as populações de acordo com seu biotipo, cultura e origem etnicorracial: umas em mais e outras em menos. Possui diversas facetas e desempenha a função de legitimar, estruturar e naturalizar formas de assimetria de raça, classe e gênero na vida em sociedade. A própria ideia de modernidade, inaugurada com a chegada de Cristóvão Colombo e seus comandados à América Central, está relacionada a um longo processo histórico e sociocultural de excluir o Outro, que no caso do Brasil diz respeito, sobremaneira, à população negra de origem africana e aos povos indígenas.
Significa dizer, portanto, que o racismo serve inclusive para estruturar formas de pensamento e maneiras de ser e estar no mundo real. Quando institucionalizado, recebe o designativo de racismo institucional. No caso do Brasil, raça, racismo e seus desdobramentos negativos, como o machismo e a misoginia, são invenções ou criações da Casa Grande e não, que se faça bem entendido, da Senzala ou da Aldeia.
A administração pública, por sua vez, não está imune ao racismo estrutural, presente nos diversos setores em que atua: educação, economia, meio ambiente, saúde, segurança etc. Nessas áreas, a atuação humana é de suma importância e as pessoas que nelas trabalham, em sua maioria brancas, são chamadas de profissionais da carreira pública ou servidores públicos. A carreira tem um elo com a forma de organização dos cargos públicos e, consequentemente, com a maneira como a sociedade nacional nela representa suas próprias contradições em termos de assimetria etnicorracial e seus desdobramentos. A situação também é observada nas carreiras jurídicas públicas e outras: magistratura, ministério público, defensoria pública, advocacia pública, polícias civil, militar e federal etc. Logo, seria contraditório afirmar que a composição do STF estaria incólume às contradições apontadas.
No cenário de debates e articulações políticas a respeito da indicação de dois novos ministros à Suprema Corte, algumas pessoas negras, todas reconhecidas pelo brilhantismo nas carreiras que exercem, têm sido cogitadas: Prof. Dr. Andre Luiz Nicolitt, juiz de direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e docente da Universidade Federal Fluminense (UFF); Profa. Dra. Adriana Alves dos Santos Cruz, juíza titular da 5ª Vara Federal Criminal no Rio de Janeiro, docente na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e liderança do movimento de juízes negros no Brasil; jurista Vera Lúcia Santana de Araújo, integrante da Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e ativista da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal.
A indicação de uma mulher negra ganha cada vez mais força em diversos movimentos sociais e na opinião pública, e, ademais, competência e experiência não faltam aos nomes aqui arrolados e a tantos outros. Dentre os indígenas, o nome do Dr. Luiz Henrique Eloy Amado, conhecido como Eloy Terena, ganha força e chama a atenção pela juventude, formação acadêmica de excelência e experiência exitosa como advogado, antropólogo social, jurista e liderança do movimento indígena nacional.
Ele mesmo assim resume seu currículo disponível na Plataforma Lattes do CNPq: “Secretário Executivo do Ministério dos Povos Indígenas. Jurista indígena com experiência de atuação no Supremo Tribunal Federal (STF) e Organismos Internacionais. Foi coordenador do Departamento Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional (UFRJ). Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito (UFF). Pós-Doutor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris. Realizou estágio de pesquisa na Brandon University, com foco em conflitos territoriais indígenas, por meio do Emerging Leaders in the Americas Program (ELAP), do governo do Canadá. Atuou como coordenador do Observatório Povos Indígenas e Sistema de Justiça Criminal da APIB. Atuou como membro do Grupo de Trabalho Direitos Indígenas: acesso à justiça e singularidades processuais, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Foi membro da Comissão de Assuntos Indígenas (CAI), na Associação Brasileira de Antropologia (2019-2020). Foi Membro da Comissão Especial para defesa dos direitos dos povos indígenas do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (2012-2016). Integrante do Observatório Fundiário Fluminense (OBFF-UFF). Pesquisador associado do LACED – Laboratório de pesquisas em etnicidade, cultura e desenvolvimento (Museu Nacional – UFRJ). Fundador da Revista Terena Vukapanavo”. Soma-se a isso o fato de conhecer vários países e seus sistemas jurídicos, e saber se comunicar em pelo menos cinco idiomas (terena, português, espanhol, inglês e francês). Além disso, ele conhece muito bem o Brasil profundo e compreende suas contradições e o significado da presença eficaz e moralizadora do Estado em vastas extensões do território nacional.
Por isso, em atenção ao Dia dos Povos Indígenas de 2023, vimos publicamente defender a indicação do Dr. Luiz Henrique Eloy Amado ao cargo de ministro da Suprema Corte do país. Sua presença no STF, juntamente com um/a ministro/a negro/a, certamente que abrilhantará ainda mais aquela casa e fará com que o Brasil caminhe rumo à construção de uma sociedade nacional menos assimétrica e um Judiciário mais coerente com a composição etnicorracial do país e, consequentemente, com a defesa da democracia e da diversidade verificada na composição da população.
Alfa Oumar Diallo é doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), estágio pós-doutoral em Cooperação Internacional para o Desenvolvimento pela Universidade Católica de Louvain-La-Neuve (Bélgica) e professor da Universidade Federal da Grande Dourados(UFGD).
Eder Alcantara Oliveira é mestre em História pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), professor da Escola Polo Municipal Indígena Alexina Rosa Figueiredo e vereador no município de Dois Irmãos do Buriti, Mato Grosso do Sul.
Jorge Eremites de Oliveira é doutor em História/Arqueologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), estágio pós-doutoral em Antropologia Social pela Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).