Decidi esperar um pouco para falar do tema com mais serenidade e longe da “euforia” das redes (embora os manuais caça-likes recomendem o contrário).
Depois que influencers começaram a reclamar sobre notícias sobre uma suposta taxação de compras feitas via Shopee e Shein, a opinião publica (dentro e fora das redes) começou a discutir o tema de forma fervorosa.
Acontece que noticias sobre o tema já ocorriam desde o ano passado quando o ex-ministro da economia, Paulo Guedes, levantou a pauta que foi retomada pelas grandes varejistas nacionais em fevereiro deste ano.
O que é verdade nessa discussão?
O famigerado imposto para taxar compras em sites como Shein e Shopee existe desde 1999, acontece que muitas lojas dentro destas plataformas sonegam impostos alegando que tais compras na verdade são presentes, logo, é contrabando. Bolsonaro foi notificado sobre esta fraude, mas como todos os problemas no Brasil durante o seu governo, decidiu ignorar mais este que virou uma “bomba” a estourar no governo Lula.
E na vida real, como isso vai funcionar?
As compras nesses sites não irão encarecer amanhã ou semana que vem, a Receita Federal sequer tem, atualmente, condições de fiscalizar e taxar o enorme volume de compras que entram no país todos os dias, será necessário avaliar este ponto, além de investimento, contratação de gente e estudo para tal.
Também não sabemos quantas compras que chegam ao Brasil são de fato contrabando e qual a porcentagem disso no total de compras. E embora o governo afirme que quem acabará sendo taxado são as empresas que praticam o contrabando, certamente esse custo será repassado ao consumidor pelas próprias empresas.
E mais, sequer há alguma redação para uma portaria para balizar isso. Em entrevista para o Jornal Nacional, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, disse que uma Medida Provisória sobre o assunto ainda está em estudo.
Ou seja, na prática, nada muda. E não, o governo não vai automaticamente começar a taxar toda e qualquer compra acima de US$ 50.
Agora, na minha avaliação, é preciso colocar tais ações que impactam o consumidor como última medida. Em muitos casos a “farra fiscal” é feita pelo Estado brasileiro, como no caso de produtos de luxo importados como Foie gras, queijo brie, salmão e chantilly que não pagam impostos no Brasil. Já aviões particulares, helicópteros, navios, lanchas e iates não pagam imposto para rodar. Diferente dos carros, que pagam IPVA.
Inclusive, o governo já estuda medidas para acabar também com essas farras e já estão no radar do governo com a vindoura reforma tributária, que estão em fase tão preliminar quanto as medidas para acabar com o contrabando via Shein e Shopee.
Comunicação
Agora, você sabia que o governo federal já busca acabar com as isenções de itens de luxo? Acho que não e é aí que entramos no que realmente é o problema nessa história toda.
Uma vez a discussão no debate público, o governo demorou quase 20 horas para emitir um posicionamento concreto sobre a questão. Até aí, quem (indevidamente) tentou fazer alguma coisa foi a primeira-dama, Janja.
A pauta dessa semana para o governo poderia ser a visita do Lula na China em busca de investimentos para o país ou o dólar abaixo de R$ 5. Porém a pauta acabou virando Shopee, Shein e tome agenda negativa na cabeça do governo.
A primeira-dama não teria que entrar na discussão, já que não era a área dela e acabou entrando na discussão de forma atrapalhada ao comentar uma reportagem compartilhada no Twitter pelo jornalista Willian De Lucca.
Acontece que a matéria em questão não estava errada e explicava bem que a questão era sobre uma fraude de evasão fiscal em que Pessoas Jurídicas fracionava remessas ao Brasil vem lotes de compras de US$ 50 para fugir da tributação, usando nomes de pessoas físicas.
Agora, se a matéria estava errada, por qual motivo levou quase 20 horas para o governo se posicionar sobre o assunto?
A situação ficou sem qualquer esclarecimento ou contraponto oficial por horas, com o governo federal contato, por mais de 12 horas, com um míseros comentários da primeira-dama em publicações aleatórias no Twitter.
A confusão toda foi criada pela falta de um posicionamento objetivo do governo, que deixou por horas a discussão correr solta até falar algo e mesmo assim comunicados que não colocavam clareza na situação. E por ter como única ação, contar com os comentários da primeira-dama em publicações do Twitter.
O governo poderia apenas afirmar que não ia taxar consumidores e que estava apenas avaliando a possibilidade, ponto. Já a primeira-dama, não deveria ter se envolvido no assunto sem que antes houvesse alguma posição oficial do governo federal ou ao menos do ministro da fazenda.
Aliás, urge discutirmos de forma honesta e sincera, a formalização dos papéis dos cônjuges de chefes do executivo e os limites da sua atuação política dentro do governo federal. Já está claro que ara em que os companheiros eram apenas “decorativos”, acabou, a sociedade evoluí e isso é positivo, cabe o Estado brasileiro também acompanhar essa evolução.
A imprensa também falhou ao dar um tom de imediatismo para algo que certamente não entrará em vigor esse semestre. Mas definitivamente o maior culpado por essa confusão e por ampliar a tal crise, foi o próprio governo que, mais uma vez, está perdendo para ele mesmo.