O que de fato muda no marco do saneamento

Joédson Alves/Agência Brasil

Veja as três principais alterações trazidas pelos decretos presidenciais do Governo Lula.

Publicado em 13/04/2023 – 12h36

Por Letícia Pimentel e Marcelo Miterhof

Causaram forte repercussão os dois decretos presidenciais, publicados no último dia 5, que mudam a regulamentação do novo marco legal do saneamento.

As principais mudanças foram: i) estender prazos relativos a condicionantes para acesso a recursos da União; ii) permitir que distintas formas de prestação dos serviços convivam, inclusive retirando o limite para PPPs; e iii) abrir a possibilidade de as companhias estaduais de saneamento básico (CESBs) regularizarem contratos de programas (estabelecidos sem licitação) com municípios de sua área de atuação.

Em especial o último ponto, foi entendido como uma forma de dar sobrevida indevida às CESBs e desestimulo ao setor privado. Porém a medida visou a reforçar a segurança jurídica do setor.
O governo anterior vetou o artigo 16 da lei 14.026 (o novo marco) – crucial para sua aprovação no Congresso Nacional –, que permitia que as CESBs estabelecessem pela última vez contratos de programa com municípios em que atuassem. Seu veto, sem a previsão de mecanismos transição, criou insegurança jurídica para prestadores e municípios. Essa pode ser uma das explicações para a queda de investimentos em 2020 e 2021 (último dado disponível) em comparação (descontada a inflação) a 2019, ano anterior à promulgação do novo marco.

Agora as CESBs poderão regularizar os contratos onde prestam os serviços. O tempo do contrato regularizado é limitado pelo prazo para o atingimento das metas fixadas na lei (2033). É uma transição de dez anos, bem inferior aos trinta anos originalmente negociados no artigo vetado.
Vale notar que os grandes projetos licitados (Rio de Janeiro, Alagoas, Amapá e Ceará) não decorreram da vedação aos contratos de programa, pois começaram a ser estruturados antes da lei 14.026. Mesmo a privatização da CORSAN, iniciada após a edição da lei não teve na situação de seus contratos de programa, em grande parte regulares, uma grande motivação.

A nova regulamentação não desestimula novos projetos de concessão e PPPs – até porque a vedação ao contrato de programa permanece-, mas permite que sejam combinados com a prestação pública, quando esta tiver capacidade e os entes federativos desejarem fazê-lo. O objetivo segue sendo universalizar, mas os modelos possíveis agora são diversos.

Outra crítica tem sido sobre os novos decretos extrapolarem as funções do executivo. A fronteira entre as atribuições da lei e do decreto nem sempre é precisa, e já vinha sendo testada desde as primeiras regulamentações, ainda no governo anterior. Essas regulamentações também buscavam dirimir inseguranças jurídicas e preencher vazios do texto legal, principalmente em relação às concessões vindouras à época. Foram fixados prazos de transição e excepcionalidades que não estavam presentes na lei original.

Por fim, a esfera legal nunca foi e não será suficiente para promover o avanço necessário ao saneamento. Para buscar a universalização, é preciso estruturar novos projetos, privados ou públicos. Também é preciso capacitar as agências reguladoras subnacionais, tanto para fiscalizar e punir prestadores públicos que há décadas prestam serviços ruins quanto para garantir que as concessões feitas recentemente entreguem as metas contratadas.

É urgente olhar para o saneamento rural e para as favelas, que não podem ficar de fora no atingimento das metas. Mais do que reabrir o debate legislativo, o setor precisa se concentrar nesses pontos de agora em diante.

Letícia Pimentel e Marcelo Miterhof são economistas de carreira do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)

Originalmente publicado na Folha

Cláudia Beatriz:
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