Ato contou com a presença de movimentos sociais, entidades do jornalismo e sindicatos nesta terça (11)
Publicado em 11/04/2023 – 20h40
Por Redação – Brasil de Fato – Rio de Janeiro (RJ)
Brasil de Fato — O prédio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no centro do Rio de Janeiro, amanheceu com cartazes em solidariedade ao fundador do Wikileaks, Julian Assange, nesta terça-feira (11). Há exatos quatro anos, o jornalista preso em Londres aguarda uma possível extradição para os Estados Unidos, onde pode ser condenado a até 175 anos.
Em todo mundo, a data é marcada por atos que pedem a liberdade imediata do ativista e denunciam o caráter ilegal da prisão. Assange é acusado de espionagem por ter divulgado arquivos que comprovaram crimes de guerra cometidos por militares estadunidenses. Desde 2010 o jornalista australiano é perseguido pelas revelações publicadas no portal Wikileaks.
Entidades do jornalismo brasileiro debatem o caso, principalmente, pelo viés da liberdade de imprensa. Foi com esse objetivo que no final desta tarde (11) a ABI organizou um evento com a presença de representantes de movimentos sociais e sindicatos. Durante o ato, diversas falas apoiaram a iniciativa global de lançar a candidatura de Assange ao Prêmio Nobel da Paz.
Carmen Diniz, do Comitê Internacional Paz, Justiça e Dignidade aos Povos, reafirmou que o papel da imprensa é divulgar informações verdadeiras e que a sociedade só tem conhecimento dos crimes de Estado dos Estados Unidos por causa do Wikileaks.
“Ele não espionou os arquivos estadunidenses, ele divulgou. Nos EUA, divulgar não é crime. Quem fez isso foi o Snowden que teve que fugir para Rússia e lá está. O único preso é o que pegou as informações e divulgou na mídia. Então o problema não é jurídico, é político. Nós estamos aqui hoje para pressionar”, disse Carmen.
Já Allanis Dimitria, do Levante Popular da Juventude, defendeu que Assange e o Wikileaks representam a defesa das liberdades democráticas. “É preciso reconhecer Assange como símbolo de luta, um preso político que deve ter sua voz ouvida. Mesmo preso, nós podemos falar por ele. Nossa tarefa é fazer a voz de Assange ser ouvida em outros lugares”.
Na sua fala, Washington dos Santos, do sindicato dos jornalistas do Rio, reafirmou que defender Assange vai além de um ato de solidariedade.
“Esse é um ato de solidariedade, mas acima de tudo, de resistência. Vivemos os últimos anos uma situação muito difícil e ainda permanecemos na resistência. Tudo que aconteceu aqui é reflexo do que aconteceu no mundo. O império britânico, americano, ao longo da história, sempre protagonizou crimes de guerras e ataques às nações”, ressaltou o jornalista.
No Brasil, além da ABI, também participam da organização de atividades em defesa de Assange a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Conselho Nacional de Direitos Humanos e a articulação ALBA Movimentos, que reúne um total de 25 organizações populares como o Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Levante Popular da Juventude, Marcha Mundial das Mulheres, União Brasileira de Mulheres.
Nesta terça-feira (11), parlamentares entregaram na embaixada dos Estados Unidos em Brasília uma carta endereçada ao presidente do país, Joe Biden, solicitando a retirada das acusações de espionagem contra Julian Assange. O documento tem cerca de cem assinaturas. Políticos de outros países fazem o mesmo pedido na data.
Edição: Clívia Mesquita
Kleiton
11/04/2023 - 23h23
O Tacla Duran do jornalismo.
Paulo
11/04/2023 - 22h49
Eu acreditaria nessas manifestações se elas se dirigissem a todos os jornalistas vitimados, no mundo, pela perseguição política (na Rússia e na China, especialmente, sendo que, na primeira, alguns já não estão entre nós). Não obstante, liberdade a Julian Assange!
Alexandre Neres
11/04/2023 - 22h30
A Impunidade dos EUA e os Padrões Duplos do TPI
Por Marcelo Zero*
No dia 3 de fevereiro de 1998, um jato EA-6B Prowler, do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, decolou da Base Aérea de Aviano, situada no nordeste da Itália.
Era para ser um voo de rotina, mas o capitão Richard Ashby e seu navegador Capitão Joseph Schweitzer resolveram voar muito mais baixo que o recomendado, apenas 110 metros do solo, descumprindo intencionalmente regras básicas de segurança.
Percorrendo um vale nas Dolomitas italianas, o jato acabou por se chocar com os cabos de um teleférico que levava turistas para uma montanha.
Resultado: os cabos foram cortados e 20 pessoas morreram na queda. O jato, contudo, voltou em segurança para a base dos EUA.
O incidente provocou grande comoção na opinião pública da Itália, até mesmo porque as comunidades próximas ao local vinham se queixando, há tempos, dos voos rasantes e das acrobacias temerárias que os pilotos dos EUA costumavam fazer.
Houve pressão, no sentido de que os pilotos fossem levados a um tribunal italiano para que fossem julgados, pela lei da Itália, por homicídio culposo.
No entanto, isso não aconteceu. Por quê?
Porque os EUA têm com o Itália um acordo que garante, aos militares dos EUA que servem em território italiano, um tratamento jurídico especial. Esse tipo de acordo existe também em todos os outros países nos quais os EUA mantêm cerca de 800 instalações militares.
Tais acordos, denominados Status of Forces Agreements (SOFAs), foram criados para definir e distribuir a jurisdição sobre delitos cometidos por forças militares norte-americanas no estrangeiro, particularmente na Europa.
De um modo geral, os SOFAs distribuem a jurisdição da seguinte forma: os crimes militares são julgados por tribunais militares do Estado que enviou as tropas e os crimes civis são julgados por cortes do Estado receptor.
Contudo, na imensa maioria dos casos, os militares norte-americanos acusados de crimes são julgados por cortes militares dos EUA. Foi o que aconteceu, no caso do teleférico italiano.
No ano seguinte, os pilotos dos EUA foram absolvidos da acusação de homicídio culposo pelo tribunal militar de Camp Leujene, na Carolina do Norte, causando indignação na opinião pública italiana.
Mas não são apenas os SOFAs que asseguram proteção especial e impunidade aos militares e ao pessoal do governo dos EUA.
Logo após a entrada em vigor do Tribunal Penal Internacional (TPI), os EUA, que tinham retirado sua assinatura do Tratado de Roma, entraram em campo para pressionar os países signatários daquele tratado a firmarem acordos que impedissem a entrega de cidadãos norte-americanos acusados de crimes contra a humanidade àquela corte internacional.
Os EUA alegaram que o artigo 98, § 2, do Estatuto de Roma fornecia base jurídica para a celebração de acordos bilaterais que assegurassem a imunidade a nacionais de quaisquer países.
Na realidade, o mencionado parágrafo foi inserido no Estatuto de Roma para contemplar as situações definidas em acordos que foram firmados antes da elaboração daquele Estatuto.
De qualquer forma, os EUA conseguiram êxito. Hoje, Washington têm mais de 100 acordos bilaterais distribuídos pelo mundo, os quais asseguram que cidadãos norte-americanos não serão enviados para julgamento no TPI.
São os denominados Bilateral Immunity Agreements (BIAs), também denominados Bilateral Non-Surrender Agreements.
A Anistia Internacional os chama, entretanto, de “acordos de impunidade”.
Dessa forma, os EUA não apenas não ratificaram o TPI, como fizeram, e fazem, um esforço internacional deliberado para socavá-lo.
Em 2019, quando uma procuradora do TPI, Fatou Bensouda, tentou investigar os crimes do pessoal norte-americano no Afeganistão, Washington imediatamente cancelou seu visto para entrar nos EUA e na sede na ONU em Nova Iorque.
Pouco tempo depois, ela entrou na Specially Designated Nationals and Blocked Persons List, uma lista administrada pelo Departamento do Tesouro dos EUA, a qual bloqueia os bens e a movimentação financeira de pessoas que são consideradas inimigas de Washington.
Embora o governo Biden posteriormente a tenha retirado dessa “lista negra”, os EUA continuam se opondo fortemente a “quaisquer ações do TPI relacionadas às situações do Afeganistão e da Palestina”.
Os EUA e alguns aliados, como Israel, por exemplo, temem, com razão, que muitos de seus cidadãos possam ser processados pelo TPI, em virtude dos inúmeros crimes cometidos em suas intervenções pelo mundo afora.
Só na guerra Iraque, feita sob o falso pretexto das armas de destruição em massa, os EUA mataram cerca de 600 mil pessoas, muitas das quais civis inocentes. No Afeganistão, teriam morrido 243 mil pessoas.
A Brown University estima que, ao todo, tenham falecido quase um milhão de pessoas (928 mil) em guerras desencadeadas pelos EUA e aliados.
Entretanto, é muito pouco provável que o TPI venha a investigar a sério os crimes contra a humanidade cometido pelos EUA e aliados, em vários teatros de guerra.
Até agora, o TPI indiciou 52 indivíduos por crimes de guerra, genocídio ou crimes contra a humanidade.
Desse total, 47 são africanos e o resto é de russos.
A desproporção de africanos é de tal ordem que a União Africana recentemente encorajou os países africanos a não trabalharem com o TPI, pois essa corte internacional estaria agindo como “uma força neocolonial que busca fortalecer ainda mais os interesses políticos e extrativistas ocidentais na África”.
Não há, portanto, como discordar da China, a qual, quando o presidente Putin foi indiciado pelo TPI, afirmou que essa corte agia com “padrões duplos” (double standards) e desrespeitava as regras do direito internacional público, que asseguram imunidade a chefes de Estado.
Diga-se de passagem, o TPI, que foi tão rápido em indiciar Putin, com base numa acusação esfarrapada de supostos sequestros de crianças ucranianas, até agora não deu resposta ao pedido brasileiro para acusar Bolsonaro, em razão das centenas de milhares de vítimas de Covid-19, inclusive indígenas, como os ianomâmis.
O Brasil, que acreditou no Estatuto de Roma, e que, e até o final de 2020, era o sexto maior contribuinte do TPI, pode se desapontar.
Pelo andar da carruagem, estaremos todos num teleférico nas Dolomitas.
*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.