Passaram voando, esses cem dias. O balanço do governo, no geral, é positivo. Na área dos programas sociais, as notícias são extraordinárias, com o aumento expressivo do bolsa família, a melhora na merenda escolar, a ampliação do vale gás e o incremento do salário mínimo.
O arcabouço fiscal, por sua vez, gerou elogios à esquerda e à direita, e foi criticado apenas pelos extremos: a ultraesquerda o considerou conservador e neoliberal, ao passo que os ultraliberais o qualificaram demasiadamente estatista.
Economistas desenvolvimentistas ocuparam inúmeras vagas nos ministérios da Fazenda e da Indústria e Comércio, como não se via há muito tempo. Aparentemente, o governo Lula deve adotar ações audaciosas com objetivo de aumentar a complexidade da economia brasileira. Ou seja, haverá novamente um esforço de reindustrialização, seja modernizando nosso parque atual, seja investindo no surgimento de outros.
Entretanto, o governo Lula ainda patina num tema absolutamente estratégico: transportes.
O Brasil está atolado, há décadas, numa infraestrutura de transporte obsoleta, cara, ineficiente, ultrapoluente, e sem futuro.
As grandes cidades estão à beira de se tornarem disfuncionais, com a ocorrência diária de congestionamentos monstruosos. Rodoviárias e aeroportos enfrentam problemas sistemáticos de lotação excessiva.
A ligação entre as capitais brasileira é precária. Demora-se seis horas para ir do Rio a São Paulo, ou muito mais, a depender do tráfego, apesar de ser uma distância que um trem bala poderia fazer em menos de uma hora, e ainda oferecendo todo o conforto aos passageiros.
É hora de pensarmos seriamente num grande projeto nacional de transportes, que coloque a ferrovia em primeiro plano.
Nos próximos dias, o petista se encontrará com o presidente da China, Xi Jinping, e terá uma oportunidade histórica.
Toda essa última etapa da modernização chinesa, acelerada nos últimos trinta anos, teve como pano de fundo a expansão da malha ferroviária no país. O governo chinês investiu em trens de alta velocidade para conectar suas principais cidades. E dentro das cidades, foram construídos, em tempo recorde, imensas redes de metrô e trens de superfície.
O governo brasileiro poderá fechar parcerias com a China para trazer trens para o Brasil, incluindo a transferência de tecnologia, para que possamos nos tornar autônomos e para baratear os custos de manutenção e construção de novas linhas.
Será um desafio enorme, porque nenhum projeto ferroviário de grande parte conseguirá prosperar se a máquina do Estado, aí incluído o judiciário, não trabalhar em harmonia, para fazer as desapropriações necessárias para a construção das linhas.
Na coletiva com Lula de que participei, o presidente discorreu longamente sobre a crise do setor automobilístico. Não falou por um momento de trens. Isso é preocupante. A infraestrutura nacional está sobrecarregada. Não se consegue às vezes nem caminhar direito nas cidades, porque os carros estacionados ocupam as calçadas.
Esse é um ponto onde se nota a mais grave dissociação entre a classe política e a maioria da população.
A classe política só usa carro para ir ao aeroporto. Por isso ela não vê o problema do transporte como uma coisa desesperadamente necessária e urgente.
É caro fazer trens? Vai demorar muitos anos?
Sim, é caro, mas quanto estamos gastando, em horas e litros de gasolina desperdiçados, em poluição ambiental, com esses congestionamentos épicos, diários, insuportáveis, que consomem anos de vida dos trabalhadores?
No tocante às cargas, a superioridade da ferrovia é óbvia. Será muito mais seguro, rápido e barato, escoar nossos produtos do interior ao porto, e do porto para o interior, através de transporte ferroviário!
Justamente porque será uma transformação demorada, é importante começar agora. A educação completa de um ser humano, desde o pré-escolar até o ensino superior, consome mais de vinte anos.
Não creio, portanto, que um projeto de vinte ou trinta anos, para mudar toda a logística do transporte de passageiros e cargas no país, através da implementação de trens de alta velocidade, conectando todas as capitais brasileiras, seja muito tempo.
Vamos falar em trens, Lula!