Presidente brasileiro sugeriu que governo ucraniano poderia ceder Crimeia à Rússia a fim de negociar paz com Moscou. Kiev rechaça ideia, mas agradece esforços de Lula para encontrar solução para guerra.
Publicado em 07/04/2023
DW — O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia afirmou nesta sexta-feira (07/04) que “não há nenhuma razão legal, política ou moral” para que Kiev desista de “um único centímetro do território ucraniano”. A afirmação foi uma resposta à sugestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que Kiev cedesse a Crimeia a Moscou a fim de negociar o fim da guerra com a Rússia.
“Temos que deixar claro: a Ucrânia não faz comércio com os seus territórios”, disse Oleg Nikolenko no Facebook. No entanto, ele ressaltou que “a Ucrânia aprecia os esforços do presidente do Brasil para encontrar uma solução para acabar com a agressão russa”.
Nikolenko também sublinhou que “qualquer esforço de mediação para restaurar a paz na Ucrânia deve ser baseado no respeito pela soberania e na plena recuperação da integridade territorial da Ucrânia, seguindo os princípios da Carta da ONU”.
Lula quer apoio da China
As afirmações da Ucrânia foram uma resposta a declarações de Lula feitas a jornalistas na quinta-feira.
Lula, que viaja a Pequim na terça-feira, disse que um dos seus objetivos ao se encontrar com o presidente chinês, Xi Jinping, é promover o diálogo entre a Rússia e a Ucrânia e que, para isso, Kiev poderia ter que ceder a Crimeia.
“[O presidente russo, Vladimir] Putin não pode ficar com o território da Ucrânia. A Crimeia pode ser discutida. Mas o que ele invadiu de novo, ele tem que repensar”, disse Lula em encontro com jornalistas no Palácio do Planalto, em Brasília.
Por outro lado, segundo Lula, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, “não pode querer tudo”.
Lula, porém, reiterou que não concorda com a invasão da Ucrânia pela Rússia.
“Estou convencido que tanto a Ucrânia quanto a Rússia estão esperando que alguém de fora fale: vamos sentar para conversar”, disse Lula.
“E por que eu quero sentar para conversar com o Xi Jinping? É porque eu acho que a importância econômica, militar e política da China e a relação da China com a Rússia, e até mesmo a divergência da China com os Estados Unidos, dá à China um potencial extraordinário para conversar”, acrescentou.
Lula disse que quer propor a Xi a criação de um grupo de países pela paz na região.
“A China tem peso, o Brasil tem peso. Eu acho que a Indonésia pode participar, a Índia pode participar. Vamos lá conversar com o Putin, vamos conversar com o [presidente dos Estados Unidos] Biden. Vamos tentar ver se encontramos um grupo de pessoas que não se conforme com a guerra. Não é necessário ter guerra.”
Invasão da Crimeia
A esmagadora maioria da comunidade internacional continua a considerar a Crimeia território da Ucrânia, nove anos depois de, com sua anexação, o presidente Putin começar a retalhar o território ucraniano.
Em 18 de março de 2014, Putin assinou o tratado de “reintegração da Crimeia na Federação Russa”. A estratégica península no Mar Negro fazia parte da União Soviética até esta se dissolver, tendo antes pertencido durante séculos ao Império Otomano.
Hoje, a reintegração da Crimeia na Ucrânia é uma das exigências de Kiev para eventuais negociações pelo fim do conflito iniciado com a invasão russa em larga escala do território ucraniano, em 24 de fevereiro de 2022, sob o pretexto de desmilitarização e “desnazificação” do país vizinho.
Moscou, por sua vez, prometeu continuar sua ofensiva e afirma que, para uma futura negociação, exige, entre outras coisas, que Kiev reconheça que a Crimeia é uma “parte inalterável” da Rússia.
O ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, afirmou que as negociações só seriam possíveis se incluíssem o estabelecimento de uma “nova ordem mundial” sem a hegemonia dos EUA.
Não foi a primeira vez que o governo Lula entrou em um embate com a Ucrânia. Em fevereiro, o Brasil manteve sua decisão de não fornecer a Kiev munição para tanques.
“Não vamos fazer isso”, disse o chanceler brasileiro, Mauro Vieira. “Em vez de participar de uma guerra, preferimos falar de paz”, acrescentou, de acordo com a agência de notícias alemã DPA.