Militantes do Movimento Brasil Popular analisam as regras fiscais propostas pelo governo e apontam caminhos para avançar
Publicado em 05/04/2023 – 16:51
Por André Cardoso, Juliane Furno, Luís Fernandes, Iriana Cadó e Pedro Faria – São Paulo (SP)
Brasil de Fato — Nos últimos dias, analistas de diversas perspectivas políticas dedicaram-se a apreciação do Novo Arcabouço Fiscal, apresentado pelo Ministério da Fazenda. Nós, militantes do Movimento Brasil Popular, nos dedicamos a uma análise dessa medida econômica não na sua abstração factual, ou seja, não somente no desenho da política, mas – sobretudo – no cenário histórico que temos afirmado a partir das nossas constantes análises de conjunturas.
Dessa forma, se nossas análises apontam para a existência de uma ofensiva tática das forças progressistas, mas em um cenário mais geral de defensiva estratégica, não era de grande surpresa que o projeto apresentado corresponde-se a esse cenário, de limitadas possibilidades de ações radicais da política econômica em um contexto de neoliberalismo global e de exacerbação da face financeirizada do capitalismo.
Ou seja, não é possível afirmar que, por um lado, somos uma nação de capitalismo dependente imerso em um cenário de avanço da financeirização, e esperar que fosse possível – ainda mais em um contexto de eleição acirrada e na presença de uma oposição mobilizada – a apresentação de uma regra fiscal “socialista”. Portanto, essa análise parte do prisma das contradições, buscando identificar o que são avanços e, principalmente, limites e desafios às forças populares.
Se a comparação for com o teto de gastos, vigente desde o golpe de 2016, o Novo Arcabouço Fiscal é um avanço. Seu sistema de bandas de variação sempre corrigidas pela inflação permite que os gastos públicos sempre tenham ganho real, diferentemente do teto que os limitava a aumentos apenas nominais. Mesmo em cenários de queda da atividade os gastos não acompanharão o tombo das receitas, mantendo-se em 0,6% positivos em relação ao ano anterior.
O caráter pró-cíclico da política econômica ainda é dirimido com um “teto” de 2,5% de crescimento dos 70% que pode crescer a despesas primária com relação à receita. O que sobrar desse montante em períodos de bonança da arrecadação poderá ser utilizado para a rubrica “investimento”, contornando nossas carências estruturais nesse sentido.
No entanto, em que pese a proposta ter pontos positivos, eles são relacionais, apenas se a comparação for com o Teto de Gastos. Caso tomemos como ponto de referência o crescimento real das despesas nos governos Lula, Dilma 1 e até mesmo nos governos FHC, o novo regime fiscal se distanciará, em muito, do padrão de gastos que erigiu um, ainda tímido, Estado de Bem-estar Social no Brasil, com ampliação do acesso ao ensino superior, aos programas sociais focalizados, à seguridade social, ao aumento sistemático do salário mínimo e que nos logrou uma elevada taxa de investimento público.
O Novo Arcabouço Fiscal ainda está colado com uma proposta rígida e chantagista de conquistar equilíbrio das contas públicas já no ano de 2024, em meio à uma economia em desaceleração, com gargalos significativos no emprego, na renda e no investimento, sobretudo em infraestrutura física e social.
A taxa de investimento está em sua menor marca. Recuperar o investimento público é fundamental para retomar o crescimento e a reconstrução do país. O novo arcabouço torna o investimento público dependente da geração de receitas que permitam o cumprimento das metas de superávit primário com excedente. O aumento das receitas terá de ser garantido por crescimento sustentado e, principalmente, aumento da carga tributária e combate à evasão e elisão fiscal da elite econômica do país.
Entendemos que o novo arcabouço reflete a situação de ofensiva tática dentro de um quadro mais amplo de defensiva estratégica da classe trabalhadora: promove alguns avanços, mas ainda é tímido, não rompendo com os marcos fiscalistas que pressionam o desenho da política econômica. Entendemos que é possível apresentar para o Congresso Nacional uma proposta com mais espaço para o investimento público e uma banda mais confortável para crescimento dos gastos. Eventuais limitações ao projeto não devem ser antecipadas.
Nossas críticas devem ser vistas como uma tentativa de pressionar o debate contra o fiscalismo pela esquerda, garantindo um texto final que contribua para a luta por um programa econômico popular baseado na garantia de direitos da classe trabalhadora e na reconstrução das capacidades do Estado brasileiro.
Por fim, além de lutar por uma versão final mais ousada, o Novo Arcabouço Fiscal indica algumas pautas prioritárias para o campo popular na política econômica:
– Justiça tributária: “colocar os pobres no orçamento e os ricos no Imposto de Renda”, como diz o Presidente Lula. O campo popular deve pautar a reforma tributária, que será essencial para dar bases para o novo arcabouço fiscal;
– Defesa das estatais: precisaremos de estatais fortes para complementar o investimento público, considerando as limitações levantadas acima;
– Defesa do BNDES: o banco público será essencial para garantir que o investimento privado seja complementar ao investimento público no projeto de reindustrialização e de transição climática.
* Este é um texto de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Nicolau Soares