Há 17 anos, o “complexo” ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, que acabara de se tornar presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), disse que “o Brasil se tornou um país do faz-de-conta” ao criticar agentes públicos que alegariam a ignorância dos acontecimentos como “tábua de salvação”. Na ocasião ele criticava Lula que naquele ano disputava o seu segundo mandato.
Marco Aurélio está longe de ser um primor de magistrado e hoje em dia eu repudiaria tal declaração impregnada de política dentro de um tribunal, principalmente em ano eleitoral. Mas infelizmente, hoje foi inevitável não se lembrar da fala do “Ministro do voto vencido”.
“Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os culpados nada sabiam, o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mal houvessem feito”.
Essa frase do Ministro cabe perfeitamente para a cúpula das forças armadas que nos últimos 10 anos atuou para promover a agitação política e a banalização do extremismo do debate público brasileiro. Até a base das forças armadas já declarou: “quem tumultuou foram os generais”.
São generais fazendo discursos políticos dentro de quartéis, subindo em palanques e permitindo acampamentos criminosos nas portas dos quartéis com direito a cartinha de apoio assinada pelas três forças. E tudo isso sob os olhos de toda a sociedade brasileira, alguns mais abertos, outros mais fechados, mas todos assistindo isso.
Durante o ataque contra a capital do país no 8 de janeiro, militares cruzaram os braços, deram retaguarda e apoio logístico para os criminosos que arrebentaram as sedes dos três poderes.
E porque estou falando disso mais uma vez?
Saiu na imprensa mais detalhes sobre a PEC da Anistia e finalmente veio a confirmação direta de que governo está envolvido na articulação da PEC (da anistia) que obriga militares a se aposentarem para disputar eleição ou assumir ministério.
Também foi confirmado que o governo usa a PEC da Anistia para esvaziar a PEC do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), interlocutores do governo ainda afirmam que o texto foi feito “sob medida” para proibir militares da ativa de ocupar cargos no Executivo e disputar eleições com apenas uma licença.
O texto foi feito “sob medida” para quem é por quem? Respondo!
Sob medida dos generais que não precisam disputar eleições para exercer poderes políticos! E principalmente, para podar ainda mais os militares graduados (aqueles com patentes abaixo de capitão).
O governo que usar essa PEC do Múcio como desculpa para seguir mantendo o descontrole da cúpula militar!
O governo faz de conta que estamos impondo um rígido controle aos militares e a sociedade faz de conta que esse controle foi colocado e que os generais voltarão para a caserna, por fim, todos fazem de conta que não houve anistia!
Pergunto! Se a PEC do Múcio busca reduzir a politização da tropa, por qual motivo não impõe uma quarentena como critério obrigatório aos generais? Porque não agir também para acabar com as GLOs e mudar o art. 142? Por qual motivo não trabalham em conjunto com o deputado Carlos Zarattini? Viram? É o país do faz de conta!
E até o momento não há qualquer indicação de que o governo irá mexer na formação dos militares da Academia Militar das Agulhas Negras, que todos os anos forma mais e mais militares que saem acreditando que o inimigo é o próprio povo brasileiro. Pouco se fala sobre Múcio ter sido simpático aos acampados ainda em Janeiro e muito menos sobre a permanência de bolsonaristas na defesa, no GSI e na ABIN.
É a forma que o governo Lula encontrou de fazer o que sempre faz com problemas envolvendo militares: varrer tudo para debaixo do tapete e fazer o “deixa disso”.
O Brasil é um país onde há o estranho hábito de se virar páginas sem sequer ler o que está escrito nelas e, tampouco, aprender com elas.
“Faz de conta que Bolsonaro não é produto da cúpula das forças armadas, que os culpados e patrocinadores do 8 de janeiro não usavam farda, que um general da ativa não foi responsável direto pela morte de mais de 400 mil brasileiros, o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mal houvessem feito“.
E vou além, “reformo” as palavras do ex-ministro para dizer:
“São tantas e tão deslavadas as mentiras que já não se pode cogitar somente de uma crise de valores, senão de um fosso moral e ético que parece dividir o país em dois segmentos estanques: a cúpula das forças armadas e o da grande sociedade civil que, apesar do mau exemplo e das seguidas ameaças fardadas, esforça-se para sobreviver e progredir”.
Erramos em 88 e erraremos em 23.