Sob impacto da grave crise humanitária causada por garimpo, indígenas ainda sofrem com desnutrição infantil e malária. Atendimento do governo federal continua deficiente. Lideranças acusam falta de apoio de militares.
Publicado em 03/04/2023
Por Nádia Pontes – DW Made for minds
DW — A situação é tensa em um dos polos mais afetados pela crise humanitária causada pelo garimpo na Terra Indígena (TI) Yanomami, em Surucucu. Embora a emergência tenha entrado para a agenda do governo federal desde janeiro, a força-tarefa voltada para o atendimento à saúde e distribuição de alimentos ainda é insuficiente.
“A situação continua crítica. A equipe médica não conseguiu chegar em todas as comunidades. Tem muita coisa para ser resolvida, a ajuda ainda está no começo”, afirma Ivo Macuxi, assessor jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR), à DW.
A desnutrição infantil segue alarmante. Dados obtidos pela DW e confirmados pelo CIR indicam que a taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos foi de 1,8 por dia em janeiro – o que totaliza 56 vítimas naquele mês.
“O cenário é mais grave do que se imaginava. A fome é um problema sério, e a malária se alastrou muito. Houve também um surto recente de covid-19”, comenta Ricardo Affonso Ferreira, presidente e fundador da Expedicionários da Saúde (EDS).
Lideranças acusam falta de apoio das Forças Armadas
Formada por voluntários e financiada por doações, a ONG levanta um hospital de campanha no território para amenizar a crise humanitária. O atendimento aos indígenas, que deve começar em meados de abril, poderia estar a pleno vapor se não fosse a falta de apoio das Forças Armadas, dizem lideranças ouvidas pela DW.
“O Exército não conseguiu concluir a revitalização da pista ainda. Se ela estivesse pronta, poderia receber aeronaves grandes e isso ajudaria muito no atendimento aos yanomami, pois chegariam mais suprimentos”, critica Macuxi, se referindo à obra de ampliação do aeródromo de Surucucu.
A cerca de 300 quilômetros da capital Boa Vista, a pista é crucial para a chegada de aviões de carga a Surucucu, que só é acessível por via aérea. O polo também concentra a base do 4º Pelotão de Fronteira do Exército Brasileiro.
Funcionário do Ibama acompanha destruição de avião usado por garimpeiros em território indígena – IBAMA/AFP
Para o advogado indígena, a lentidão é proposital. “A gente acredita que eles não querem concluir mesmo, para que o Estado não chegue lá para cuidar do nosso povo e expulsar os garimpeiros. A gente sabe que o Exército apoiava Bolsonaro, e parece que estão boicotando mesmo a gente”, afirma.
Questionado, o Ministério da Defesa não se pronunciou até o fechamento desta reportagem.
Emergência de saúde
O hospital de campanha do EDS é visto como um reforço para estancar a crise humanitária. Há pelo menos seis semanas, equipes trabalham no preparo da infraestrutura no terreno, no tratamento de esgoto e água, na reforma de uma antiga enfermaria – construída pelo próprio EDS em 2013.
O ambiente onde os pacientes serão atendidos, composto por uma estrutura de alumínio e lona de eficiência térmica, é de montagem rápida e simples, afirma a ONG. Quando estiver pronto, ele terá sala de emergência, laboratório de análises e internet para dar suporte à telemedicina.
“Vamos com equipes nossas no começo. A nossa ideia é que o Estado depois assuma as operações”, afirma Ferreira, acrescentando que as equipes de saúde terão sete profissionais que serão substituídos a cada dez dias.
O transporte dos equipamentos tem sido feito por aeronaves a serviço do Centro de Operações de Emergência, mobilizado em 26 de janeiro após a visita do presidente Lula ao território. “Nós atuamos de forma mais sistemática nos yanomami desde o começo de 2022. Sabíamos do que estava acontecendo. Mas estamos falando mais sobre a crise agora porque o presidente esteve lá e colocou a boca no trombone”, ressalta Ferreira.
Segundo o Ministério da Saúde, 14 profissionais da Força Nacional do Sistema Único de Saúde atuam neste momento na Casa de Saúde Indígena (Casai), em Boa Vista. É lá onde se recuperam 24 crianças que iniciaram tratamento após quadro de desnutrição.
Na TI Yanomami, a maior do Brasil, distribuída pelos estados de Roraima e Amazonas, 17 equipes trabalham desde janeiro distribuídas nos polos de Auaris, Palimiú, Surucucu, Waputha, Maloca Paapiú e Yarotobi. Segundo dados oficiais, 15,3 mil cestas de alimentos foram encaminhadas à população yanomami, 10,3 mil atendimentos foram feitos desde o início da operação de emergência, com distribuição de 250 mil unidades de medicamentos para malária.
Destruição ambiental deixada por garimpo em terra indígena: fiscalização ainda enfrenta resistência de alguns garimpeiros – Edmar Barros/AP Photo/picture alliance
O impacto destrutivo do garimpo
A doença infecciosa, transmitida na picada do mosquito anopheles, é tratada com cloroquina desde a década de 1930. A droga, apesar de demonstrada ineficácia contra covid-19, era defendida por Bolsonaro como “tratamento precoce” durante a pandemia. Como sequência, o medicamento faltou onde era mais necessário.
“A malária aumentou muito e houve falta de remédio por muito tempo”, diz Macuxi.
Ricardo Affonso Ferreira, médico do EDS, se diz assustado com o que presenciou na TI durante visita em fevereiro. “Os pais doentes de malária ficam na rede, com febre, e não têm condições de sair e trazer comida para as crianças”, argumenta Ferreira.
A doença entre os indígenas cresceu mais de 300% com a onda de invasão dos garimpeiros, agravada em 2019. Em janeiro último, a Hutukara Fundação Yanomami estimava a presença de 20 mil invasores no território em busca de ouro.
“Uma parte da população começou a trabalhar para os garimpeiros e passou a não cuidar mais das roças. De certa maneira, passaram a ser dependentes dos garimpeiros para se alimentar. Com a saída dos garimpeiros, o impacto inicial é de aumento da fome”, avalia Ferreira.
Ivo Macuxi confirma a situação, mas ressalta que as lideranças estão apurando quais comunidades se encontram em situação mais crítica.
Segurança para os indígenas e suas terras
Desde janeiro, uma operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Força Nacional de Segurança Pública, atua para acabar com o garimpo no local. Para evitar confrontos, o governo federal estabeleceu o dia 6 de maio como prazo para saída voluntária dos invasores.
As equipes de fiscalização encontram resistência em algumas situações. Em pelo menos duas ocasiões, os agentes foram recebidos a tiros. Em fevereiro, uma base do Ibama foi atacada por criminosos armados na aldeia Palimiú.
“Ainda há muito a ser feito. Os garimpeiros resistem, existem áreas remotas ainda a serem alcançadas”, comenta Priscilla Oliveira, pesquisadora e ativista da Survival International, em entrevista à DW.
A ONG espera que a operação se prolongue pelo tempo necessário para retirada dos invasores e que não seja concluída em abril, como declarou recentemente o ministro da Justiça, Flávio Dino.
“Tem que durar o tempo necessário para remover todos os garimpeiros e proteger permanentemente os indígenas. É isso que estamos esperando deste novo governo, que haja uma resposta emergencial, e também uma resposta a longo prazo que esteja à altura da crise que está acontecendo”, justifica Oliveira.
Para Ivo Macuxi, do Conselho Indígena de Roraima, o plano de ação precisa ser consistente. “A gente espera a retirada de todos os garimpeiros e que o governo mantenha a proteção da terra indigena a médio e longo prazo, para que os invasores não voltem”, diz.
EdsonLuíz.
03/04/2023 - 16h45
A culpa do sofrimento e da premência do outro pode ser nossa também, Galinzé!
Se alguma solução está ao nosso alcance e nos omitimos, pode haver culpa nessa omissão!
Não somos culpados das dores do mundo, claro que não somos; mas sempre há chance de sermos culpados perante nós mesmos por certas omissões.
O que atinge os Yanomamis e a todos os povos ancestrais desta terra sempre terá a ver com a gente:: nossos ascendentes e gente de nossa cultura veio de longe e se apossou destas terras e interferiu no modo de vida e na cultura dessa dos indígenas, com as consequências que vemos. Disso eles são vítimas e nós não podemos entrar em negação em relação à nossa responsabilidade..
O Estado tem responsabilidade pelo que acontece a povos que deixamos indefesos. Bolsonaro é demonizado por muitos erros e pelo que está acontecendo com os Yanomamis; e Bolsonaro realmente tem culpa neste e em vários casos. Muita culpa! Eu acho que Bolsonaro tem mesmo que ser responsabilizado por seus erros.
O que eu não consigo compreender é o porquê de, muitas vezes e em muitas coisas — algumas, inclusive, de mesma natureza— muitos terem culpa, e, no entanto, descarregarem a culpa só em Bolsonaro ou só se indignarem quando o culpado é ele.
Bolsonaro é um mostro humano, mas há outros monstros nessa história, alguns deles sendo santificados.
Lula, Dilma e os governos do PT afogaram vastíssimas terras indígenas, deslocaram tribos, alteraram toda a vida de vários grupos com consequências tão graves quanto as que estão vivendo os Yanomamis. Mas sobre os problemas aos chamados índios para a formação dos lagos de armazenamento de água para gerar energia para as usinas hidrelétricas de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte todos se calam.
Aquelas usinas nem se justificam economicamente, e a vida de dezenas de povos foi afogada para atender mais aos interesses dos empresários que aos do Brasil.
Todos se calam sobre estes crimes de Lula, que não foram apenas destruir nossa economia, já tão capenga, ou organizar um vasto clube de corrupção com dinheiro público, sobre o que todos se calam também.
E/ou se calam sobre crimes de outros.
Não apenas todos se calam:: se alguém denuncia, eles entornam sobre o denunciante kilos da merda e podridão que têm no cérebro e na alma; podridão que escorre para as suas bocas e é lançada naqueles que os desmascara.
Galinze
03/04/2023 - 13h52
Se as crianças morrem a culpa é só dos pais.