Nova regra fiscal
Publicado em 31/03/2023
Por Nelson Marconi – Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas
Finalmente o governo apresentou uma proposta de regra fiscal. Mas ainda há muito por fazer para cumpri-la e garantir seu sucesso.
O principal componente da regra fiscal divulgada pelo governo estabelece que a variação das despesas não pode superar 70% da variação das receitas primárias nos últimos 12 meses. Se a inflação se situar em um patamar de 4%, por exemplo, a receita terá que crescer 5,7% para que as despesas evoluam na mesma medida que a inflação.
Logo, a regra é consideravelmente restritiva em relação às despesas; como o governo vem anunciando há tempos que pretende recompor a execução de diversas políticas públicas, a única forma de fazê-lo será por meio da elevação das receitas (ou de nova diminuição dos investimentos, que já se encontram em um patamar reduzido) e não está claro como o governo encaminhará esse assunto.
O ministro Haddad deveria ter sido mais assertivo nesse sentido, explicando como buscará recursos. Deveria propor a taxação sobre lucros e dividendos distribuídos e grandes patrimônios, por exemplo.
A regra apresentada é, portanto, fortemente pró-cíclica, e seus componentes anticíclicos (limites superiores e inferiores para despesas e piso para investimentos) são modestos. Para configurar uma regra realmente anticíclica – característica essencial de uma boa política fiscal –, é necessário que o investimento esteja excluído do teto, mesmo que às custas de maior rigor com as demais despesas correntes.
E já que toquei nesse assunto, o governo deveria também apresentar meios e instrumentos para reduzir as despesas correntes, visto pretender que seu crescimento seja inferior ao da receita e estar defendendo, ao menos retoricamente, a manutenção dos investimentos.
Mudanças na lógica de elaboração orçamentária, realização de um planejamento da força de trabalho e redução dos salários de ingresso dos servidores deveriam estar entre as medidas propostas; isso sem falar na despesa com juros, que integra as despesas correntes, mas não constitui uma despesa primária e vêm pressionando fortemente a evolução da dívida pública; a falta de sintonia entre as políticas monetária e fiscal é gritante.
É importante o governo ter apresentado uma regra, mas será ainda mais relevante se ele detalhar alguns mecanismos que adotará para cumpri-la. Minha impressão é que o percentual de 70% de vinculação entre a receita e a despesa é um piso que deverá ser majorado na negociação com o Congresso pois, a prevalecer a proposta, o governo terá que cortar despesas que vêm defendendo ou elevar consideravelmente a receita; se assim o for, deve explicar melhor como o fará.
Nelson Marconi, graduado em economia pela PUC-SP e mestre e doutor em economia pela FGV-SP