O deputado federal Mauro Benevides (PDT-CE) sintetizou a reação majoritária, na classe política, na mídia e no mercado, ao novo marco fiscal anunciado hoje pelo ministro Fernando Haddad:
“Estou confiante que a medida pode promover o reequilíbrio das contas públicas, retomando a confiança de investidores, gerando emprego e pagando a dívida pública, mas com investimento em áreas sociais que visem mais igualdade. A proposta é viável e boa para o país”, disse o deputado, que foi o principal assessor econômico de Ciro Gomes nas campanhas de 2018 e 2022.
O economista André Roncaglia, da Unifesp, ressaltou um ponto importante da proposta: “elimina viés anti-investimento do teto de gasto”.
Este é, aliás, o coração social e desenvolvimentista do Arcabouço. As despesas não podem cair, nunca, nem no caso de queda acentuada na arrecadação. A proposta impõe um crescimento mínimo de 0,6% das despesas federais sobre o ano anterior.
Com isso, o governo cria uma regra que permite ao gestor se programar para fazer investimentos de médio e longo prazo, porque ele sabe que as despesas jamais serão cortadas de maneira dramática, irresponsável e discricionária, como foi exatamente o que passou a acontecer com o teto de gastos.
Para cumprir o teto de gastos, o governo simplesmente parava de gastar, incluindo obras em andamento, o que constituía uma estupidez e um desperdício de recursos públicos, porque uma obra incompleta é prejuízo puro e simples, ao passo que uma obra completa, por mais que exija, por vezes, que o Estado se endivide para concluí-la, ao menos se converte num ativo estatal, além de elevar a produtividade da economia. Uma hidrelétrica ou uma refinaria, desde que concluídas, geram energia e, portanto, desenvolvimento.
Noto ainda uma confusão entre alguns críticos do Arcabouço, que tentam descrevê-lo como uma pena de morte contra o investimento de médio e longo prazo.
Penso que a proposta representa exatamente o oposto: é a engenharia política possível, nas atuais circunstâncias, para emancipar o investimento público em infra-estrutura.
O governo poderá gastar o correspondente a 70% das receitas geradas no ano anterior, mas as despesas apenas poderão crescer, no máximo, 2,5% de um ano para outro. Com isso, poderá haver sobra de dinheiro, que eventualmente será destinado a… investimentos. Este é um dos pontos mais inteligentes da proposta.
Entretanto, um projeto de desenvolvimento não será financiado apenas por recursos classificados oficialmente como “investimentos”.
Entre os inúmeros instrumentos do governo federal para financiar um projeto de desenvolvimento, um dos mais promissores é justamente a despesa pública convencional, destinada à educação, saúde e manutenção da máquina pública. Vide o caso do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, sempre lembrado nos estudos de Carlos Gadelha, hoje secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. Uma das ideias de Gadelha é integrar as despesas de Saúde num projeto de reindustrialização do setor.
O cargo de Gadelha, a propósito, não poderia ser mais emblemático da orientação de todo o governo Lula, que é usar toda e qualquer oportunidade para investir em inovação, tecnologia e reindustrialização.
Após o anúncio da proposta, o famigerado mercado reagiu com otimismo. A bolsa disparou, o dólar caiu, e se ouviram elogios entusiásticos dos setores tradicionalmente mais hostis ao governo Lula. A esquerda, acostumada a lidar apenas com pancadas vindo do mercado, fica sempre desconfiada diante de tanta alegria.
Desconfiança do mercado é sempre uma postura prudente, mas também é preciso saber interpretar uma vitória na comunicação.
A reação positiva de mercados, mídia e classe política se deve exatamente à engenhosidade política de Haddad. O conceito do arcabouço segue o princípio filosófico do próprio Lula, que um dia ironizou a ideia do “ganha-ganha”, revelando o segredo por trás da mágica: um ganha, e outro pensa que ganha.
Com esse arcabouço, temos exatamente isso. O mercado ganhou, ou pensou que ganhou. O governo Lula ganhou ou pensou que ganhou. Essa é a situação de ambiguidade necessária para deixar todo mundo feliz.
Politicamente, todavia, quem emergiu mais forte?
Tudo indica que Lula conseguirá aprovar o novo Arcabouço Fiscal com relativa facilidade. Arthur Lira, Pacheco, mídia e mercados, tendem a apoiar. A esquerda, apesar da desconfiança, ficou relativamente satisfeita com a garantia de estabilidade dos programas sociais e das despesas com educação e saúde. A preocupação maior é com os investimentos. Ao assegurar, porém, que as despesas não poderão cair de um ano para outro, a proposta oferece uma garantia, como explicou Haddad, de que não haverá mais obras paradas no país. Numa crise econômica, poderá haver dificuldade de se fazer uma obra nova, mas aquelas em andamento serão sempre concluídas.
De qualquer forma, para o governo esse é um jogo que está apenas começando. O Arcabouço, afinal, será um pilar de estabilidade política para a própria administração federal, uma pilastra de aço na qual o governo poderá se segurar para arriscar jogadas mais audaciosas daqui para frente.
Enquanto isso, Bolsonaro, que voltou hoje dos Estados Unidos, apareceu na mídia apenas para reclamar que o governo não lhe deu um carro blindado…
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