Enquanto presidente viaja à China, Dilma assume a presidência do banco do bloco multilateral. Segundo especialistas, país deve buscar recuperar protagonismo após isolamento diplomático durante o governo Bolsonaro.
Publicado em 25/03/2023 – 06h00
Por Fábio Corrêa – DW Made for minds
DW — A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China, marcada para este fim de semana, terá como uma das principais pautas a retomada das discussões em torno do grupo Brics, que conta, além de Brasil e China, com Rússia, Índia e África do Sul.
Na agenda de Lula está uma visita à instituição financeira do bloco multilateral, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), em Xangai, cujo comando passará do atual presidente, o brasileiro Marcos Troyjo, indicado por Jair Bolsonaro, para a ex-presidente da República Dilma Rousseff.
A movimentação do governo Lula pela troca na presidência do banco dos Brics, no meio do mandato de Troyjo (a presidência rotativa do NDB cabe ao Brasil até 2025), evidencia a preocupação da gestão petista em garantir o alinhamento político no coração financeiro do Brics. Além disso, remete à importância dada pelo Planalto ao grupo multilateral.
Segundo especialistas ouvidos pela DW Brasil, esses movimentos estão ligados à tentativa de o Brasil recuperar protagonismo nas relações internacionais, área que foi negligenciada durante os anos Bolsonaro, o que também refletiu dentro da posição do país dentro do Brics.
Além disso, em meio às tensões entre os países-membros, com Rússia em guerra e rusgas entre Índia e China, um dos objetivos do governo Lula também é contribuir para retomar a relevância do bloco.
A volta do Brasil ao cenário internacional
Criado em 2009, o grupo multilateral veio em resposta ao colapso financeiro nos Estados Unidos, ocorrido um ano antes. O objetivo era buscar novos espaços de cooperação fora da tutela americana, como ocorre em outros organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Segundo Célio Hiratuka, professor de Economia e coordenador do grupo de estudos Brasil-China da Unicamp, o Brics cumpre com a expectativa de o Brasil retomar um papel mais ativo internacionalmente, após o isolamento empreendido pelo governo Bolsonaro.
“Por mais que tenham aspectos de divergência entre os países-membros, como Índia e China, há pontos de convergência quando todos se colocam como possíveis demandadores de novos espaços na economia global que não estão colocados nos organismos multilaterais mais tradicionais, onde esses países do Brics tinham um papel marginal”, afirma Hiratuka. “O Brasil não vai abrir mão de usar esse espaço como instrumento importante.”
Lula em encontro dos Brics em 2010 – AP
Institucionalmente, o principal feito do Brics foi a criação do NDB, em 2014, voltado para o financiamento de projetos de infraestrutura. Desde 2015, o banco dos Brics já investiu US$ 4 bilhões em projetos no Brasil. “Ele é sem dúvida nenhuma a maior realização do agrupamento político, e a importância que o governo Lula tem dado a isso é grande, tanto que indicou a Dilma para ocupar o cargo da presidência”, afirma Lucas Pereira Rezende, professor do departamento de Ciência Política da UFMG.
“É preciso buscar financiamento e, em um mundo sob tensão como é hoje, diferente de 20 anos atrás, é preciso pragmatismo. É preciso ir onde está a oportunidade, por isso essa busca do fortalecimento do banco dos Brics é muito importante”, explica Rezende. Além dos cinco países do bloco, o NDB também admitiu recentemente a entrada de Bangladesh, Uruguai, Emirados Árabes e do Egito como membros.
Protagonismo da China
Nos últimos anos, no entanto, uma conjuntura de fatores acabou por diminuir a sinergia entre os membros do Brics, seja por causa de tensões entre os próprios membros quanto por razões exógenas ao bloco: a invasão da Ucrânia pela Rússia, crises políticas na África do Sul e no Brasil e conflitos territoriais entre Índia e China.
Para Evandro Menezes de Carvalho, professor de direito internacional e coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Rio, o país asiático tem sido praticamente o único a propor agendas dentro do Brics. “Os Brics têm sido carregados nos últimos anos pela China. Enquanto a China tiver interesse, os Brics vão junto”, ressalta o jurista.
“Quando os Brics começaram, a China ainda não tinha todo esse protagonismo que tem hoje”, acrescenta Hiratuka, da Unicamp. “Mas a volta do interesse do Brasil pode ser, sim, algo que volte a dar um pouco mais de ímpeto aos Brics.”
Uma das plataformas defendidas pela China para os Brics é a ampliação dos membros, com a inclusão de Argentina e Irã. A movimentação, que não tem tanto apoio dos outros quatro países, vai ao encontro do interesse chinês de aumentar a influência tanto dentro do bloco quanto fora dele.
Contudo, para Menezes de Carvalho, é possível que o Brasil apoie o ingresso dos outros países justamente para sair da “inércia” e “passividade” que marcou a atuação do país durante o governo Bolsonaro.
“O Brasil verá que diplomaticamente não prejudica [no caso da Argentina]. Tem outros países não democráticos que querem entrar no bloco, não tem problema, mas é bom que outros países democráticos entrem”, opina o professor da FGV.
“Mas tenho para mim que a diplomacia brasileira não vê com bons olhos esse movimento, porque talvez prefira essa posição de exclusividade latino-americana, porque, no âmbito do Brics, o Brasil se reúne todo ano com dois países que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU [China e Rússia] e com três potências atômicas [China, Rússia e Índia].”
Segundo Hiratuka, se o Brasil tiver um esforço de negociação grande, é possível que o grupo atual seja mantido, sem novos membros no Brics. “Acredito que a China não bateria o pé, porque poderia significar um esvaziamento no outro sentido, de afastar Brasil e Índia, porque interessa para esses dois países a manutenção de certo equilíbrio dentro do grupo”, diz o professor da Unicamp.
Maior espaço político
Por outro lado, Menezes de Carvalho diz que pouco foi feito, além do NDB, para que houvesse uma formalização do Brics. “Acho que é o caso de o Brasil propor uma institucionalização do Brics, formalizando uma organização internacional simplificada, com secretaria administrativa simples para coordenar todas as atividades existentes, o andamento das iniciativas”, destaca ele. O Brics, lembra Menezes, não possui nem mesmo um site oficial.
Ele lembra que é também importante, no atual contexto internacional, que o Brics recupere a agenda original: um protagonismo maior dos países em desenvolvimento no âmbito político internacional, com demandas como a inserção de outros países do bloco como membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, por exemplo.
“Na origem, o Brics surgiu como uma plataforma visando uma reforma da ONU, do FMI, do Banco Mundial e agora recentemente da OMC. É uma plataforma reformista, que toma uma direção dos países em desenvolvimento”, afirma. “Essa agenda é importante, assim como o olhar para outros temas. Mas o bloco está se tornando uma organização de difícil acesso, e isso é ruim para ela, pois erode a credibilidade que ela tinha”, conclui.
Saulo
26/03/2023 - 18h47
O único papel que o Brasil consegue fazer é o de ridículo.
Paulo
25/03/2023 - 21h22
O protagonismo da China atrapalha o BRICS. Sem ela, ele sequer seria cogitado, ou seja, a impressão que dá é a de que o BRICS surgiu dentro de uma agenda política comandada pela China e para seus interesses voltado, preponderantemente…O que o Brasil tem que fazer é não fechar portas, mantê-las todas abertas, dentro e fora do grupo dos cinco membros – o que não significa admitir a sua ampliação desmesurada, com o ingresso de países irrelevantes…
Galinze
25/03/2023 - 20h49
O que os Emirates Árabes tem a ver com esses tais de BRICS ?