Tema está em debate na Câmara, onde deverá ser apresentado novo parecer para tentativa de aprovação em plenário
Publicado em 22/03/2023 – 07h52
Por Cristiane Sampaio – Brasil de Fato – Brasília (DF)
Brasil de Fato — Interlocutores do governo federal devem apresentar nesta quarta-feira (22) ao deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) as contribuições da gestão à proposta que visa combater as chamadas “fake news”. Relator do projeto na Câmara, o parlamentar diz esperar para os próximos dias as manifestações do Poder Judiciário, que também deve encaminhar uma avaliação a respeito da medida.
Já aprovado em junho de 2020 no Senado, o texto tramita como Projeto de Lei (PL) 2630/2020 e precisa agora de aval da Câmara, onde ainda enfrenta algumas dissidências desde a legislatura passada. Em abril de 2022, o plenário rejeitou um pedido de urgência do texto, que teve placar de 249 votos favoráveis e 207 contrários. Como o regimento exige 257 votos para esse tipo de aprovação, o requerimento foi derrotado. Para isso, contou com a ajuda da gestão Bolsonaro, que desde o princípio promoveu resistência ao projeto.
Agora, com a mudança de governo e a evidência do tema no ambiente político, a expectativa de Orlando Silva é produzir um novo parecer após o recebimento das contribuições do Executivo e do Judiciário para, na sequência, tentar votar em plenário. “Tem um acúmulo já de três anos de debate no Congresso. Minha expectativa é de que nós possamos neste semestre ter o desfecho desse texto”, disse ao Brasil de Fato.
GTs
No âmbito do governo federal, o tema tem sido estudado por um grupo de trabalho (GT) liderado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Participam também integrantes de várias outras frentes da gestão, como a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) e a Advocacia-Geral da União (AGU), e ainda pesquisadores do tema e ativistas. O youtuber Felipe Neto e a jornalista e ex-deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB) também estão entre os componentes do GT.
Nos bastidores da gestão Lula, o PL 2630/2020 tem dividido os atores do governo. Enquanto o ministro da Justiça, Flávio Dino, vê como prioridade a punição diante de ataques golpistas e atentados contra a democracia, o ministro da Secom, Paulo Pimenta, tem uma visão mais voltada a uma política de transparência a ser respeitada pelas plataformas. A ideia é que o governo apresente ao relator do PL uma síntese do consenso produzido no âmbito do GT.
Já as contribuições que serão encaminhadas ao relator por parte do Judiciário devem partir do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que criou um grupo próprio no início deste mês para debater o tema em associação com grandes plataformas. Entre elas, estão Telegram, Twitter, Tiktok, Google, YouTube e Meta, conglomerado de tecnologia que representa as redes Facebook, Instagram e WhatsApp. O GT discute propostas de melhoria da política de autorregulação para serem entregues ao Legislativo.
Orlando Silva afirma que ainda não sabe em que data poderá finalizar o relatório porque isso tende a depender das tratativas e do fluxo que o debate irá tomar a partir das sugestões a serem apresentadas pelo TSE e o governo. “Nós ainda não sabemos que conteúdo vai chegar, se teremos que avançar mais ou menos. Nós já temos feito alguns ajustes. Vamos aguardar o que virá”, diz o deputado.
Cenário
Para o parlamentar, o contexto atual é favorável à aprovação do PL, por uma série de razões. Um dos motivos, segundo ele, é o fato de o país ter enfrentado em 2022 mais uma eleição marcada pelo fluxo constante de fake news, o que ampliou a experiência da Justiça Eleitoral com o tema. Além disso, Orlando Silva destaca que o atual governo tem “viés regulatório”, diferentemente do que se via na gestão anterior, com a oposição de Jair Bolsonaro (PL) e aliados.
Outro fator que poderia ampliar a conveniência da aprovação do PL seria, na visão do relator, o padrão de regulação de plataformas estabelecido recentemente pela União Europeia, que se tornou uma referência no assunto. Em 2022, países do bloco criaram um pacote de regras únicas para serviços digitais que inclui desde medidas de transparência para as plataformas até a imposição de obrigações que evitem a utilização abusiva desses sistemas.
Debate sobre fake news envolve as chamadas “big techs”, grandes conglomerados de tecnologia que respondem por plataformas como Facebook, Instagram e WhatsApp – Marcello Casal Jr. / Agência Brasil
“Em quarto lugar, tivemos o 8 de janeiro, que deixou todo mundo indignado, perplexo, e estimula que nós enfrentemos esse tema. Então, eu diria que o ambiente hoje é qualitativamente melhor para apreciar essa matéria, temos mais amadurecimento. Minha expectativa é de que, avaliadas as sugestões do governo e do Judiciário, nós possamos entrar numa fase de diálogo com colegas da Câmara, lideranças, bancadas, e oferecer um texto para o plenário o mais rápido possível,” afirma o deputado.
Urgência
Crítico à rejeição do pedido de urgência apresentado ano passado para o PL, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem dito que pretende colocar em votação um novo requerimento dessa natureza. O relator defende o mesmo método. “Nós já tivemos um GT que fez um debate de dois anos [na Casa], então, não faria sentido tramitar de novo em comissões porque seria um retrabalho. Acredito que seria melhor nós, com muita paciência e diálogo, criarmos as condições políticas com líderes e bancadas para apreciação direta no plenário”, argumenta Silva.
Para o deputado, a eventual não aprovação do projeto poderia trazer maiores prejuízos ao sistema democrático, dada a disseminação contínua de fake news em larga escala no ambiente digital brasileiro. Ele destaca que o problema causa “grande distorção do debate público”.
Sedes dos Três Poderes foram alvo de ataques terroristas por militantes de extrema direita em 8 de janeiro – Valter Campanato/Agência Brasil
“O curioso é que desinformação nem sempre é uma mentira, mas às vezes é um fato que é tirado de contexto, é manipulado e distorce o debate público. Essa distorção enviesa as posições, adultera a formação da opinião pública, e isso pode ferir a democracia. O 8 de janeiro não brotou do chão. Ele foi fruto de uma campanha sistemática de desinformação sobre a segurança do sistema eleitoral. De tanto mentirem falando que o sistema era fraudável, teve gente que acreditou naquilo, e aí deu no que deu”, afirma o relator.
Edição: Vivian Virissimo
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