Orlando Zaccone aponta erros na apuração do crime e afirma que ainda é possível chegar aos mandantes do homicídio
Publicado em 14/03/2023 – 07h19
Por Igor Carvalho – Brasil de Fato – São Paulo (SP)
Brasil de Fato — Delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro e coordenador nacional do grupo Policiais Antifascismo, Orlando Zaccone, reconhece que a chegada da Polícia Federal ao caso Marielle Franco, cinco anos após o brutal assassinato da ex-vereadora completados nesta terça (14), é um fracasso para os órgãos de investigação fluminense.
“Mostra, evidentemente, um certo fracasso das investigações no Rio de Janeiro, no que diz respeito ao segundo inquérito, que está investigando quem mandou matar Marielle e qual foi a motivação do crime”, aponta Zaccone, que reconhece valor em alguns avanços da apuração do caso.
“No primeiro inquérito a Polícia Civil foi muito bem-sucedida em identificar, de forma muito competente do ponto de vista técnico, todas as provas que foram construídas para imputar a responsabilidade da execução da Marielle e do Anderson a duas pessoas que já estão presas, com provas robustas, e estão sendo mantidas presas há muitos anos”, apontou o delegado.
Em março de 2019, um ano após o crime, a Polícia Civil do Rio prendeu o policial reformado Ronnie Lessa, apontado como atirador, e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, que seria o motorista do carro na perseguição a ex-vereadora.
Ambos estão presos em penitenciárias federais fora do Rio de Janeiro e vão à júri popular, ainda sem data determinada pela Justiça.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: A entrada da polícia federal na investigação do caso Marielle é a sentença definitiva do fracasso da investigação feita pelos órgãos fluminenses?
Orlando Zaccone: Mostra, evidentemente, um certo fracasso das investigações no Rio de Janeiro, no que diz respeito ao segundo inquérito, que está investigando quem mandou matar Marielle e qual foi a motivação do crime. Ou seja, o que aconteceu nas investigações é que após descoberto o autor dos disparos e outras pessoas que participaram da ação, como o (Élcio Queiroz) motorista que foi preso junto com o atirador, Ronnie Lessa, a motivação do crime não foi identificada.
Todo crime de homicídio tem que ter uma motivação, conforme o Código Penal. A doutrina só isenta de motivação caso seja um caso de inimputabilidade, ou seja, quando a pessoa não tem controle sobre seus atos, como alguém com um problema mental.
Quando uma pessoa mata alguém, ela o faz por um motivo, que pode ser dinheiro, por exemplo, mas há um motivo. É isso que está em jogo agora na investigação do caso Marielle, descobrir qual foi o motivo que levou à decisão da execução.
É esse segundo inquérito que está se arrastando?
Esse segundo inquérito começou a se movimentar quando o [então] governador [do Rio de Janeiro] Wilson Witzel assumiu em 2019. Na época, surgiu uma testemunha importante, o porteiro do [condomínio onde morava Jair Bolsonaro] Vivendas da Barra, que disse que Lessa e seu comparsa, Adriano -, que não é o (miliciano) Adriano da Nóbrega, o qual mataram na Bahia -, chegaram no condomínio Vivendas da Barra no dia da execução de Marielle e quiseram falar com a casa do “Seu Jair”.
Bolsonaro estava fora do país na época e deu uma declaração constrangida, sendo envolvido na morte de Marielle. No entanto, isso tudo foi alterado com um novo depoimento do motorista, que desmentiu aquilo que havia dito antes.
Em meio a tudo isso, o governador Witzel sofreu um impeachment e foi chamado para depor na CPI da Covid em 2021 ou 2022. Witzel disse na CPI que sofreu impeachment no Rio de Janeiro porque havia identificado e preso o autor da execução de Marielle.
No entanto, a polícia do Rio nunca o chamou para esclarecer melhor essa declaração que foi pública, o que é estranho. Na verdade, em qualquer lugar do mundo, quando um político faz um depoimento envolvendo um crime de homicídio, isso é amplamente aceito como um crime político e ele deveria ter sido chamado para depor e explicar a relação entre seu impeachment e a prisão do executor de Marielle.
Mas isso não foi feito. Portanto, muita coisa não foi feita nessa investigação.
A conclusão é que houve fracasso?
Mas, respondendo à sua pergunta, há um fracasso na investigação do segundo inquérito, porque no primeiro a polícia civil foi muito bem-sucedida em identificar, de forma muito competente do ponto de vista técnico, todas as provas que foram construídas para imputar a responsabilidade da execução da Marielle e do Anderson à duas pessoas que já estão presas, com provas robustas, e estão sendo mantidas presas há muitos anos.
Agora, o que precisamos esclarecer é a motivação e quem mandou matar, já que tudo leva a crer que a execução da Marielle foi encomendada. É sobre isso que estamos tratando no segundo inquérito.
A entrada da Polícia Federal demonstra uma falha da Polícia Civil, mas a crítica não pode ser limitada somente a um órgão policial. Temos também o Ministério Público, que não faz apenas o controle dos atos da polícia, mas também atua diretamente no inquérito. Se há uma falha, eu acredito que há, ela não é apenas da polícia civil, mas do sistema de justiça criminal do estado do Rio de Janeiro.
Cinco anos após o crime, o que pode mudar na investigação? Quem tinha pra fugir, já fugiu. Quem poderia esconder dinheiro, já escondeu. Quem poderia falar, já se acomodou. É possível avançar cinco anos depois?
O fato de terem se passado cinco anos desde a execução da Marielle não impede que a investigação possa chegar aos mandantes, mas para isso é necessário esclarecer algumas coisas que ficaram meio dúbias no primeiro inquérito. Uma é a visita dos executores da Marielle no condomínio do Bolsonaro, o Vivendas da Barra.
Repare que o Lessa, que é o atirador, morava no condomínio, mas a primeira informação do porteiro foi que Anderson, o motorista, chegou e não procurou o Lessa, era para procurar alguém na casa do “Seu Jair”. Isso foi desmentido depois de uma forma muito estranha, pois esse porteiro não aparece mais e não trabalha mais lá.
E quem tem o livro de anotações que ele fez no dia e que constava a visita do Adriano? O Ministério Público. Há um documento mostrando que havia uma comunicação de um dos presos na execução, que era o motorista Adriano, com alguém que estava na casa do seu Jair.
‘Seu Jair’ não estava lá, já está provado que ele estava em Brasília, mas é preciso saber quem estava na casa dele naquele horário. É necessário verificar muitas coisas.
As investigações já afastaram completamente a possibilidade de motivação pessoal. É necessário desenrolar isso.
A participação do ex-governador Wilson Witzel é fundamental, já que na CPI da Covid ele disse que sofreu impeachment por conta da prisão dos executores da Marielle. Ele tem que explicar isso, colocar isso no papel e esclarecer melhor, mas até o momento, ninguém o chamou.
Quais foram os principais erros da investigação feita pelo MPRJ e PC?
Então, não podemos falar em erro na investigação, porque não a conhecemos, ela está sob sigilo, ou seja, ninguém sabe o que o Ministério Público do estado do Rio de Janeiro e a Polícia Civil obtiveram de informação sobre a motivação do crime.
Esse segundo inquérito está em andamento em sigilo. O que podemos afirmar é que ainda não houve nenhuma novidade em relação ao caso desde que foi instaurado, ou seja, não foram apresentados nomes de pessoas envolvidas ou em relação aos executores.
A única informação que surgiu foi aquela do condomínio Vivendas da Barra, que parece ter sido esquecida e engavetada, mas há documentos que estão em posse do Ministério Público e da Polícia Civil. Os celulares dos executores foram apreendidos e muita coisa ainda pode e deve ser verificada.
Não podemos afirmar que houve erro na investigação, já que não temos acesso ao procedimento e ao que foi feito pelo Ministério Público e pela Polícia Civil em relação ao segundo inquérito.
Edição: Rodrigo Durão Coelho