São espantosas as matérias e artigos publicados na grande mídia sobre a guerra da Ucrânia.
Quem se informa apenas pela imprensa tradicional fica com a impressão de que Vladimir Putin um belo dia acordou, espreguiçou-se e, enquanto preparava seu café (ou algum equivalente russo), pensou: “Tá tudo muito parado, acho que vou começar uma guerra.”
Na verdade, porém, para pintar Putin como um assassino alucinado é necessária uma boa dose de desonestidade, fartas pitadas de omissões e, é claro, uma completa submissão à propaganda de guerra dos Estados Unidos/OTAN.
Os conflitos armados na região de Donbass, leste da Ucrânia, começaram há quase uma década, em 2014. Os povos das localidades de Donetsk e Luhansk, que abrigam muitas pessoas de etnia russa, decidiram se separar da Ucrânia. O governo central ucraniano respondeu com violência e o conflito se arrastou por anos, provocando a morte de mais de 10 mil pessoas, entre civis e combatentes.
Os movimentos separatistas em Donbass aconteceram após o Euromaidan, nome pelo qual ficaram conhecidos os protestos que derrubaram o presidente ucraniano Viktor Yanukovych, que rompera as tratativas de adesão da Ucrânia à União Europeia e se aproximara da Rússia. Esses protestos foram violentos e uniram parte da população civil a forças de extrema direita, inclusive grupos abertamente neonazistas.
Os protestos, a deposição de Yanukovych e o governo de transição que se seguiu foram apoiados pelos EUA publicamente; militantes de extrema direita assumiram cargos no governo. Tínhamos, portanto, um país dividido, e então os EUA entraram em cena apoiando a derrubada do governo eleito, o que desemboca em um fortalecimento da extrema direita. (Algo familiar este roteiro, não?)
Em seguida, conforme resume o jornalista Branko Marcetic,
Com Yanukovych fora, o governo provisório e o primeiro-ministro escolhido a dedo por Washington assinaram o acordo da UE cuja rejeição deu início a isso tudo, solidificando o giro da Ucrânia para o Ocidente e inaugurando as medidas de austeridade brutais demandadas pelo FMI. No decorrer dos anos, o sucessor de Yanukovych assinou uma rodada de privatização, aumentou a idade de aposentadora e cortou os subsídios de gás, algo exigido até pelo então vice-presidente Joe Biden.
Vale a pena ler a matéria da Jacobin que detalha o Euromaidan para entender o que realmente está em jogo na guerra da Ucrânia: a disputa entre EUA e Rússia. Não é à toa que os EUA e seus aliados da OTAN estão armando a Ucrânia (inclusive seus batalhões neonazistas) para enfrentar o poderio bélico russo.
Putin alertou muitas vezes que não toleraria a instalação de bases militares da OTAN em território vizinho – o que aconteceria se fosse sacramentada a entrada da Ucrânia na Organização do Tratado do Atlântico Norte. Ao fim da Guerra Fria a OTAN se comprometeu a não expandir suas bases para o oriente, mas vem fazendo exatamente o oposto, em um evidente movimento de cerco à Rússia.
Se uma organização militar encabeçada por Rússia e China infestasse o México de bases militares, a reação violenta americana que sobreviria seria vista como uma agressividade absurda ou como legítima defesa?
A resposta é óbvia, mas a mídia tradicional brasileira prefere reproduzir bovinamente a propaganda de guerra dos EUA do que fazer jornalismo. Seria mais honesto se a editoria da cobertura da guerra da Ucrânia se chamasse “Geopolítica para idiotas”.
No mundo encantado dos americanófilos os Estados Unidos têm o direito divino de ser a polícia do mundo e a única superpotência dominante, levando “democracia e liberdade” para onde lhes for conveniente. Se para “democratizar e libertar” um país for necessário dividi-lo, destruí-lo, instigá-lo a guerrear, matar milhares de civis ou encher de dinheiro a indústria de armas e de infraestrutura americanas, paciência.
America first, right?