Enquanto indígenas morrem de fome e doenças no norte, chuvas devastam o sudeste, a violência armada cria uma chacina no centro-oeste e a seca destrói o sul do Brasil, há quem use cargos, dinheiro e recursos públicos para suscitar discussões infrutíferas, visando transformar o plenário da Câmara dos Deputados em algo tão vil e asqueroso quanto os mais obscuros grupos de Telegram ou algum “chan” de vagabundos e delinquentes.
Nas últimas semanas, o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) apresentou o Projeto de Lei 198/23, que veda o uso, em qualquer contexto ou disciplina, de linguagem que empregue o gênero neutro na educação básica. Em análise na Câmara dos Deputados, o projeto altera a Lei de Diretrizes e Bases na Educação.
Pergunto: quantas escolas “ensinam” ou usam linguagem neutra? Arrisco a dizer que nenhuma ou algo próximo disso.
A verdade é que não há muita discussão sobre linguagem neutra nas escolas do Brasil. Embora a ideia de usar pronomes e termos neutros para evitar a exclusão de pessoas não binárias e de gênero não conformes seja cada vez mais comum em outros países, ainda é um assunto pouco abordado em muitas escolas brasileiras.
Além disso, o governo federal (estadual e municipal também) não tem o poder de “implantar” uma linguagem neutra. Mudanças na língua e em sua utilização surgem a partir de uma evolução social e cultural, e é necessário um amplo debate e conscientização para que sejam adotadas de maneira significativa e efetiva. Logo, uma mudança de hábitos e comportamentos linguísticos é um processo gradual que depende da participação ativa da sociedade como um todo.
Definitivamente, o deputado que já empreendeu uma cruzada contra uma suposta doutrinação nas escolas demonstra mais uma vez que não faz ideia da realidade de uma sala de aula. Se soubesse, estaria questionando o motivo de a reforma do ensino médio ter substituído aulas de geografia, ciência e até mesmo história por aulas de “O que rola por aí”, jogos de RPG, “Brigadeiro caseiro” e “mundo dos pets”.
Ou então sobre como a reforma do ensino médio irá aprofundar as desigualdades entre as escolas e os estudantes, além de dificultar a implementação de políticas públicas para garantir a qualidade do ensino.
Em mais uma demonstração de desperdício de recursos públicos, hoje (22) o deputado decidiu apresentar o Projeto de Lei Complementar (PLP) 11/23, que proíbe o Brasil de adotar uma moeda comum com outros países ou organismos internacionais.
Acontece que o Brasil não possui nenhum projeto em andamento para a implementação de uma moeda única.
A única proposta em fase preliminar é de uma moeda comum entre Brasil e Argentina, que seria utilizada em transações comerciais entre os dois países.
Dessa forma, a intenção seria fortalecer a integração econômica e reduzir a dependência de outras moedas, como o dólar, e não substituiria o real, o peso ou qualquer outra moeda nacional dos países do MERCOSUL. A medida busca apenas a redução de custos e riscos cambiais nas transações comerciais.
Ou seja, o que o deputado está fazendo é apenas usar a estrutura do Estado para alvoroçar hordas de extremistas na internet, dando um verniz de legitimidade ao colocar tais pautas na agenda legislativa.
Infelizmente, isso não surpreende, já que este é o mesmo deputado que afirmou que a Alemanha errou ao criminalizar o nazismo.
As prioridades no “Brasil do 4Chan” são outras.