Cenas de horror dizem mais sobre os napë, os não indígenas, que sobre esse povo
Publicado em 09/02/2023 – 09:54
Por Dário Kopenawa – Vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami e Estêvão Benfica Senra – Pesquisador – Instituto Socioambiental
ISA — Neste momento em que muito se fala sobre a tragédia yanomami, há quem atribua as causas do sofrimento desse povo ao seu modo de vida. Sugerem que a fome e a doença são produtos da suposta ineficiência do sistema produtivo indígena, não da economia predatória que há anos vem devorando povos e territórios planeta afora. Ignoram que esse mesmo modo de vida garantiu uma existência abundante por séculos, enquanto o extrativismo não indígena é o verdadeiro produtor da escassez — algo que se vê, por exemplo, nos grandes centros urbanos que se pretendem monumentos da civilização ocidental. Como diria Davi Kopenawa, “o povo da mercadoria” está condenado.
Não é difícil notar a contradição no discurso que imputa aos indígenas a culpa por esta tragédia. Basta observar o que acontece nos lugares cotidianamente consumidos pelo garimpo. Onde há garimpo não há prosperidade. Há pobreza e violência, nada mais. Nesses lugares, enquanto a maioria padece de moléstias como a malária ou é envenenada pelo mercúrio, apenas alguns poucos acumulam riquezas, que são ostentadas bem longe das crateras de onde são extraídas.
Em meio à tragédia, é urgente não perder de vista a beleza desse povo. A beleza das festas reahu, das danças de apresentação. Céu azul, corpos pintados de vermelho, o balé das palhas amarelas. Tampouco perder de vista a beleza da floresta e do conhecimento milenar que ajudou a construí-la e torná-la ainda mais bela. Abelhas comendo no jatobá-roxo, os perfumes do fundo da mata, a majestade das sumaúmas e as fantásticas ilhas de pupunheiras e cacauais. Não podemos perder de vista a beleza dos xamãs e de seus espíritos auxiliares, que contribuem para o equilíbrio cósmico. A beleza da língua yanomami e dos seus cantos, que têm a sutileza de haicais e o ritmo dos cantos dos bichos.
Para os inimigos dos povos indígenas, uma forma de extermínio é a destruição dessa beleza. Pois é por meio da beleza que os yanomamis afirmam a sua humanidade no mundo.
“Em meio à tragédia, é urgente não perder de vista a beleza desse povo” 📷 Victor Moriyama/ISA
Viver com a floresta é uma arte e requer uma sabedoria que não pode ser fabricada em laboratório. Os yanomamis manejam mais de 160 espécies vegetais silvestres comestíveis, conhecem minuciosamente o comportamento de mais de 80 animais de caça, pescam cerca de 50 tipos de peixes, coletam 30 variedades diferentes de mel silvestre, 11 espécies de cogumelos, dezenas de invertebrados e cultivam mais de uma centena de alimentos, com destaque para a banana, a mandioca, a batata-doce, a taioba, o cará, a cana e o milho.
Davi Kopenawa, com sua perspicácia e inteligência fora do comum, há anos vem nos alertando sobre isso, assim como vem lutando para que os napë (os não indígenas) reconheçam a beleza do seu povo, a sua humanidade.
Leiam as suas palavras em “A Queda do Céu”. Assistam à poesia dos moradores da serra do vento em “A Última Floresta”. Deixem-se apaixonar por esse povo e por sua maneira própria de criar mundos. A aposta de Davi é que o respeito pelo seu povo só pode nascer da admiração, não da pena ou da comiseração.
Um povo cujas crianças podem nomear mais de duzentos tipos de flores durante uma brincadeira é um tesouro. E é desse tipo de tesouro de que o Brasil e a humanidade precisam.
As cenas de horror que circulam hoje, seguramente, dizem mais sobre quem são os napë do que sobre os yanomamis.
Pedro
13/02/2023 - 12h09
Qual a fonte das tuss “informações”?
Tony
13/02/2023 - 11h44
Os brasileiros sao tao bobos que nao vai demorar para que percam a Amazonia…
Achar que todo mundo seja bem intencionado e nao tenha segundos fins quando coloca o bico na casa dos outros é coisa de tontos…acho que passou da hora de acordar viu !!
Ronei
13/02/2023 - 11h42
“Os yanomamis manejam mais de 160 espécies vegetais silvestres comestíveis, conhecem minuciosamente o comportamento de mais de 80 animais de caça, pescam cerca de 50 tipos de peixes, coletam 30 variedades diferentes de mel silvestre, 11 espécies de cogumelos, dezenas de invertebrados e cultivam mais de uma centena de alimentos, com destaque para a banana, a mandioca, a batata-doce, a taioba, o cará, a cana e o milho.”
E como é que morrem de fome se sabem fazer isso tudo desde sempre…?
Eu acho que tem outras coisas por tras, outros interesses e os garimpeiros em uma area imensa como essa sao o menor dos problemas.
Paulo
12/02/2023 - 23h19
Eu me sensibilizo, sim, com a saga dos caçadores-coletores. Nossos ancestrais do Neolítico, detentores da sabedoria primitiva que nos permitiu emergir como espécie pioneira, dona de seu próprio destino (ou pelo menos que como tal se pretende)…Formamos um elo inquebrantável, embora muitos não entendam, e questão geopolítica à parte…
Niedja Durans
12/02/2023 - 22h01
Magnífico, vou procurar e ler os livros indicados, onde posso encontrar?
GENOCIDA PRESO
12/02/2023 - 18h02
espero que o ex-presidente fujão/cagão visite a papuda e fique na mesma cela do parça daniel silveira
esses 4 anos de desgoverno dos nazistóides mostrou que a direita é o lixo da história
Gilberto Alves
12/02/2023 - 17h57
Belo texto, com muita humanidade e respeito.