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Plano de Tarcísio e Nunes para a Cracolândia insiste em polícia e internação

Para especialistas, programa Reencontro insiste em ações já reprovadas: ‘a internação forçada é o grande projeto deles’ 05 de Fevereiro de 2023 às 12:21 Igor Carvalho – Brasil de Fato – São Paulo (SP) Brasil de Fato — Em evento concorrido no Palácio dos Bandeirantes, no dia 24 de janeiro, o governador de São Paulo, […]

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Marcelo Camargo/ABr

Para especialistas, programa Reencontro insiste em ações já reprovadas: ‘a internação forçada é o grande projeto deles’

05 de Fevereiro de 2023 às 12:21

Igor Carvalho – Brasil de Fato – São Paulo (SP)

Brasil de Fato — Em evento concorrido no Palácio dos Bandeirantes, no dia 24 de janeiro, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apresentou o programa Reencontro, conjunto de ações do governo estadual em parceria com a prefeitura da capital paulista, comandada por Ricardo Nunes (MDB), para a região conhecida como Cracolândia, que fica no centro da capital paulista, entre os bairros da Luz e Campos Elíseos.

As medidas anunciadas pelo governador, ao lado de seu vice e coordenador do grupo de trabalho que apresentou o pacote de medidas, Felício Ramuth (PSD), incluem ações policiais, promessas de ampliação de serviços de saúde e assistência – já descumpridas anteriormente -, e ênfase na internação, forçada ou não, dos usuários de substâncias psicoativas que vivem na região. Na prática, um pacote de medidas requentadas de outras gestões e operações para o local.

Para Benedito Mariano, ex-coordenador do Braços Abertos, programa formulado e aplicado durante a gestão de Fernando Haddad (PT) à frente da prefeitura de São Paulo (2013-2016), o conjunto de medidas apresentadas por Freitas e Nunes não trará retorno no tratamento dos usuários.

“Não há como resolver o problema da Cracolândia se não houver uma política de redução de danos com amparo de outras medidas, como moradia, assistência de saúde e uma atividade remunerada. Isso não está no projeto deles. Tudo já foi testado, insistir nos métodos que já fracassaram não trará sucesso agora”, sentenciou.

Mesmo assim, representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública também estiveram no evento, sancionando o plano de Freitas. Os órgãos, em outros momentos, já questionaram e criticaram diversas das medidas propostas agora pelo Palácio dos Bandeirantes e pelo governo municipal para a região. No entanto, durante a coletiva de apresentação do programa, não houve críticas à Operação Caronte, do governo estadual anterior, comandado por Rodrigo Garcia (PSDB), e nem à Operação Redenção, da prefeitura de São Paulo na gestão de João Doria.

Assim como o pacote de Tarcísio, ambas as operações estão amparadas pelo discurso de guerra nos territórios aos usuários de substâncias psicoativas e cooperaram para a fila de fracassos do poder público, nos 30 anos da existência da Cracolândia na região central da capital.

Puxadinhos e desarticulação

Inaugurada em 18 de junho de 2021, a Operação Caronte teve 22 fases comandadas pela Polícia Civil, a última em 19 de setembro de 2022. Durante um ano tentou, sem sucesso, acabar com o tráfico de drogas na região, com ostensiva presença policial que gerou cenas de violência contra os usuários e deslocamentos em bloco da Cracolândia pelas ruas dos bairros.

A Operação Redenção, da Prefeitura de São Paulo, tem sido alvo de críticas frequentes. Em reunião no dia 6 de outubro de 2022, do Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI) da Comissão Extraordinária de Direitos Humanos e Cidadania, da Câmara dos Vereadores paulistana, o representante do Ministério Público, Arthur Pinto Filho, promotor de justiça de Direitos Humanos, fez críticas às políticas implementadas pela gestão de Ricardo Nunes.

“Qual a assistência social oferecida na região? São 48 agentes, que trabalham das 8h às 22h, não trabalham de madrugada e nem finais de semana. Eles ganham R$ 1,8 mil por mês. Com esse salário indigno, os assistentes sociais não ficam no emprego, já há um rodízio muito grande que impede a relação de confiança entre o usuário e o trabalhador da assistência. Então, não temos um trabalho de assistência e de saúde na região, o que temos lá são ‘puxadinhos’ e desarticulação”, explicou Pinto Filho.

O promotor insistiu nas críticas, lembrando uma promessa de Ricardo Nunes. “Em abril de 2021, falaram que criariam em São Paulo seis novos Caps [Centros de Atenção Psicossocial] e transformariam seis Caps II em Caps III. A realidade não foi essa, eles criaram em setembro um Caps na Porto Seguro, mas não é um Caps novo, apenas transformaram um trabalho de assistência de Saúde, que foi jogado fora, em uma unidade do Caps.”

O GTI é formado por representantes da Câmara Municipal de São Paulo, Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), órgãos públicos e representantes da sociedade civil, que analisam a situação na Cracolândia.

Internações

No projeto dos governos estadual e municipal para a recuperação da Cracolândia aparece, novamente, a promessa de expansão de unidades de assistência aos usuários de substâncias psicoativas, mas com especial foco na internação.

O Reencontro prevê a abertura de 264 leitos para desintoxicação em hospitais e mil vagas de internação em comunidades terapêuticas. Para Freitas, a internação compulsória é uma possibilidade, embora diga que será feita apenas como “última opção”.

“Vamos partir do pressuposto de que cada pessoa é uma. Temos de ter um cardápio de opções para não perder oportunidades”, disse o governador durante a coletiva de lançamento de seu programa para a Cracolândia. A medida é condenada por defensores dos direitos humanos e especialistas.

“Não há novidades… No que diz respeito à disponibilização dessas mil vagas, a prefeitura já em 2022 dizia que disponibilizaria 2 mil. Não sabemos por quais equipamentos, mas é preocupante porque estamos vendo a velha política que nunca trouxe resultado”, critica Amanda Amparo, relatora do GTI e doutoranda no departamento de Antropologia Social da USP. A antropóloga critica a internação compulsória e cita informações colhidas pelo grupo de trabalho na Cracolândia.

“Não temos resultados do ponto de vista prático, aqui mesmo no território da Cracolândia, onde essa prática já é adotada desde 2020. A internação não era compulsória, do ponto de vista jurídico, mas a oferta era de internação com encaminhamento forçado, o que não teve resposta. O Caps Redenção, que atende a região e foi mobilizado através da Operação Caronte, não mostra qualquer retorno positivo sobre esse método, assim como a UPA Vergueiro e o Hospital Cantareira”, explica.

Nos trinta anos de existência da Cracolândia, militantes dos direitos humanos e grupos de técnicos de diversas áreas se formaram, prestando assistência aos usuários de substâncias psicoativas. Amanda lamenta que tenham sido ignorados pelo poder público. “Mais uma vez, há o desenvolvimento de um programa fechado, sem a participação dos movimentos ou mesmo dos trabalhadores que já atuam no território. Não há, exatamente, uma proposta nova.”

Roberta Costa, integrante do movimento Craco Resiste, que atua na região desde 2016 se contrapondo à violência do Estado praticada no local, criticou o projeto. “Eles tentam dizer que estão fazendo coisas novas, mas estão se valendo de equipamentos e métodos que já existem.”

“A internação forçada é o grande projeto deles, um projeto higienista. Eles não conseguiram fazer uma internação forçada em massa porque o Ministério Público e a Defensoria não toparam. Mas vão fazer isso aos poucos e forçarão que outras pessoas se internem, não pensando no cuidado das pessoas ou na eficácia dos equipamentos”, alerta Costa.

Justiça Terapêutica

Outro caminho previsto no Reencontro que também pode terminar em internação é a Justiça Terapêutica, que oferece ao usuário de substâncias psicoativas a possibilidade de “optar” por ser internado em vez de responder por pequenos delitos relacionados a drogas.

“Nesse caso da Cracolândia, é um regresso em todo o avanço na política de drogas nacional, que já não encara o uso de drogas como um crime passível de penalidade. Quando se aplica a perspectiva de Justiça Terapêutica para o usuário de drogas, para o delito de usar drogas, é um regresso. Mais uma vez, é o poder público usando a segurança pública como principal mote de ação voltada para essas pessoas”, afirma Amparo.

“Apesar do discurso repressivo mudar um pouco, tudo passa pela polícia. A pessoa vai para a delegacia e será registrada, se tiver reincidência pode ser presa e ser encaminhada para tratamento através do sistema de Justiça, por meio do que eles estão chamando de Justiça Terapêutica, formas compulsórias de obrigar as pessoas a aderirem ao tratamento. As pesquisas mostram que os tratamentos que não são construídos com as pessoas não têm chances de darem certo. Enquanto a pessoa estiver internada não consumirá crack, mas quando sair, voltará para o crack”, finaliza Costa.

                                                Ação policial na Cracolândia de São Paulo / Caio Castor/Agência Pública

Auxílio financeiro

Outra ação prevista pelo plano de Freitas e Nunes é o pagamento de uma ajuda financeira de R$ 600 a R$ 1.200 reais para a família que acolher o usuário de volta. A medida foi condenada por Roberta Costa, da Craco Resiste.

“Você pega uma família que está desesperada, sem condições de se alimentar e ter acesso ao salário-mínimo. Aí, entregamos um salário-mínimo para essa família, mas como elas vão cuidar desse dependente? Elas vão respeitar os direitos humanos? Vão trancar ele num quarto? Vão bater? Qual vai ser o cuidado que essa pessoa receberá?”, pergunta.

Amparo também atacou o auxílio financeiro. “É preocupante, porque o Estado terceiriza uma responsabilidade que é dele, profissional, para uma atuação doméstica, sem estabelecer critérios e sem saber as condições dessa família. Parece muito mais midiático do que viável.”

Outras ações

O Reencontro prevê, ainda, que equipes multidisciplinares estejam na Cracolândia para realizar a “busca ativa” de usuários de substâncias psicoativas, que passariam a ser acompanhados pelo Estado. As operações Braços Abertos e Redenção já previam essa mesma medida.

Freitas prometeu que contratará 200 profissionais especializados em dependência química e outros 50 de apoio, que serão assistidos por 25 viaturas que oferecerão suporte logístico para o transporte dos trabalhadores e doentes.

Outra medida já prevista no Braços Abertos é a oferta de trabalho como forma de oferecer autonomia aos atendidos. Assim como ocorria na gestão Haddad, os dependentes poderão concorrer a vagas de varrição de rua e limpeza de banheiros públicos. Porém, Freitas e Nunes apostam também no “engajamento do setor privado”.

Em outra medida criticada por especialistas em segurança pública, o Reencontro prevê a instalação de 500 câmeras pela região da Cracolândia, sob o pretexto de identificar traficantes.

Além de coordenar o Braços Abertos, Benedito Mariano foi ouvidor das polícias de São Paulo. Para ele, o uso de câmeras é equivocado. “Já temos mais de dez anos de ações policiais na Cracolândia, está mais que provado que isso não nos levará a lugar algum. Se a intenção é acabar com o tráfico, não é ali, é preciso mais inteligência, pois os traficantes não estão na Cracolândia, estão bem longe dali.”

Outro lado

O Brasil de Fato levou quatro críticas aos governos estadual e municipal sobre o programa Reencontro, formuladas pelos especialistas escutados na matéria. A reportagem queria saber: por que o plano não incluía uma política de redução de danos, recomendada por especialistas; se a administração pública determinará parâmetros de tratamento, e quais seriam, para as famílias que receberão os usuários de substâncias psicoativas em casa; o motivo da insistência em internações, forçadas ou não; e como serão escolhidas as comunidades terapêuticas que vão receber os dependentes químicos.

O governo de São Paulo respondeu apenas duas das críticas e optou por não explicar como será feita a escolha das comunidades terapêuticas e por que não há previsão de um tratamento de redução de danos. Confira a resposta na íntegra:

“O Plano de ações do Governo do Estado de São Paulo e da Prefeitura da Capital está lastreado em quatro pontos centrais: abordagem qualificada aos dependentes químicos, por meio de profissionais especializados; oferta de múltiplas linhas de cuidado para o tratamento da dependência química; integração completa da jornada de cuidados, com acompanhamento nos equipamentos estaduais e municipais; e a plena oferta de serviços públicos em todas as frentes de atuação, por meio da atualização do cadastro único. Ou seja, fica claro que o plano de ações não estabelece uma forma única de atendimento, mas oferecerá atendimentos diferenciados aos adictos, de acordo com as avaliações e diagnósticos de profissionais especializados.

Mais do que opções de tratamento, Estado e Prefeitura estão oferecendo oportunidades de reinserção social aos dependentes químicos por meio de diferentes jornadas e programas assistenciais, incluindo o acolhimento. As opções de aluguel social integram as ações de promoção de autonomia aos adictos uma das últimas etapas do processo de reabilitação assistida desses pacientes.”

Até o fechamento da matéria, a prefeitura de São Paulo não havia respondido os questionamentos da reportagem. Caso o faça, o texto será atualizado.

Edição: Glauco Faria

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Paulo

05/02/2023 - 23h17

Não há solução fora da internação compulsória, ao menos como possibilidade. Não se pode admitir que pessoas vagueiem indefinidamente por logradouros públicos, como se fossem zumbis, sem objetivo definido, esperando a próxima remessa de drogas, para cuja aquisição seguramente importunarão cidadãos e transeuntes, com objetivos de furto ou roubo. Tampouco me parece viável exigir um engajamento personalístico de agentes de saúde como pressuposto necessário para o sucesso de um programa de reabilitação. Antigamente, vadiagem era considerada contravenção penal. Mas conseguimos “evoluir” para a indiferença absoluta, que penaliza igualmente os viciados e os cidadãos em geral. Ninguém sai ganhando, e alguns, eventualmente, perdem a vida, dos dois lados. Será que na China há algum dilema “ético” desses colocado?


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