Cientistas políticos interpretam cenário legislativo e realçam perspectivas para gestão petista
05 de Fevereiro de 2023 – 11:18
Cristiane Sampaio – Brasil de Fato – Brasília (DF)
Brasil de Fato — Passadas as eleições para presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, o governo Lula tenta agora avançar na composição da base parlamentar que deverá dar sustentação à gestão no Congresso Nacional. A ideia é turbinar a tropa de choque do Planalto, que até o momento reúne as siglas PT, PDT, PSB, PSOL, Rede, PCdoB, Avante, PV, Solidariedade e Pros, segundo acompanhamento feito pela consultoria Consillium Soluções em Relações Institucionais e Governamentais. É o que o analista político Antônio Augusto de Queiroz chama de grupo do “apoio consistente” ao governo. São, ao todo, 140 parlamentares na Câmara em um total de 513.
Ex-diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e sócio-diretor da organização, Queiroz explica que o segmento tende a atuar em bloco, de maneira firme e fechada com a gestão Lula. Já o grupo dos partidos que se reivindicam como “independentes” seria aquele que tende a atuar por meio de um “apoio condicionado”, movimentando-se eventualmente nos mesmos rumos do governo sempre que a pauta e as condições de negociação lhe interessarem. Segundo as costuras que vêm se consolidando até o momento, a lista inclui União Brasil, PSD, MDB, Republicanos, Podemos, PSC, Patriota e PTB, com 206 deputados na Câmara.
Pelo que se tem até o momento, devem marchar na oposição 167 parlamentares, das siglas PL, PP, PSDB, Cidadania e Novo. Queiroz pondera, no entanto, que desse grupo também podem sair apoiadores eventuais da gestão Lula. “Por exemplo, em votações de pautas na área de costumes, o PSDB e o Cidadania não tendem a se aliar com a oposição atual, que é uma oposição muito conservadora. Isso eles não votam. Já nas pautas econômicas, liberais e fiscais, eles devem estar na oposição ao governo”, projeta o analista.
Presidência do Senado é posto-chave para que governo Lula evite maior avanço do bolsonarismo no Congresso Nacional / Senado/arquivo
No Senado, a composição é a seguinte, segundo a classificação feita pelo consultor: são 15 parlamentares na linha de apoiadores consistentes (PT, PDT, PSB, Rede e Pros), 36 no segmento dos apoiadores condicionados (PSD, MDB, União Brasil, Republicanos e Cidadania), enquanto 30 se encontram na oposição (PL, PP, Podemos, PSDB e PSC).
Os interlocutores de Lula investem atualmente em negociações que tentam atrair PL, PP e Republicanos para a órbita do governo, mas ainda enfrentam algumas dificuldades. “São partidos que tiveram uma participação muito determinante no governo Bolsonaro e que elegeram muitos deputados diretamente associados ao bolsonarismo, então, pra alguns elementos dessas bancadas, é difícil o processo de aproximação com o governo porque isso pode ser mal visto pelas suas bases”, interpreta a professora Mayra Goulart, do curso de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGCS).
Proporção
Cúpula do Poder Executivo federal, os cargos de ministro são a cereja do bolo das negociações entre os partidos e o governo em troca de apoio parlamentar. A distribuição dos 37 ministérios entre as legendas acomodadas por Lula na máquina dá a dimensão do peso que cada sigla conseguiu ocupar neste primeiro momento da gestão. O PT, partido do presidente da República, acumula dez pastas, enquanto PSB, MDB, PSD e União Brasil têm três ministérios cada. Já às siglas PDT, PSOL, PCdoB e Rede coube um ministro para cada.
O arranjo não segue exatamente a proporção de cadeiras que essas legendas ocupam na Câmara dos Deputados, o que, segundo destaca a pesquisadora Joyce Luz, não chega a ser um problema. Em estudo recentemente publicado pelo Observatório do Legislativo Brasileiro, ela estabeleceu um paralelo entre a composição da primeira coalizão formada por outros governos eleitos no Brasil.
Para isso, Luz calculou o que o cientista político Octavio Amorim Neto chama de “taxa de coalescência”, medida que varia de 0 a 1 e mensura a relação entre a distribuição dos ministérios e o número de mandatos que os partidos da base governista têm na Câmara. Assim, se o cálculo resultar em 0, por exemplo, isso significa total falta de equilíbrio. Em uma escala histórica que vai desde o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) até a atual gestão Lula, o governo petista de agora apresenta a taxa de 0,64, conforme a imagem abaixo.
Situação do governo Lula em 2023 no comparativo com gestões anteriores / OLB/Divulgação
“Eu diria que um equilíbrio exato nunca vai existir. É algo utópico. Não vai existir neste governo como não existiu nos governos anteriores que aderiram ao presidencialismo de coalizão porque, para além da quantidade de cadeiras, a gente precisa levar em consideração o teor da política”, aponta Joyce Luz, ao mencionar o que seria a relevância política de cada pasta.
“Hoje o MEC [Ministério da Educação], o Ministério da Saúde são muito mais importantes e visíveis em termos eleitorais do que o Ministério do Turismo, por exemplo. Então, para os partidos, talvez não interesse ganhar tanto em quantidade de ministérios, mas sim no teor político daquele ministério”, emenda a pesquisadora do Observatório do Legislativo Brasileiro.
Avanços
Enquanto algumas siglas ainda chiam nos ouvidos de Lula por terem se sentido pouco contempladas na distribuição dos ministérios, a gestão do PT negocia passos além. Os últimos sinais emitidos pelas diferentes tratativas indicam que o governo pode ceder cargos em estatais e emendas para garantir algum nível de apoio entre PL, PP e Republicanos.
“O governo provavelmente vai negociar com o centrão os cargos de segundo escalão porque o governo Bolsonaro negociou com o centrão na base das emendas de relator, o orçamento secreto. Uma vez que esse orçamento está extinto por ter sido julgado inconstitucional, a ferramenta que o Lula tem é com os cargos de segundo escalão”, afirma a pesquisadora Joyce Luz, doutoranda em Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Observatório do Legislativo Brasileiro, ligado à Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Ela cita postos como o comando de superintendências e secretarias importantes, os quais podem logo mais ser distribuídos entre essas siglas. “O que eu acredito que a gente não vá ver tão cedo é uma reforma ministerial para atender esses grupos, a não ser em eventuais casos de corrupção envolvendo ministros”, acrescenta a pesquisadora.
Volume
Com todos os esforços que vêm sendo empreendidos e levando em conta as características de cada partido e seus correligionários, a tendência é que a base de Lula ganhe em breve alguma elasticidade, ampliando o horizonte de apoios dentro de partidos de direita. “Nosso cálculo diz que a base pode chegar a ter entre 330, que é a soma de boa parte do apoio condicionado e do apoio consistente, a 371, que seria a possibilidade de avançar sobre parcela da oposição, que é a votação que a Maria do Rosário alcançou”, estima Queiroz, ao citar o número de votos que a petista Maria do Rosário (RS) obteve na disputa pela Segunda Secretaria da Câmara.
Deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) foi eleita para a Segunda Secretaria após eleição interna na Câmara / Foto: Rômulo Duque
“Dizendo de outro modo, é o seguinte: o governo não tem maioria no parlamento, mas tem todas as condições de construir maioria, dependendo da capacidade de negociação. Pode negociar o apoio condicionado somado com o consistente, inclusive avançar sobre parcela da oposição, até porque uma parte dela já foi governo no passado e por isso é mais pragmática”, resume o analista.
Ele cita como exemplo o fato de a chamada “PEC da Transição” ter recebido mais de 300 votos favoráveis quando foi colocada sob análise na Câmara no final de 2022, quando o governo Lula ainda não havia assumido, mas já enfrentava seu primeiro teste legislativo. “Uma parte dessa oposição votou a favor da PEC, então, tem um pragmatismo nisso. Diz-se que a oposição vai ser absolutamente exigente, mas a votação da Maria do Rosário demonstra que não será”, analisa Queiroz.
Heterogeneidade
O analista político cita o fato de o PL ter 99 deputados e apenas 33 serem considerados bolsonaristas no nível “raiz”, adjetivo utilizado para apontar identificação ideológica. “Sempre podemos esperar surpresas porque é um governo de frente ampla e que vai votar propostas que vão desagradar, portanto, à direita e à esquerda. Nem todo mundo vai votar [contra], mesmo que os seus partidos recomendem isso”, acrescenta a professora Mayra Goulart.
Ao analisar as características do grupo que se diz “independente” da gestão, a pesquisadora realça que tais acordos, no entanto, tendem a sair um pouco mais caro que outros. “É que se dizer independente significa poder vender o apoio de cada deputado individualmente por preços no varejo, e não no atacado. O atacado seria você articular via partido, e aí você já tem o apoio de toda aquela bancada e articula com o líder. Essa independência significa que os deputados querem ser estimulados diretamente. Certamente custa mais caro pro governo. Toda compra no varejo é mais cara.”
PT
O PT inicia a legislatura atual com 68 cadeiras na Câmara dos Deputados, o que corresponde a 13,26% do total, segundo destaca Joyce Luz. Pelos cálculos da pesquisadora, a coalizão governista tem cerca de 262 parlamentares na Casa, considerando o perfil dos parlamentares do grupo tido como independente que podem migrar ocasionalmente para o campo do governo. Isso representa 51,07% das 513 cadeiras.
Na largada do primeiro governo Lula, em fevereiro de 2003, o então presidente tinha 91 deputados do PT na Câmara, ou seja, 17,74% das cadeiras, mas com uma coalizão que representava 42,69% do total, percentual abaixo do que se verifica atualmente, considerando a metodologia adotada pela pesquisadora.
Quadro comparativo entre diferentes presidentes da República e a quantidade de cadeiras dos seus respectivos partidos na Câmara / OLB/Divulgação
A base atual assegura a aprovação de propostas que pedem apenas maioria simples (50% do plenário mais um voto), mas não garante a chancela para propostas de emenda constitucional (PEC), que exigem 308 apoios dentro da Câmara. “Mas eu diria que a base de agora é mais madura e mais equilibrada porque, no primeiro governo, quando foi eleito, ele não tinha nem 50% mais um das cadeiras e enfrentou muitos problemas logo de cara por conta disso, tanto que teve que chamar o então PMDB pra dentro da coalizão”, pondera Joyce Luz.
“Agora, em 2023, ele tem uma coalizão básica, necessária pra aprovação de projetos de maioria simples e com partidos com os quais dá pra estabelecer um diálogo – que não vai ser fácil, é claro, mas tende a ser mais equilibrado. Então, pra este mandato, Lula começa de uma forma mais madura em termos de equilíbrio de forças.”
Edição: Glauco Faria
Paulo
05/02/2023 - 23h37
Se é verdade que o PSDB não acompanha nem mais a “pauta de costumes” da classe média, ainda existe para quê?