Levantamento inédito de pesquisadores da USP identifica dispersão dos ocupantes da Cracolândia, mas não o seu fim
02/02/2023 – Agência Universitária de Notícias USP – Guilherme Castro
AUN – Ação policial executada em maio de 2022, na Praça Princesa Isabel, centro de São Paulo, evacuou usuários de drogas e apreendeu entorpecentes. A região já foi alvejada por operações semelhantes outras seis vezes, com os ocupantes em situação de rua migrando periodicamente para áreas próximas.
Levantamento inédito do LabCidade, laboratório da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, identificou 16 novas áreas de remanejamento do fluxo de pessoas. A pesquisa, que foi realizada junto de ativistas e estudiosos do território, constata que as frequentes operações de remoção não diminuíram a Cracolândia, mas a dividiu em grupos.
Os pesquisadores elaboraram a estimativa por meio de acompanhamentos e análises de campo, que serviram para identificar as aglomerações que reproduzem a mesma dinâmica da Cracolândia e delimitar a quantidade de pessoas que se locomoveram. De acordo com o mapa produzido pelo laboratório, que ilustra os pontos focais da dispersão, os ocupantes desse novo modelo não evadiram da parte central da cidade, apenas foram deslocados para as esquinas das regiões Luz, Santa Cecília, República e Campos Elíseos.
Falta precisão de dados, já que a recorrência de ações policiais dificulta a checagem, mas estima-se que a quantidade de pessoas em situação de rua e vulnerabilidade no entorno da região da Praça Princesa Isabel é de mil a dois mil. O estudo também não identifica todas as ramificações da Cracolândia, apenas aponta grandes concentrações ao redor da região onde há maior incidência de remoção.
Segundo Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e coordenadora do Labcidade, a região em que a Cracolândia se situa “desde os anos 90, está sendo objeto de políticas de renovação urbana — ou revitalização — que passa por cima do fato de que ali existem pessoas vivendo em situação precária”.
Esse projeto de revitalização, de acordo com Rolnik, serve para fortalecer uma nova frente de expansão imobiliária na região, mesmo que isso signifique alterar radicalmente a composição dos bairros — ignorar as subjetividades e precariedades dos moradores, expulsar ocupantes e demolir o que não for útil.
A estratégia, que é reutilizada a cada novo governo estadual, nega a ineficiência da chamada “guerra às drogas” e reforça a necessidade de políticas públicas e assistenciais às pessoas em situação de vulnerabilidade e vício.
A pesquisa também enfatiza a ineficácia das abordagens policiais, que não só dificultam a precisão das estimativas, como também comprometem o oferecimento de programas de saúde e assistência social, os quais são responsáveis por mitigar os danos do vício e ajudar na recuperação pessoal. A dispersão do fluxo de usuários também camufla a violência do Estado, já que a concentração se pulveriza e não há como identificar os problemas em larga escala.
Na contramão do projeto político atual, para além de identificar essa expansão multiforme da Cracolândia, Rolnik afirma que o LabCidade se preocupa em executar o que chama de pesquisa-ação, ao participar e contribuir para o entendimento e mudanças reais do território estudado.
Como alternativa às remoções e desumanização de pessoas em vulnerabilidade social, o Laboratório contribui e fomenta a criação de um projeto que busque amenizar os problemas relacionados ao consumo abusivo de drogas e a falta de moradia.
Programas como Moradia Primeiro, que trata de oferecer moradia digna às pessoas que vivem nas ruas, além de estatutos feitos em conjunto por moradores e trabalhadores em áreas de risco que reivindicam esse tipo de iniciativa, como o Plano Campos Elíseos Vivo, realizado no Fórum Aberto Mundaréu da Luz, são medidas defendidas pelos pesquisadores.
No entanto, para eles, há a necessidade inicial de que os órgãos públicos entendam a complexidade do problema e tomem ações contrárias às que estão em curso — caso contrário, a Cracolândia não vai diminuir, mas aumentar.