Maurício Zanoide de Moraes avalia a proposta, apresentada por Alessandro Vieira (PSDB-SE), cuja finalidade é vincular uma segurança ao presidente da República, subordinada a uma liderança tripartite: Executivo, Legislativo e Judiciário
Jornal da USP no Ar 1ª edição / Rádio USP / Publicado: 30/01/2023
Jornal da USP — Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa à federalização da segurança pública do Distrito Federal foi apresentada neste mês pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), na esteira dos atos de violência ocorridos no dia 8 de janeiro. Segundo a proposta, a competência para legislar sobre a Polícia Civil, Militar, Penal e Corpo de Bombeiros Militar do DF será privativa do poder do Estado. Dentre os signatários da PEC, está o senador Marcos do Val (Podemos-ES), apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro.
As autoridades, portanto, estarão subordinadas à Presidência da República. Os argumentos a favor e contra tomaram conta das discussões: a governadora interina do Distrito Federal, Celina Leão, criticou a proposta alegando falta de conhecimento da logística de segurança do Estado e dizendo que é de competência da Polícia do DF atender à população.
Já argumentos a favor são justificados pelo risco apresentado aos Poderes pela falta de organização e estrutura da polícia, que acabou colaborando – não se sabe se voluntária ou involuntariamente – para que a invasão e depredação dos prédios da Praça dos Três Poderes fosse possível.
Proposta antiga
O tema dessa PEC e da criação de uma guarda nacional não é novo. A PEC 336/2017 já previa a criação de uma Guarda Nacional, mas acabou sendo arquivada pela Mesa Diretora em 2019. O momento, portanto, é diferente agora. Isso significa que as chances de a PEC ser aprovada são muito maiores. A ideia é que o policiamento da Praça dos Três Poderes, assim como o dos prédios federais, seja feito pela Guarda Nacional, que será independente, significando que não estará vinculada ao governo, mas sim ao Estado e ao poder que visa a proteger.
“Numa comparação grotesca, [é como se] uma Polícia Militar de um Estado recebesse uma parte da receita do Estado vizinho para que fizesse o policiamento em uma região desse Estado vizinho e, em determinado momento, houvesse uma discordância política desses dois Estados. Com isso, aquele policiamento poderia não ser bem organizado, como precisava ser, e ter problemas: foi exatamente o que nós tivemos [no dia 8 de janeiro]”, explica Maurício Zanoide de Moraes, do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da USP.
O governo federal financia o policiamento militar do DF por meio do Fundo Constitucional do DF, que neste ano tem orçamento de R$ 23 bilhões. Ele acaba, assim, terceirizando sua segurança. “A ideia do governo federal é que, na medida em que se monte essa Guarda Nacional, cesse esse repasse ao governo do Distrito Federal e o dinheiro passe a ser usado exatamente na formação de uma guarda que defenda os Poderes”, esclarece Moraes. A PEC ainda não está pronta ou completamente formulada, então, nada é concreto.
Como vai funcionar?
A Guarda Nacional será vinculada ao Ministério da Justiça e sob a orientação dos Três Poderes, ou seja, uma liderança tripartite. Sua atuação será – caso a PEC realmente seja aprovada – de proteção da Praça dos Três Poderes: Legislativo, Judiciário e Executivo. Moraes lembra que Flávio Dino tem dado entrevistas nesse sentido.
A guarda não deve depender de governos locais nem ser restrita ao Distrito Federal e sua área. “Isso é uma proposta do governo federal, de que ela se dirija também às áreas de fronteira, unidades de conservação, que ela sirva para apoio às terras indígenas em Operações Especiais e à eventual necessidade de segurança dos Estados”, diz o professor. O aumento dos recursos investidos, mesmo que a segurança aumente, tem que ser justificado e é imprescindível que a nova lei traga benefícios à sociedade.
“O governo federal não pode ficar à mercê de um policiamento feito por um outro governo. Isso ficou claro para todas as pessoas”, complementa. A Guarda Nacional seria aos moldes da que existe em Washington e que defendeu o Congresso Americano quando houve as invasões no dia 6 de janeiro de 2021.
Possíveis atritos
A gestão é do presidente, que faria indicações que teriam que passar pela análise e aprovação do Senado, que pode delegar ao governador algumas atribuições. E a população do DF, ficará desassistida? Moraes diz que não. “O que vai se criar é um novo policiamento, é mais um policiamento, na verdade”, diz.
A Guarda Nacional fará o policiamento da Esplanada, e isso não impede a polícia de agir nos arredores ou em outras ocasiões. “[É importante que] haja uma combinação harmônica desse policiamento para não haver uma sobreposição, uma disputa de poder no policiamento”, fala Moraes. É necessário ter uma combinação de atuação, para que o policiamento seja organizado e eficiente.
E a Força Nacional, como fica a relação com ela? A Força Nacional, criada em 2004 por Lula, é “um programa de cooperação entre os Estados-membros e a União Federal, a fim de executar, através de convênio, atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública, à segurança das pessoas e do patrimônio, atuando também em situações de emergência e calamidades públicas”.
Ela é, portanto, esporádica e atua em certos acontecimentos. O professor explica que “o objetivo que ela tem é um objetivo específico e temporário. Ela é formada para uma determinada atividade até que aquela necessidade dure. Terminada a necessidade, a força nacional para aquele ponto é desfeita”. A Guarda Nacional, por outro lado, tem como objetivo ser um policiamento constante e que tenha vínculo com o Estado brasileiro.