Confesso que eu estava com saudade.
Depois de quatro anos debatendo fascismo, nazismo, golpe de Estado, genocídio e outras amenidades, agora podemos voltar a falar do que realmente importa: a insistência do PT em nomear pessoas “não-técnicas” para o governo.
Os liberais estão em polvorosa com os primeiros nomes anunciados por Lula. Em especial por causa de Aloizio Mercadante, quadro histórico petista que será presidente do BNDES.
“Não aprenderam nada mesmo!”, bradam os defensores dos “técnicos”.
Eu fico imaginando como seria essa pessoa “técnica”. Almoço de domingo em família, eleições se aproximando, aquele debate acalorado sobre os candidatos de cada um. O pai vai votar na direita, como bom cristão conservador. A filha vai votar na esquerda, como boa militante do movimento estudantil.
– E você, tio? Vai votar em quem?
– Eu não voto, querida. Eu pairo acima das ideologias mundanas. Sou um economista pura e totalmente técnico.
É, não parece muito verossímil um diálogo desses.
Talvez os liberais estejam falando de outro tipo de técnico. Técnico de informática é sempre artigo de luxo nas repartições públicas. Ou quem sabe técnico de futebol? O Tite está sem emprego depois da eliminação para a Croácia…
Hum, talvez não seja bem isso.
Vamos olhar, então, para alguém que os liberais consideram “técnico”: Paulo Guedes, ministro da economia de Bolsonaro. Não lembro de ouvir um mísero direitista reclamando de Guedes por ser ideológico. A inflação explodiu, assim como a fome a miséria. Mas o trabalho do ministro continuou “técnico”.
Quando a pandemia começou a aterrorizar o mundo, o que o “técnico” Guedes propôs para enfrentar a crise? Vender a Eletrobrás. Sim, vender a nossa estatal de energia elétrica foi a brilhante estratégia de enfrentamento a um vírus mortal proposta pelo ministro.
A Eletrobrás foi privatizada, mas ainda assim morreram 700 mil pessoas. O plano “técnico” não deu muito certo.
Se para ser “técnico” basta ter uma tara descontrolada em privatizações, um papagaio que aprenda a dizer “privatize” também pode ser um “técnico”, não é mesmo?
João Amoedo foi um dos que criticaram as “indicações políticas” de Lula. Amoedo, aquele que foi candidato a presidente pelo Novo, o partido dos bancos, ultraliberal. Que certamente, caso fosse governo, indicaria só nomes “técnicos” ligados a banqueiros, mercado financeiro etc., cujos interesses são absolutamente “não-ideológicos”, pode acreditar.
Neste ponto (e em muitos outros) a direita limpinha se assemelha ao bolsonarismo. Jair assumiu a presidência dizendo que ia “tirar a ideologia” da educação e das relações exteriores. E aí o que ele fez? Nomeou olavistas para estas áreas. E Olavo de Carvalho, como se sabe, era super “técnico”, um senhor neutro como xampu infantil.
“Técnico”, para a direita, é quem aplica o programa da… direita. Conveniente, não? Eu chamo os meus aliados de quadros “técnicos”. Os do adversário são “ideológicos”. Entre um “técnico” e um “ideológico”, melhor um “técnico”. E assim se constrói um discurso picareta para tentar empurrar à força o programa derrotado nas urnas.
Se Paulo Guedes é exemplo de quadro “técnico”, é melhor o Lula chamar o Tite mesmo.