A deputada Sâmia Bonfim e o deputado eleito Guilherme Boulos verbalizaram publicamente a disputa interna quente que está se desenhando no PSOL: integrar ou não o governo Lula.
Sâmia defende que o PSOL não participe do governo para manter sua independência diante de possíveis opções conservadoras que Lula possa adotar:
Temas relativos a direitos humanos, por exemplo, é muito comum que não sejam pautados em função de acordos feitos com fundamentalistas, com setores mais conservadores. A gente quer manter a independência para seguir pautando. Essa é a nossa vocação no Parlamento.
Boulos discorda. Para ele, é possível integrar o governo sem perder a autonomia partidária. O deputado eleito prefere a tática de “disputar internamente espaços para puxar a agenda do país para a esquerda”.
“Quem vai fazer oposição ao Lula é o bolsonarismo, e não estaremos ao lado deles. O momento do país é outro. Enfrentamos uma oposição raivosa. E não dá para brincar com isso.”
Ambos apresentam bons argumentos, mas tendo a concordar com Boulos.
O país está nas mãos da direita desde o golpe de 2016. Lá se vão mais de seis anos, período em que ficou bastante evidente a importância de se ter o comando da máquina do Poder Executivo – e do seu portentoso orçamento.
A atuação dos parlamentares no Congresso é importante, assim como as ações dos partidos e da militância. Mas nada disso se compara, em termos de efeito direto na vida da população e de transformação do país, a estar no comando do Executivo.
Depois de uma batalha sangrenta pela presidência, em que o campo popular saiu vitorioso contra o Hitler brasileiro, é hora de as melhores cabeças que temos à disposição se posicionarem em postos chave do governo. É hora de usar o orçamento – que pertence ao povo – para implementar políticas públicas que beneficiem o povo. E os quadros do PSOL são imprescindíveis nessa tarefa.
Por outro lado, não seria mesmo interessante que o partido perdesse sua independência. É essencial termos uma bancada de esquerda combativa na Câmara, que enfrente os assuntos que são espinhosos para o senso comum conservador.
A manutenção da autonomia do PSOL será boa inclusive para o governo Lula – a tensão à esquerda é importante para que o eixo do debate público não se desloque demasiadamente para a direita. Lula e o PT demonstrarão sensibilidade e inteligência política se não atrelarem a nomeação de psolistas para o ministério a uma adesão total dos parlamentares do partido a toda e qualquer ação do governo federal.
O PSOL apoiou Lula nas eleições e, agora que pode ajudar a construir um novo país, não deveria abrir mão do poder que as urnas conferiram ao campo popular. O desafio é fazê-lo sem perder sua importante voz crítica no Parlamento.
É uma equação delicada, mas que pode ser resolvida satisfatoriamente.