Início de 2015.
Dilma Rousseff acabara de sagrar-se vencedora nas eleições presidenciais, mas não havia muito o que comemorar. Os movimentos golpistas da oposição, àquela época liderada pelo candidato derrotado Aécio Neves, emparedavam o novo governo logo no início do mandato.
O governo Dilma decidiu apoiar Arlindo Chinaglia, do PT, na eleição para a presidência da Câmara, sem chances reais de vencer. Eduardo Cunha saiu vitorioso e ali foi selado o antagonismo entre o Executivo e o Legislativo que acabaria na queda de Dilma.
Se Dilma tivesse apoiado Cunha a história seria diferente? Talvez não, mas sem dúvida haveria mais chance de uma composição com a Câmara.
O momento decisivo foi quando Cunha tinha contra si um processo de cassação no Conselho de Ética e os votos dos deputados petistas seriam determinantes para a continuidade ou não do processo. Cunha é um gângster, como definiu o deputado Glauber Braga (PSOL), e salvá-lo naquele momento não pegaria nada bem. Mas não salvá-lo resultou na abertura do processo de impeachment por Cunha – e todo o inferno que se seguiu depois disso.
Salvar Cunha evitaria o impeachment? Talvez não, mas, novamente, a probabilidade de evitar o golpe seria maior.
Lembro desses episódios para refletirmos sobre o apoio do PT, PCdoB, PV e PSB à recondução de Arthur Lira à presidência da Câmara dos Deputados. Lira é o rei do Centrão e foi um péssimo presidente da Câmara: ditatorial, sufocou os trabalhos da oposição e deu andamento às pautas bolsonaristas, como bem pontua a deputada Sâmia Bomfim:
Acho até que o PSOL, que se coloca mais à esquerda no espectro político, faz bem em não votar em Lira. É saudável que os desmandos do presidente da Câmara sejam contestados.
Mas qual seria a alternativa para o governo Lula?
Lira tem apoio maciço entre os deputados e, por isso, tem sua reeleição quase garantida. Qual seria o efeito prático de marcar posição com uma candidatura de esquerda?
Teríamos novamente uma confrontação, logo na largada do governo, entre o Executivo e o Legislativo. A animosidade não seria nada boa para os planos de Lula de formar uma maioria sólida no Congresso. E ainda dificultaria a aprovação da PEC da Transição, essencial para garantir o mínimo de investimento público necessário para 2023.
É claro que se trata de uma aliança tática – imagino que ninguém alimenta ilusões de que Lira será um aliado de primeira hora do governo Lula. Mas me parece um movimento necessário para construir uma boa base no Congresso e, assim, isolar o bolsonarismo.
A pressão da militância de esquerda no episódio Cunha no Conselho de Ética foi decisiva para que o PT não fechasse acordo com o gângster.
Mas se salvar Cunha aumentava a chance de impedir o golpe, não seria o correto a se fazer? Salvar um corrupto da cassação é evidentemente menos danoso do que sofrer um golpe de Estado e entregar o país para a direita e, em seguida, para a extrema-direita.
Às vezes a boa política não é a mais correta em abstrato, mas a fria e calculista que enxerga os interesses populares no médio e longo prazo. Não é, definitivamente, para quem tem estômago fraco.