Juliane Furno: É possível ter responsabilidade fiscal aumentando os gastos públicos?

Foto: Divulgação/SMetal

Por Juliane Furno

Lula ainda nem é, de direito, o novo mandatário da Presidência da República, mas o é, de fato. Assim como todo o Presidente, as pressões políticas, especialmente as do “mercado” recaem sobre ele. É fato notório que a complacência do “mercado” com governantes de centro esquerda costuma ser menor do que aquela com representantes de outro espectro político.

O tema que mais tem embalado o noticiário econômico nas últimas semanas é a preocupação do “mercado” com relação à responsabilidade fiscal doA (futuro) presidente, uma vez que Lula tem se comprometido, demasiadamente, com a “responsabilidade social”.

Afinal, o que significa ser responsável fiscalmente? E mais, é possível ter responsabilidade fiscal, ou seja, equilibrar as contas públicas e reduzir a trajetória da dívida pública líquida do setor público com relação ao PIB aumentando os gastos públicos? A resposta é sim, é possível.

Parece contraintuitivo, e isso deve-se a forma como o próprio jornalismo econômico e os agentes políticos costumam apresentar a questão, quase sempre, negligenciando o efeito multiplicador do gasto público, uma questão elementar para a perspectiva econômica baseada na macroeconomia Keynesiana. Ou seja, apresenta-se, comumente, o “gasto” público como um dinheiro que apenas “vai embora” dos cofres públicos.

Ocorre que o gasto público, especialmente as transferências de renda como Previdência ou transferências monetárias diretas como Bolsa Família, têm um elevado multiplicador fiscal.

Dessa forma, a cada R$ 1 gasto nessas políticas, adiciona-se mais de R$ 1 à economia nacional. Isso deve-se, sobretudo, a “maior propensão marginal a consumir” dos mais pobres, que não poupam esses recursos, mas os devolvem ao mercado interno através de consumo, o que é, no Brasil, fortemente tributado, fazendo parte importante retornar diretamente aos cofres públicos e indiretamente através da manutenção da demanda em forma da manutenção/expansão do emprego e da produção.

Além disso, também é pouco apontado, quando se fala sobre finanças públicas e responsabilidade fiscal, que a dívida pública é uma “relação” e que o denominador da conta – o PIB – importa. Dessa forma, se em torno de 65% do PIB é consumo, mesmo que em termos reais a dívida pública aumente, a relação dívida/PIB pode se estabilizar ou mesmo cair, se o PIB crescer, e o PIB cresce com consumo, gastos do governo e investimentos.

Por fim, não somente é possível ter responsabilidade fiscal com aumento dos gastos públicos quanto é possível ser irresponsável cortando gastos, e felizmente a história recente está aí para nos provar. Vejamos dois exemplos. Nos oito anos de governos houve um superávit anual médio em torno de 2%. Ou seja, todos os anos o governo arrecadou mais do que gastou. No entanto, essa “economia” não foi às custas do corte de gastos, pelo contrário. A expansão média anual dos gastos primários do Estado foi de 5%. Se o critério for a trajetória da dívida pública, houve uma redução de 60% do PIB para um pouco menos 40% e tudo isso aumentando gastos públicos.

No Governo Dilma, entre 2011 e 2014 os gastos públicos seguiram crescendo, mas em desaceleração. Entre 2014 e 2016 houve redução real do volume dos gastos públicos e, desde 2014 há déficit primário, com aumento exponencial da dívida pública a partir de 2015, justamente quando há a aplicação do receituário mais avantajado de austeridade fiscal.

Portanto, é possível. Não necessário cortar ou ampliar gastos é determinante para a trajetória nem do déficit nem da relação dívida/PIB. Dessa forma, é necessário complexificar o debate e sair do lugar comum.

Artigo publicado originalmente no IREE

Cláudia Beatriz:
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