Recebemos de filiados do PDT o pedido de publicar essa carta aberta de desfiliação, que reproduzimos abaixo. Destacamos o seguinte trecho:
(…) Se em 2018 Ciro saiu grande da campanha, apostando no que ele sempre teve de melhor, que é seu projeto e o discurso que aposta na politização, dessa eleição o candidato do PDT não só sai menor do que entrou, como implodiu as pontes que tinha construído com o seu eleitorado de centro-esquerda durante toda sua trajetória política. Não existe nada mais eloquente do erro desse caminho do que a própria campanha e seu tom udenista, por vezes flertando abertamente com valores reacionários, teorias conspiratórias e estética neofascista (fashwave) na comunicação digital no desespero de conseguir votos à direita. O resultado: o pior desempenho do PDT em eleições majoritárias na sua história e o derretimento de Ciro Gomes que desbancou de 13% do eleitorado em 2018 para 3% em 2022.
Abaixo, a íntegra da carta:
CARTA ABERTA de DESFILIAÇÃO do PDT
1) O início de um novo ciclo e as suas contradições
Essa carta simboliza um fechamento de ciclo e um necessário balanço desse período, com início no processo eleitoral de 2018, passando pelas eleições de 2020 e 2022, e ainda, alguns apontamentos para o futuro.
O PDT passou por um processo de renascimento para o primeiro escalão da política nacional com a candidatura de Ciro Gomes nas eleições de 2018. Naquele processo eleitoral Ciro se apresentou como uma grande liderança do campo nacional popular, com um projeto bem delineado, o PND, claramente à esquerda de tudo o que o PT em seus anos de poder propôs e fez. Não à toa, a crítica pela esquerda ao lulismo, somada a um projeto concreto de país, arrastou uma enxurrada de novos quadros, em sua imensa maioria jovens, para o Trabalhismo. Nesse processo o PDT teve uma chance de ouro de se consolidar como a grande alternativa do campo progressista, resgatando seu passado histórico, programático e ideológico, além de sua identidade construída nas lutas em favor da classe trabalhadora e da soberania nacional por figuras como Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Abdias Nascimento, Lélia González e tantos outros.
Todos os signatários dessa carta participaram desse processo que buscou retomar aquilo que o PDT se pretendia desde a sua fundação: um partido socialista, instrumento de defesa e representação da classe trabalhadora, defensor da soberania nacional e das maiorias menorizadas e minorias marginalizadas (mulheres, negros, indígenas, pessoas em situação de rua, etc.), como bem delimitam seus documentos de fundação como a Carta de Lisboa e a Carta de Mendes. Desde o início era clara a tensão entre um setor fisiológico presente no partido, e outro mais ideológico que buscava manter a coerência programática e levar a cabo uma necessária renovação das estruturas partidárias. As votações da bancada do partido no Congresso Nacional, principalmente na Câmara dos Deputados, talvez tenha sido a face evidente dessa contradição interna. O embate entre renovação e manutenção de velhas práticas e estruturas estava dado.
2) O fracasso da construção do PDT em São Paulo
O ano de 2019 com certeza foi o ano de maior fôlego dessa onda que procurava reconstruir o partido pela base. Em São Paulo, por exemplo, a construção de coordenadorias, zonais e dos movimentos partidários foram uma realidade. Reuniões abertas do Diretório e Executiva municipais prometiam participação democrática e direito de voz e voto a todos. A construção de uma militância de base, alinhada com um projeto e com coesão ideológica parecia de fato sair do papel. Apesar disso, já nesse ano a velha prática de “emprestar” a legenda para candidatos com potencial de votos já demonstrava o seu poder de estrago: o voto da deputada Tabata Amaral, menina dos olhos do PDT naquele momento, a favor da Reforma da Previdência foi o primeiro “baque” nessa nova construção, ainda mais com a publicização de um acordo com a direção do PDT que a “desobrigava” a seguir as diretivas partidárias se essas fossem contra os valores do seu grupo, o Acredito. Uma parte da jovem militância rompe com o partido junto com a deputada. Aqui, seguimos com o partido e nossos dirigentes.
Em 2020, apesar da pandemia, a linha foi mantida, com ações organizadas principalmente pelas coordenadorias e zonais, fazendo o partido continuar a existir mesmo com todas as atividades sendo remotas. A questão agora eram as eleições municipais daquele ano. Aqui a estratégia de apostar nos holofotes contando com figuras externas a realidade partidária deu as caras logo de início com a tentativa de emplacar a ostracizada Marta Suplicy como candidata do partido na cidade. No fim, a aliança para compor a chapa na posição de vice com o PSB de Márcio França foi um alento para a militância, até porque parecia um passo importante na garantia de apoio desse partido a candidatura de Ciro Gomes em 2022.
Ainda assim, já ficava bastante evidente a total falta de mecanismos democráticos e de transparência nesse tipo de articulação política por parte dos dirigentes partidários. Sequer a Executiva do partido foi consultada sobre o andar dessas negociações. Sem falar, mais uma vez, em apostas malfadadas em indivíduos pouco transparentes e oportunistas e que ainda assim recebiam todos os holofotes e estrutura partidária, inclusive financeira. Gabriel Cassiano foi mais uma aposta fracassada da direção partidária em São Paulo, uma verdadeira “nota de 3 reais” que não só abriu portas no partido a elementos de um submundo neofascista, do qual falaremos adiante, como se bandeou para o outro lado assim que foi desmascarado, passando a atacar sistematicamente o PDT e a candidatura de Ciro Gomes.
O fracasso eleitoral de 2020 em São Paulo foi gritante, e mais uma vez não houve qualquer espaço interno para um balanço honesto desse resultado pela direção do partido em São Paulo. O que se viu foi um fechamento cada vez maior dos espaços de construção coletiva, mesmo aqueles meramente formais como era o caso das reuniões da Executiva e do Diretório municipais. No decorrer de 2021 foi flagrante o paulatino abandono da construção de base, das zonais e coordenadorias, voltando tudo que existia de estrutura partidária para um único candidato, além do boicote a outros nomes que, em tese, poderiam fazer sombra a essa futura candidatura.
Em 2022 esse processo se afunilou ainda mais e, no fim, o resultado foi mais um retumbante fracasso eleitoral, a candidatura não teve sucesso, não houve ampliação representação parlamentar do PDT em São Paulo e o partido praticamente extinguiu a sua militância de base. Vale ainda ressaltar que partidos nanicos, porém com coesão ideológica, como o PCB e a UP obtiveram votações muito mais expressivas do que os candidatos trabalhistas no estado.
3) Ciro Gomes e a campanha desastrosa de 2022
Ciro sem dúvida alguma é um homem íntegro, e continua sendo um dos quadros mais preparados da política brasileira, algo reconhecido por lideranças dos mais variados espectros políticos do país. Dito isso, duas críticas não podem deixar de serem feitas. Ciro pecou nesse último ciclo em ser uma figura ausente na construção partidária. Sempre foi bastante evidente que ele tinha o papel de ser uma liderança “para fora” do partido, enquanto a liderança “para dentro” sempre foi Carlos Lupi. Se a maior liderança pública do partido se abstém de construir a própria agremiação, tanto o líder quanto o partido se fragilizam no processo de disputa política. Ciro poderia ter sido um grande catalisador de coesão interna partidária em torno de valores claros e de um programa, mas não o fez. O PND, por melhor que seja, é fruto de um grupo de intelectuais em sua maioria próximos de Ciro e seu grupo político, mas distantes do PDT, e é preciso dizer, de bases organizadas na sociedade civil.
A outra crítica é o tom da campanha de 2022, que não deixa de ser o resultado de muitos erros dos últimos quatro anos. Se em 2018 Ciro saiu grande da campanha, apostando no que ele sempre teve de melhor, que é seu projeto e o discurso que aposta na politização, dessa eleição o candidato do PDT não só sai menor do que entrou, como implodiu as pontes que tinha construído com o seu eleitorado de centro-esquerda durante toda sua trajetória política. Não existe nada mais eloquente do erro desse caminho do que a própria campanha e seu tom udenista, por vezes flertando abertamente com valores reacionários, teorias conspiratórias e estética neofascista (fashwave) na comunicação digital no desespero de conseguir votos à direita. O resultado: o pior desempenho do PDT em eleições majoritárias na sua história e o derretimento de Ciro Gomes que desbancou de 13% do eleitorado em 2018 para 3% em 2022.
Vale citar ainda a presença de elementos abertamente ultradireitistas no partido, como os membros da chamada Nova Resistência, e de candidaturas que exaltam uma agenda ultraconservadora que em praticamente nada se diferente do bolsonarismo, como é o caso dos candidatos Comandante Robinson Farinazzo e Victor Marques que baseou sua campanha no apelo a memória do conservador, e por muito tempo fiel defensor de Bolsonaro, Major Olímpio. Essa guinada a direita com flertes pouco disfarçados ao reacionarismo olavista teve como centro de destaque justamente o PDT de São Paulo, que como já foi dito, fracassou na sua construção e em seus resultados eleitorais. Todos esses elementos terminaram de afastar do partido o eleitorado mais a esquerda e seus quadros mais comprometidos ideologicamente com os valores históricos do PDT de Brizola.
4) A desfiliação como o caminho da integridade
No fim, prevaleceram e sufocaram a onda de retomada e renovação velhos vícios como o caciquismo e o fisiologismo, alimentados, antes de qualquer coisa, pelo “cretinismo eleitoral”. Ou seja, um projeto de construção maior, de médio e longo prazo, de militância de base com coesão ideológica e quadros fiéis ao programa foram limados e boicotados em nome dos ganhos eleitorais imediatos que, pior, não vieram. O PDT tinha tudo para ser a alternativa que o campo progressista tanto precisa, mas no fim, com honrosas exceções, não consegue ser mais do que uma legenda refém de figuras oportunistas, ávidas por holofotes e seu quinhão do fundo eleitoral.
Por tudo isso e pela falta de espaço para colocarmos nossas divergências com uma perspectiva real de mudança, o único caminho que acreditamos ser possível para quem mantém a coluna ereta e a integridade como norte é a desfiliação. Como trabalhistas continuaremos no nosso dia a dia a defender os interesses da classe trabalhadora, a soberania nacional e a emancipação do nosso povo. Para isso, acreditamos, não precisamos necessariamente estarmos atrelados à velha estrutura partidária e aos seus vícios aparentemente insolúveis. Outras formas de organização são possíveis, tendo como base a democracia interna e o respeito às divergências, e como norte a construção de uma sociedade justa e igualitária, em outras palavras, continuaremos defendendo o Trabalhismo como o caminho brasileiro para o socialismo, aquele “socialismo moreno” como sonhado por Darcy Ribeiro, perspectiva há muito abandonada pela burocracia pedetista.
Assinam:
Vinícius Juberte – Membro da Executiva Municipal do PDT/SP e presidente da Coordenadoria Leonel Brizola da Zona Oeste/SP
Guilherme Monteiro – Membro do Conselho de Ética, da Executiva Municipal do PDT/SP e ex-presidente da JS/PDT Municipal
Barbara Panseri – Membro da Executiva Municipal e ex-Candidata à Vereança em 2020
Ana Caroliny Fazani – Membro da equipe de Comunicação da Coordenadoria Leonel Brizola da Zona Oeste/SP e Coordenadora de Comunicação do PDT/SP na campanha municipal em 2020
Pedro Júlio – Membro da equipe de Comunicação da Coordenadoria Leonel Brizola da Zona Oeste/SP e Coordenador de Comunicação do PDT/SP na campanha municipal em 2020
Guilherme Almeida – Membro da Coordenadoria Leonel Brizola da Zona Oeste/SP e Coordenador de Comunicação do PDT/SP na campanha municipal em 2020
Barbara Oliver – Ex-Secretária-Geral da Coordenadoria Leonel Brizola da Zona Oeste/SP
Diego Aurélio – Secretário de Comunicação da Zonal Mooca do PDT/SP
Antonio Dominguez – Secretário de Comunicação da Zonal Butantã do PDT/SP Capital
Adriano Balotta – Militante da JS/PDT Municipal
Patrick Luiz – Ex-Presidente do MCT-MG – PDT/MG
Carlos Santos – Militante do PDT/SP