Bolsonaro adotou uma estratégia curiosa nas suas inserções de rádio e televisão no segundo turno das eleições. Ele repetiu em muitos dos seus programas que os deputados e senadores eleitos no primeiro turno são majoritariamente conservadores e que, portanto, no segundo mandato Bolsonaro conseguiria fazer seus projetos avançarem muito mais. (O que pode ter soado como uma ameaça e feito Bolsonaro perder votos, mas tudo bem.)
O fato é que a esmagadora maioria dos analistas políticos previa, após a divulgação dos eleitos para o Congresso Nacional, tempos difíceis para Lula caso voltasse à presidência. Lula voltou e parece que as coisas talvez sejam menos complicadas do que pareciam à primeira vista.
Gilberto Kassab, presidente do PSD, que se aliou a ninguém menos que Tarcísio de Freitas ao indicar o vice na chapa que se elegeu em São Paulo, “deixou claro que a legenda está a um passo de integrar a base de apoio do presidente eleito”, conforme deu o Globo. O PSD terá a sexta maior bancada da Câmara em 2023, 42 deputados.
Arthur Lira, (ex-)aliado fiel de Jair Bolsonaro, é outro que dá sinais de que pode fazer acordo com p governo para garantir sua reeleição à presidência da Câmara Federal. Em entrevista à Folha, o pai de Lira, que é prefeito de Barra de São Miguel (AL) e já foi deputado e senador, diz que a eleição acabou e é hora de pensar no futuro. E vai além:
Eu votei no Lula em 2003, votei nele, apoiei o governo dele, apoiei o governo da Dilma. Não é de agora.
Para quem discursava no palanque de Bolsonaro há poucas semanas, é uma mudança e tanto. Mas não é uma mudança tão surpreendente assim se lembrarmos de uma das “cláusulas pétreas” da política brasileira: a maleabilidade do centrão.
Temos ainda União Brasil e MDB negociando a formação de um bloco para participar da base do governo e dar sustentação a Lula (CNN). O União Brasil terá 59 deputados em 2023 e o MDB 42 deputados. Confira no gráfico elaborado pela Globo News como ficará a composição da Câmara:
Se confirmada a adesão do MDB, do PSD e do União Brasil ao governo, Lula terá uma maioria folgada entre os deputados federais. Isso sem contar as prováveis defecções no bloco do PL, Progressistas e Republicanos. Centrão é centrão, amigos. A ideologia é só de ocasião.
Mas é claro que nada disso garante que pautas caras à esquerda e à população serão facilmente encaminhadas no Congresso. O lobby do setor financeiro, da mídia, dos grandes empresários e dos financiadores das campanhas dos deputados virá pesado, sempre contra os interesses populares.
O governo Lula não poderá se dar ao luxo de repetir a estratégia ruim dos governos passados, quando em muitas ocasiões abdicou do enfrentamento no campo das ideias. É preciso pautar o debate, estimulando a consciência política e democrática do povo.
E fazer o chamado às ruas quando necessário.
Bolsonaro sempre manteve sua base mobilizada, mesmo sendo governo. Mobilizada pelas piores pautas do mundo, ok, mas é um acerto político manter seus militantes motivados e prontos para irem às ruas.
O potencial do governo Lula de mobilizar os afetos da população é grande, por conta do caráter popular de muitas de suas pautas. Unir as negociações com o Congresso – bem encaminhadas, ao que tudo indica – com o lobby popular, ou seja, povo na rua, é o caminho.