A mais nova vítima da “censura” é o youtuber Monark, cuja página no YouTube foi retirada do ar por ordem judicial. Motivo: ele publicou o vídeo do tal argentino que tentou desacreditar as eleições brasileiras utilizando mentiras e distorções.
Monark está reclamando muito no Twitter e acredita que já vivemos sob uma ditadura. O indignado cidadão ganhou fama nacional recentemente ao defender que deveria ser liberada a existência de um partido nazista no Brasil.
O argumento de Monark é simplório: qualquer restrição estatal a qualquer tipo de discurso configura censura. Um partido nazista poderia, sob esta ótica, propagandear tranquilamente seus ideais de “raça pura” e de eliminação de grupos inteiros de seres humanos. Somente quando os nazistas passassem do discurso à ação a Justiça poderia intervir. O detalhe é que provavelmente já seria tarde demais.
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Durante a campanha eleitoral o TSE determinou que a Jovem Pan concedesse direito de resposta à Lula e que não mais divulgasse fake news sobre a situação judicial do presidente eleito. Comentaristas usavam a expressão “descondenado” pejorativamente para se referir a Lula, mas esta é uma figura jurídica inexistente nas nossas leis. Lula é, como qualquer brasileiro que não tem condenação judicial, inocente até que se prove o contrário.
A emissora adotou a mesma estratégia de Monark e gritou aos quatro ventos que estava sofrendo censura; na verdade a decisão do TSE foi correta, embora tardia e insuficiente, já que a cobertura da Jovem Pan das eleições passou longe, muito longe de garantir isonomia aos candidatos, como determina a lei.
Outros próceres do bolsonarismo, como o deputado eleito Nikolas Ferreira e a deputada Carla Zambelli, tiveram suas contas suspensas nas redes sociais. Ambos divulgaram mentiras sobre as urnas eletrônicas e apoiaram os atos golpistas que pararam estradas Brasil afora após as eleições. Mais uma decisão acertada do TSE: se a liberdade de expressão abrangesse discursos que atentam contra a democracia, cometeria suicídio.
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Não há dúvidas de que fake news das mais absurdas rolaram soltas nas eleições. (Se bem que Lula ainda pode surpreender e anunciar, em seu discurso de posse, como primeira e urgente medida, a implantação geral e irrestrita do banheiro unissex.)
É verdade também que a ação da Justiça Eleitoral em geral ainda é lenta e insuficiente para conter os danos. Mas é inegável que a remoção de contas que espalham conteúdos golpistas é uma boa coisa, ao menos um indicativo de que o combate às fake news pode, no futuro, ser realmente efetivo.
A ironia é que o candidato dos “censurados”, um admirador confesso do regime militar e de torturadores, só não se autoproclama ditador do Brasil porque não tem força política e militar para isso. Inclusive, se dependesse dos radicais bolsonaristas – as vivandeiras dos quarteis versão 2022, já estaríamos sob uma ditarura. É como diz o velho ditado: censura no dos outros é refresco.
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Enquanto isso, nos EUA, Elon Musk, o novo dono do Twitter, cujo plano era liberar discurso extremista de direita na plataforma (em nome da liberdade de expressão, é claro), recuou diante da pressão dos anunciantes para que a moderação continue ativa.
É outro bom sinal, ainda que seja mais sensato regularmos os limites da liberdade de expressão na esfera pública do que depender dos humores do mercado publicitário.
Numa perspectiva histórica a internet é muito recente. A humanidade ainda está engatinhando, tentando encontrar as melhores maneiras de construir um ambiente saudável no mundo virtual. O pessoal que não quer compreender a necessidade de regulação vai gritar “censura” por um bom tempo, ainda, o que é natural. Afinal, todo bebê chora ao se defrontar com as restrições que a vida impõe.
Mas o futuro é promissor. À medida que formos superando esta era da pós-verdade, poderemos usar cada vez mais a conectividade global para aprofundar a democracia a níveis inéditos.