O Nordeste salvou o Brasil de mais quatro anos de Jair Bolsonaro, não há dúvidas. Mas este é apenas um jeito de olhar; podemos aprofundar nossa análise para enxergar outras nuances da disputa política ferrenha deste Brasil de 2022.
Um dado interessante, por exemplo, é que Fernando Haddad fez 69,7% dos votos do Nordeste no segundo turno de 2018. Lula, quatro anos depois, fez 69,3% dos votos da região – uma surpreendente redução percentual. Ou seja, Lula precisou subir a votação petista nas outras regiões para garantir sua grande e suada vitória.
O cientista político Tiago Garrido fez uma comparação da votação de Bolsonaro no segundo turno de 2018 com a do segundo turno de 2022, nas cidades com mais de 500 mil habitantes. São números interessantes, que indicam de onde veio boa parte da votação que levou Lula ao primeiro lugar. Dê uma olhada:
Podemos ver no gráfico que em algumas cidades aconteceu uma “virada” em favor do PT.
A começar por São Paulo, de longe a cidade mais populosa do país (mais de 12 milhões de habitantes), onde Bolsonaro despencou de 60,38% (2018) para 46.46% (2022). O PT saiu de uma derrota contundente em 2018 para abrir quase 500 mil votos de vantagem sobre Bolsonaro apenas na capital dos paulistas – a diferença total entre os candidatos a presidência foi de pouco mais de 2 milhões de votos. Outra virada emblemática ocorreu em São Bernardo do Campo/SP, berço político de Lula, onde Bolsonaro caiu de 59,57% (2018) para 46,17% (2022).
Em Porto Alegre/RS também houve uma virada notável. A Região Sul é, hoje, um dos bastiões do conservadorismo no Brasil, mas a capital dos gaúchos deu 57 mil votos de vantagem para Lula.
Nesses dois estados – São Paulo e Rio Grande do Sul – Bolsonaro venceu; mas a vitória de Lula nas capitais foi decisiva para o resultado final. Assim como foi decisiva a diminuição da vantagem de Bolsonaro em cidades populosas de São Paulo como Ribeirão Preto, Campinas, Santo André e Guarulhos.
No Rio de Janeiro/RJ, segunda cidade mais populosa do país, também houve uma redução importante do percentual de votos de Bolsonaro: de 66,35% (2018) para 52,66% (2022). Em Brasília/DF, terceira cidade com mais habitantes do Brasil, Bolsonaro caiu de 69,99% (2018) para 58,81% (2022). Em Belo Horizonte, sexta cidade mais populosa, Bolsonaro passou de 65,59% (2018) para 54,25% (2022). São 10 ou mais pontos percentuais de queda do bolsonarismo entre 2018 e 2022 nestas três cidades que, somadas, dão mais ou menos a mesma população de São Paulo/SP.
Em Salvador/BA e Fortaleza/CE, respectivamente quarta e quinta cidades mais populosas do país, foi o PT que ampliou sua vantagem em 2022, enquanto Bolsonaro mingou. Em Salvador Lula fez impressionantes 70,73% dos votos, abrindo mais de 600 mil votos de vantagem sobre seu adversário.
Curitiba/PR foi uma das poucas cidades com mais de 500 mil habitantes em que Bolsonaro aumentou seu percentual em relação a 2018, de 62,13% para 63,95%, uma indicação de que a esquerda seguirá com a vida difícil no Paraná. Assim como na vizinha Santa Catarina; Joinville, por exemplo, uma das cidades mais populosas do estado, deu 76,6% dos votos para Bolsonaro (em 2018 foram 83,18%).
Os votos válidos no segundo turno de 2018 foram 104.838.753, enquanto em 2002 foram 118.552.353, um aumento de quase 14 milhões de votos em disputa. Os votos nulos e brancos e as abstenções diminuíram na comparação entre 2018 e 2022, o que pode ser explicado pela polarização e pelas fortes paixões envolvidas na disputa entre Lula e Bolsonaro.
Bolsonaro teve um avanço pífio em sua votação total após 4 anos de governo: passou de 57.797.847 votos em 2018 para 58.206.354 em 2022, um aumento de 408.507 votos.
Já o PT saltou de 47.040.906 votos com Fernando Haddad, em 2018, para 60.345.999 com Lula em 2022 – a maior votação da história do Brasil. Mais de cabalísticos 13 milhões de votos de diferença.
***
Cada cidade tem sua dinâmica cultural e política, e uma análise mais pormenorizada dessas dinâmicas específicas deve ajudar a entender melhor os resultados eleitorais.
Se quisermos generalizar um pouco, é natural esperar que o campo progressista obtenha melhores desempenhos em cidades com mais diversidade cultural, como São Paulo, por exemplo: um alto fluxo de pessoas de regiões diversas tende a arejar o pensamento médio de uma população.
Cidades menores e interioranas, por sua vez, são mais conservadoras por natureza. Nas pequenas cidades todo mundo se conhece e todo mundo se vigia, um tipo de ambiente que favorece a manutenção das tradições e das ideias dominantes. Os comportamentos e as ideias “desviantes” costumam chegar primeiro nos grandes centros, onde a vida cultural e a disputa ideológica costumam ser mais agitadas.
O fato é que a esquerda obteve um resultado animador nas votações para presidente nas grandes cidades. Especialmente se lembrarmos que Bolsonaro concorria à reeleição e usou o que podia e o que não podia da máquina pública para se manter no poder. Que a militância urbana se mantenha mobilizada e que os partidos de esquerda afinem suas estratégias para que este avanço se consolide nas próximas (certamente duras) batalhas.