Um fato notável desta primeira semana após a eleição de Lula é que a transição de governo parece estar caminhando de forma tranquila, muito mais tranquila do que o esperado.
Não que as previsões de turbulências na transição fossem desarrazoadas – muito pelo contrário. Nem o próprio Jair Bolsonaro acredita no papo de “jogar dentro das quatro linhas da Constituição” que costuma repetir. Bolsonaro só não leva a cabo um golpe militar (ou policial) para se perpetuar no poder porque não tem apoio suficiente para isso.
As previsões de que o ainda presidente tentaria um golpe e tumultuaria a transição de governo eram, portanto, bastante razoáveis. Ainda mais se o resultado fosse apertado, como de fato foi. Por que, então, Bolsonaro está tão “manso”?
Seu silêncio sepulcral de quase dois dias após perder a eleição demonstra tanto sua pusilanimidade – reconhecer uma derrota exige grandeza, afinal – quanto uma estratégia. Enquanto aliados próximos como Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli instigavam os atos terroristas nas estradas, Jair aguardava. Casos os atos se tornassem massivos Bolsonaro muito provavelmente contestaria o resultado e daria início a (mais) uma tentativa de golpe.
Mas os atos golpistas reuniram meia dúzia de fanáticos em cada ponto de bloqueio das estradas, apenas, e o que restou a Bolsonaro foi fazer um pronunciamento dúbio, sem reconhecer a derrota mas também sem questionar diretamente o resultado eleitoral.
A bem da verdade Bolsonaro reconheceu, sim, a derrota, ao cochichar para Ciro Nogueira, antes de ler seu discurso de dois minutos, que “eles [os repórteres presentes] vão sentir a nossa falta”. Após o pronunciamento o próprio Ciro Nogueira disse que Jair Bolsonaro deu autorização para que ele, Ciro, desse andamento à transição de governo.
Ou seja, ainda que na realidade alternativa das barricadas a eleição tenha sido fraudada, a fraude tenha sido decretada e o Alexandre de Moraes tenha sido preso, o fato real é que Jair Bolsonaro admitiu, do seu jeito patético, que Lula será o próximo presidente do Brasil.
Isto posto, já podemos observar aquele fenômeno físico bem conhecido, o magnetismo do poder. Nas próximas semanas cada vez mais aliados ferrenhos do bolsonarismo de repente se olharão no espelho e se perceberão nem tão bolsonaristas assim. O Edir Macedo já até “perdoou” o Lula, veja só. E esse movimento natural é outro elemento a facilitar a transição de governo.
Além disso, Jair Bolsonaro cometeu muitos crimes nos últimos quatro anos. As pressões por justiça virão e o quase ex-presidente sabe que tensionar ainda mais sua relação com o Judiciário não é a escolha mais inteligente, se quiser abrandar suas muito prováveis penas.
É hora, portanto, do Jair se portar mais ou menos como um democrata, evitando dar caneladas dentro das famigeradas quatro linhas. Seu jogo já está para acabar e sua expulsão já foi decretada. Agora seu único objetivo é evitar ser banido do esporte.
Que perca mais essa.