Os atos tresloucados de radicais bolsonaristas paralisaram centenas de estradas pelo Brasil e provocaram prejuízos de toda ordem: desabastecimento de alimentos, remédios e oxigênio, voos e compromissos perdidos, pessoas trancadas nas estradas sem água e alimento, conflitos entre os terroristas e motoristas/pedestres etc. Há cenas fortes de depredação de veículos que tentavam furar o bloqueio e de agressões a quem se opunha à arruaça. Até crianças foram usadas pelos bolsonaristas como escudo humano, com um caso confirmado de ferimento por atropelamento em Marissol, interior de São Paulo.
As repercussões práticas são muito maiores do que a força política dos terroristas – nome adequado para quem usa sistematicamente a violência como meio de repreensão, segundo o Michaelis. Ainda assim, o questionamento violento e golpista do resultado eleitoral é um fato grave, que merece ser observado com atenção. Penso que algumas lições podem ser tiradas desse episódio lamentável desde já.
A primeira lição deveria ser aprendida pela direita clássica brasileira (a não bolsonarista). Esse campo apoiou alegremente Jair Bolsonaro no segundo turno de 2018, como se fosse razoável eleger um idiota fascista para comandar o país, desde que isso significasse a derrota da esquerda. Os últimos quatro anos mostraram de forma cabal que eleger um idiota fascista não é um bom negócio para quem tem o mínimo de bom senso, apreço à vida ou mesmo apreço aos negócios: o golpismo e o silêncio patético de Bolsonaro insuflaram os golpistas das estradas.
Sabemos, por meio de incontáveis exemplos históricos (como o próprio Brasil de Bolsonaro), que o liberalismo econômico e o fascismo convivem muito bem em determinadas ocasiões. No entanto, se os liberais querem fazer seus negócios em paz, deveriam refletir: um presidente golpista com projetos ditatoriais que é capaz de matar centenas de milhares de pessoas para construir sua narrativa política não tende a criar o ambiente de confiança, previsibilidade e liberdade que garante o bom andamento da economia. Se o problema dos liberais com a esquerda são os projetos sociais “paternalistas”, deveriam ler com mais atenção Milton Friedman, por exemplo, que recomendava que o Estado garantisse uma renda mínima a todas as pessoas.
Vamos à segunda lição das micaretas golpistas. (O terrorismo bolsonarista é tão caricato e involuntariamente engraçado que me permito também chamá-lo de micareta.) A leniência da Polícia Rodoviária Federal (PRF) com os golpistas foi gritante, e a prova cabal deste fato é que pequenos agrupamentos de torcidas organizadas como Galoucura e Gaviões da Fiel dispersaram com uma celeridade notável alguns pontos de bloqueio.
A camaradagem com os golpistas soma-se às barreiras da PRF no Nordeste no dia do segundo turno das eleições – sob a inacreditável justificativa de fiscalizar pneus carecas e coisas do gênero – que atrasou ônibus lotados de eleitores e pode ter impedido que muitos votassem. Esses fatos deixam claro que o bolsonarismo está no controle desta corporação e sabe-se lá de quantas mais forças policiais. É tarefa prioritária do governo Lula debelar esses focos bolsonaristas, assim como é tarefa do Judiciário punir, conforme a lei, aqueles que utilizaram seus cargos públicos para fins políticos e pessoais. A polícia deve proteger a população e a coisa pública; jamais servir como arma para golpes de Estado, como se viu na Bolívia recentemente.
A terceira e última lição que devemos tirar do golpismo pós-eleição: nossa economia não pode depender exclusivamente do transporte rodoviário. Em 2018 uma greve dos caminhoneiros paralisou o país por 10 dias, provocando prejuízos em larga escala e um ambiente caótico – as longas filas para abastecer nos postos de gasolina foram dignas de filme de apocalipse. Ampliar o transporte ferroviário, que é mais econômico, mais rápido e causa menos impacto ambiental, é a saída evidente para que o governo Lula e o país não estejam mais sujeitos aos humores manipuláveis dos caminhoneiros e aos manipuladores das empresas de transporte rodoviário.
Outras lições certamente podem ser extraídas dos recentes episódios golpistas. É bom que nos debrucemos sobre elas para que, caso algum bolsonarismo renitente continue tentando parar o país, possamos seguir nossa viagem.