Por César Locatelli
Estamos todos capturados pelo fantasma da reeleição de Bolsonaro. Na verdade nem todos. Excetuam-se aqueles de ideias de extrema-direita e, entre alguns outros grupos, aqueles que acreditam que não só não havia corrupção antes dos governos petistas, mas como não há após o golpe que tirou Dilma da presidência.
Há, também, um outro grupo que não se comoveu com a imitação que o presidente fez de uma pessoa, infectada por coronavírus, em asfixia. O jornal Financial Times traz, em off, uma opinião que se refere a esse agrupamento. Trata-se de um executivo do mercado de private equity, setor do mercado financeiro que envolve transações de participações em empresas.
“Quase todas as pessoas que conheço votam em Bolsonaro. Eles não dirão isso em público, mas seus negócios estão indo bem, sob sua presidência, e eles não confiam em Lula”, disse o executivo a Michael Statt, autor da matéria “Bolsonaro ainda tem apoiadores no meio empresarial brasileiro”.
Manter-nos, aqueles que certamente votarão em Lula, apavorados facilita o tranco para mover Lula para a direita. O jogo a que estamos assistindo é o mesmo de todas as eleições, por essas bandas, quando o favorito não é tradicional representante do capital: mesmo que Lula seja um firme adepto de uma centro-esquerda ultramoderada é preciso capturá-lo, é necessário cercear suas ações, manietá-lo.
Não basta já tê-lo feito engolir um histórico adversário para ser seu vice-presidente, cujo partido contribuiu decisivamente para a desestabilização do país após a eleição de 2014, a quarta vitória seguida do PT.
É preciso que novamente tenhamos banqueiros no Banco Central e na economia. E talvez um representante do agronegócio para cuidar da reforma agrária, um ex-diretor de uma mineradora para lidar com os povos originários, um compromisso de não tocar na regulação dos meios de comunicação, de não tocar nos planos de saúde e assim por diante.
Em 2002, o Brasil estava praticamente quebrado quando Lula se viu com chances de vencer. Foi fortemente pressionado e obrigado a fazer concessões meses antes de assumir a presidência. Hoje o Brasil não corre risco igual, de quebrar, de não ter recursos para importar remédios, combustíveis e uma infinidade de itens que deixamos produzir ou que não temos tecnologia para tal.
De onde, então, poderia vir uma bem-sucedida coação para limitar as políticas de Lula? A aterrorizante possibilidade de novo mandato de Bolsonaro cumpre essa função. A lembrança de suas ações e inações ainda nos assombra: na pandemia, no desmantelamento do nosso pré-sal, da Eletrobras, no descaso com o desemprego e com a fome, no armamento das pessoas, na sua infindável grosseria, na incitação de variadas formas de violência, na sua absoluta falta de compaixão e muito mais.
Onde se encaixa Ciro Gomes? No papel de manter viva a possibilidade de reeleição. O fim maior de manter sua candidatura, possivelmente, é amarrar um pouco mais as mãos de Lula. Obrigá-lo a acordos que descaracterizem seus ideais de centro-esquerda. Obviamente, também para manter a esquerda mais dócil com as concessões que seu líder será constrangido a fazer.
Quanto vale, em dinheiro mesmo, a possibilidade de Henrique Meirelles ser o xerife dos juros ou dos gastos públicos pelos próximos quatro anos? Se você fosse um banqueiro e pudesse optar pela desistência de Gomes ou por sua permanência na disputa, como uma espada sobre a cabeça do petista, mesmo com algum custo para você, qual seria sua escolha?
No capitalismo, o valor das pessoas é dado pelo quanto de dinheiro e bens se conseguiu amealhar. Ciro e aqueles que o financiam, possivelmente, têm bem pouco envolvimento emocional com a disputa em si ou com o grau de civilidade ou incivilidade que teremos a partir do próximo ano. A permanência de Ciro na disputa é vital para os negócios.