Inicio pela conclusão: o grande vencedor do debate na Band foi Luiz Inácio Lula da Silva. Deixo para explicar isso após analisar o desempenho dos outros candidatos.
O grande perdedor, por sua vez, foi Bolsonaro. Também falo mais de Bolsonaro logo abaixo.
Simone Tebet teve um bom desempenho porque bateu de frente contra Bolsonaro. Foi a heroína que enfrentou o vilão. Ganhou pontos e saiu muito maior do debate. Mas, objetivamente, não ganhou votos. Sua obsessão por bandeiras liberais causam estranheza, afastam o eleitor. E ali não era o lugar para esse tipo de proselitismo econômico.
Soraya Thronicke também merece ser elogiada por ter encaixado pelo menos um excelente murro retórico na cara de Bolsonaro: chamou-o de tchutchuca com homens e tigrão com as mulheres. Ponto para ela.
Mas não ganhou voto, porque, assim como Tebet, sua estratégia está voltada para o eleitor de classe média alta, rico, muito preocupado com a carga tributária, irritado com o “tamanho do Estado”.
Bolsonaro já representa esse eleitor, e apenas indicou ministros de perfil neoliberal para seu governo, mas não comete o erro de mencionar isso em debates, ou de adotar linguagem tecnocrática quando precisa defender esse tipo de ideias.
Ciro Gomes também cometeu erros graves de comunicação, e saiu menor. Não conseguiu ocultar o seu ódio a Lula, e isso lhe fez perder várias oportunidades. Ciro recebeu a palavra logo após a hedionda agressão de Bolsonaro a jornalista Vera Magalhães. Cabia a ele vingá-la. Não o fez. Preferiu criar uma falsa equivalência entre petistas e fascistas, apontando petistas “do lado de fora”, talvez porque, durante sua chegada aos estúdios da Band, algum petista tenha lhe mandado a Paris. Confunde a provocação política normal, necessária, saudável, típica do ambiente democrático, com a violência fascista de Bolsonaro, expressa em seu ataque gratuito a uma mulher jornalista. Uma violência cujas consequências trágicas o Brasil conheceu através do assassinato do petista Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu.
Além disso, Ciro não consegue se comunicar com um mínimo de simplicidade e elegância. Seu vocabulário é pernóstico, e sua sintaxe, pesada, cansativa, com excesso de adjetivos. É um estilo cafona, pedante, má literatura. Ciro deveria ter lido mais Graciliano Ramos na juventude. Sua insistência no uso da expressão “governança política”, cujo conceito é dificil de entender mesmo entre intelectuais (até porque não quer dizer nada), é incompreensível!
O grande vencedor do debate foi o velhinho humilde, simples, rouco, que não atacou ninguém. Quer dizer, Lula até tentou ir pra cima de Ciro, num determinado momento, e encaixou alguns golpes no queixo do pedetista, mas somente após tentar amaciá-lo com palavras de afeto, carinho, respeito.
Lula passou a imagem de uma pessoa terna, o que ficou ainda mais evidente, cristalino, diante da imagem de carrasco de Bolsonaro.
O presidente Bolsonaro perdeu completamente o controle. Ele caiu na armadilha de Lula, que evitou polarizar, não sei se por estratégia ou por intuição. Li por aí que foi aconselhado por seus estrategistas. Li tambéḿ muitas críticas a isso. Lula pode até ter seguido algum tipo de orientação estratégica, mas acho que a postura adotada por ele foi a mais próxima de seu próprio temperamento, que não é de bater de frente. Lula é um conciliador por natureza. É alguém que gosta genuinamente de confraternizar, conversar, resolver os conflitos de maneira amistosa. Isso nem sempre é uma qualidade. Mas esse é o Lula, para o bem e para o mal.
Já Bolsonaro passou a imagem de uma pessoa violenta, um agressor de mulheres. E foi sensacional que os seus principais antagonistas não tenham sido Lula ou Ciro Gomes, mas sim, as duas únicas mulheres no debate!
Ciro Gomes, aliás, apanhou de Bolsonaro. Toda aquela história de que Ciro Gomes destruiria Bolsonaro em debates caiu por terra. Ciro foi tchutchuca com Bolsonaro, o carrasco nazista, e tigrão com Lula, o velhinho humilde, terno e bondoso.
Quando Bolsonaro agrediu Vera, a reação de Ciro Gomes foi esquisita: ele riu. Riu diante de uma agressão misógina, fascista, perigosa, contra uma profissional de imprensa. Naturalmente riu de nervoso, não por aprovação; mesmo assim, foi uma reação antipática.
As palavras e a postura de Bolsonaro foram as de um líder fascista. Bolsonaro não foi, contudo, “destruído” no debate. Ele perdeu o debate porque passou a imagem de violento, agressivo, descontrolado. Provavelmente perdeu um caminhão de votos, especialmente de mulheres, e garantiu a sua derrota eleitoral em outubro. Mas se cacifou como um perigosíssimo líder facista, seguro de si mesmo, representante legítimo dos instintos mais reacionários, violentos e conservadores da sociedade brasileira.
No ambiente extremamente polarizado das eleições, a conclusão é simples: se Bolsonaro teve uma performance desastrosa, que o fez perder votos, então o ganhador é seu principal adversário, Lula.
Não subestimo a importância de nenhum debate presidencial. Apesar do horário, demasiado tarde para a maioria dos trabalhadores, a audiência é sempre grande e tem enorme capacidade de pautar o processo político. Além do mais, os principais momentos dos debates ocuparão as redes durante toda campanha.
No caso desse debate na Band, acho que ele pode impactar sim o processo político, prejudicando ou beneficiando os candidatos já nas próximas pesquisas.
Entretanto, se pudesse arriscar um palpite, diria que o ex-presidente Lula, após esse debate, deve avançar ainda mais sobre os eleitores pobres, mulheres, negros, e demais setores “minorizados” da sociedade, porque era o único candidato com o qual esses segmentos poderiam se identificar.
Thomas Carlyle, que analisou a figura do herói político, e escreveu um texto antológico sobre Oliver Cromwell, o único líder republicano da história britânica, dizia que os herois políticos são respeitados por suas qualidades, mas que as massas se apaixonam mesmo é por seu lado humano, ou seja, por seus defeitos.
Isso vale para Bolsonaro. A esquerda progressista não consegue entender como um ser humano com tantos defeitos, uma figura tão grotesca, pode ser uma liderança tão popular. Ora, é justamente por esses defeitos que Bolsonaro é cultuado.
Mas isso vale ainda mais para Lula. O ex-presidente não lidera as pesquisas a tôa. Alguns “defeitos” que vimos nesse domingo não são novos. A tática de Lula não é enfrentar. A sua arma é a sedução. Veja como ele tentou lidar com Ciro Gomes no momento em que o debate os colocou frente a frente. Ele tentou seduzir, fazendo elogios a seu velho amigo, e dizendo que ainda esperava estabelecer um diálogo com o PDT e com o próprio Ciro. Apenas depois, quando leva uma sapatada do pedetista, é que Lula ensaia um contra-ataque desajeitado, quase ingênuo, lançando mão da cartada de “Paris”. Ciro, por sua vez, rebate com virulência. Gritando com microfone desligado, mas numa altura suficiente para ser ouvido, tentou humilhar Lula com a “acusação” de que o petista estava preso em 2018. Ou seja, mais uma vez Cirou usou a Lava Jato, essa ferramenta da elite financista, imperialista, fascista, para atacar o nosso maior líder popular. Seria como usar as investigações da “República do Galeão” para atacar Getúlio Vargas.
Entretanto, esse “defeito” de Lula, sua dificuldade para agredir o outro, sua ternura natural, é o que o torna tão amado, especialmente entre os eleitores mais humildes, ou aqueles que experimentam, diariamente, humilhações, como as mulheres, os negros, os jovens, os pobres.
No debate de ontem, Lula mais uma vez foi humilhado, espezinhado, atacado, pelos campeões da sociedade, os ricos, os homens brancos e violentos, de um lado, e as mulheres ricas e poderosas, as patroas, que espezinham suas empregadas domésticas, de outro.
Neste sentido, é tolice falar em “vencedores” de um debate como se falássemos de um torneio convencional.
Na sociedade brasileira, onde a maioria do povo é humilhada pela pobreza e pela desesperança, os eleitores identificam os “vencedores” do debate como aqueles que, na vida cotidiana, os maltratam.
Alem disso, para compreender as dificuldades de Lula, a sua psicologia, é preciso entender ainda que ele era a figura menos à vontade naquele lugar, um estúdio da Band.
Nos últimos vinte anos, redes como Globo e Band agiram como verdadeiros partidos políticos reacionários, que trabalhavam diuturnamente para humilhar Lula, destruir sua reputação e a de seu partido.
Bolsonaro costuma protestar tão violentamente contra jornalistas críticas justamente para se diferenciar de Lula. O petista sempre apanhou calado da mídia, porque, mais uma vez, não é de seu feitio reagir com agressividade. Lula não tem a psicologia de um líder oligárquico orgulhoso, não está preocupado constantemente em provar sua macheza e sua honra, como Bolsonarou ou Ciro Gomes.
Os grupos de mídia foram longe de demais em sua guerra contra o líder popular e seu partido, e agora não conseguem recolocar o diabo de volta na garrafa.
Todas as narrativas mentirosas que desaguaram no bolsonarismo foram forjadas nos estúdios de televisão, e por isso Lula tem dificuldade em rebater acusações de corrupção lançadas naquele ambiente. Ele sabe que foi ali que tudo nasceu: os exageros, as distorções, as fake news, que até hoje são usadas, pelo próprio Bolsonaro, para atacá-lo.
Todos aqueles números que Bolsonaro lançou no ar, os “bilhões de reais” desviados, tudo foi inventado na mídia, imposto à narrativa oficial como verdades absolutas. Hoje sabemos que são números mentirosos, manipulados, exagerados, embora ainda seja necessário um tempo para combatermos tantas falácias. Para lembrar do livro de Vincent Bevins, O Método Jarkarta, sobre as mentiras construídas para destruir a esquerda indonésia, e que até hoje figuram como verdades oficiais do regime, nós também temos o nosso “método Jakarta” a ser desconstruído.
A dificuldade é que a mesma imprensa liberal que hoje se traveste de oposição a Bolsonaro, tenta impor uma derrota ao bolsonarismo sem que a narrativa que o originou seja desafiada.
A palavra democracia é traduzida, etimologicamente, como “governo do povo”. Mas houve, na Antiguidade, uma outra acepção, mais comum, que passou a soar cada vez mais constrangedora aos ouvidos sensíveis das elites “democratizadas” do Ocidente: “governo dos pobres”.
Em sua origem, em Atenas ou Roma, a democracia nasce do embate entre partidos populares, que representavam os pobres, e partidos oligárquicos, que representavam os ricos. Os representantes dos ricos eram os bem nascidos, que tinham oportunidade de estudar e desenvolver o dom da oratória. Ciro Gomes, por exemplo, seria um excelente “guardião” na república de Platão: um político profissional, técnico, preparado, embora com graves problemas de carisma, empatia e, sobretudo, identificação com o homem comum.
Entretanto, a democracia, como regime de governo, filosofia política e, sobretudo, sistema moral, venceu (parcialmente, pois é uma luta eterna) as oligarquias, talvez porque seja um modelo de organização social mais antigo, mais primitivo, com raízes mais profundas do que imaginamos. Entre os valores profundos da democracia estão a fraternidade, a solidariedade, a igualdade.
Queremos um líder com quem a gente se sinta a vontade, porque é nosso igual. Um líder com quem a gente possa tomar uma cerveja, curtir um churrasco, alguém com quem nos identificamos! Principalmente, alguém que seja capaz de sentir, amar, sofrer, solidarizar-se com o seu povo!
É por isso que o povo ama Lula, porque ele tem essa capacidade de gerar identificação.
Dentre os principais candidatos, Lula é o que mais consegue transmitir, através da maneira terna, emotiva e simples com que se comunica, a capacidade de experimentar, de fato, a dor e as angústias das pessoas mais pobres, dessa grande maioria silenciosa, às vezes excessivamente tímida, humilde e pacífica, que, no entanto, no dia 2 de outubro, terá o seu dia de fúria!
O debate pode ser assistido no link abaixo: