A edição anterior da pesquisa BTG/FSB, divulgada semana passada, produziu um enorme frisson entre os militantes do pessimismo.
Quando saiu uma outra pesquisa logo em seguida, da Quaest, mostrando queda das intenções de voto do ex-presidente Lula entre eleitores de Minas Gerais, o êxtase dos mesmos chegou ao auge. Alguns sugeriram que a esquerda deveria organizar uma grande manifestação de rua, empunhando cartazes gigantes com os gráficos dessas pesquisas, além de faixas com variações da seguinte frase: “Vamos perder!”
Os centristas anti-Bolsonaro, sempre incomodados com o fato de Lula e o PT serem partidos identificados como de esquerda, com todo o peso histórico (para o mal e para o bem) que isso acarreta, também ficaram animados. Um de seus mais ativos representantes nas redes, o jornalista Pedro Dória, usou os números para defender que Lula radicalizasse para o… centro.
Ninguem entendeu bem o que isso significa, visto que todos os movimentos de Lula, desde que iniciou sua pré-campanha, tem sido exatamente nesta direção, de buscar o centro. O convite a Geraldo Alckmin é o símbolo maior desse esforço. O que Doria talvez quisesse defender, mas ficou sem graça de afirmá-lo com todas as letras, é que Lula fizesse um movimento à direita, embora também não tenha apontado como isso seria possível. Talvez Lula devesse apoiar o teto de gastos, a ampliação da posse de armas e a privatização da Petrobrás? Ou bastaria falar mal de Cuba?
Outro grupo que recebeu essas pesquisas com um entusiasmo doentio, pelas razões que apresento em seguida, foi a “turma boa”, apelido que Ciro Gomes deu à sua militância. Chamo esse entusiasmo de doentio porque as sondagens em questão foram péssimas para o candidato do PDT, cujo enterro político vem sendo reencenado sempre que sai uma nova pesquisa. Ciro vem se esforçando, a bem da verdade, para perder eleitores, vide sua insistência em reproduzir as animações grotescas do Cartunista Tímido, e entrar em confronto quase diariamente com a internet inteira, a partir de postagens desastradas que, segundo a turma boa, são sempre mal interpretadas.
Os setores mais reacionários do cirismo comemoram qualquer subida do Bolsonaro, porque entendem que isso é uma vitória de sua narrativa, segundo a qual apenas Ciro Gomes poderia, efetivamente, derrotar Bolsonaro. As mesmas pesquisas mostram Ciro cada vez mais distante do segundo turno. Mas para quem fez do antipetismo o principal sustentáculo do projeto nacional de desenvolvimento, esse parece ser um problema menor.
A alegria de todos esses grupos, todavia, durou pouco. A pesquisa BTG/FSB divulgada hoje mostra Lula crescendo 4 pontos no primeiro turno e ampliando sua vantagem sobre Bolsonaro de 7 para 11 pontos. Lula agora tem 45% dos votos totais, contra 34% de Bolsonaro e 8% de Ciro Gomes.
Lula também cresceu na espontânea, e chegou a 41%, 3 pontos acima do que tinha na semana passada. Bolsonaro oscilou positivamente um ponto e agora tem 32%.
Ciro se mantém estagnado em 3% desde maio, abaixo dos 4% que tinha em março e abril.
Segundo os responsáveis pela pesquisa, a subida de Lula pode ter sido causada, em parte, pela transferência integral dos votos de André Janones, que decidiu retirar sua candidatura e apoiar o petista. Janones tinha 2% na pesquisa anterior.
Há alguns outros pontos nessa pesquisa que merecem atenção especial do comando da campanha lulista.
Um aspecto que me parece negativo para Lula é que a pesquisa traz Bolsonaro recuperando, gradualmente, o seu eleitor de 2018.
Como Bolsonaro venceu as eleições de 2018, essa reconquista de seus próprios eleitores pode encorpar bastante a campanha do atual presidente.
Segundo a BTG, entre os eleitores de Bolsonaro no segundo turno de 2018, 73% votariam novamente nele em 2022. É o maior percentual da série.
Felizmente, para Lula, os mesmos gráficos trazem um alívio: o petista experimentou crescimento também entre ex-eleitores de Bolsonaro, de 11% na semana passada, para 13% hoje. E 83% dos eleitores de Haddad em 2018 votam em Lula hoje.
O principal trunfo de Lula, no entanto, é a alta adesão à sua candidatura dos eleitores que votaram nulo ou se abstiveram no segundo turno de 2018.
Entre os que se abstiveram, por exemplo, 59% hoje votariam em Lula.
No segundo turno de 2018, 42,1 milhões de eleitores deixaram de votar ou votaram nulo: 11 milhões votaram branco ou nulo, e 31 milhões se abstiveram.
A adesão maciça a Lula desse contingente pode mais do que compensar a lealdade dos eleitores de Bolsonaro.
Um outro gráfico da pesquisa pode ser lido como bastante positivo para Lula. É a redução do grau de certeza do eleitor cirista. Semana passada, 42% dos ciristas afirmavam que sua decisão já estava tomada e que não iriam mudar. Esse percentual caiu para 39% hoje. É positivo para Lula porque a mesma pesquisa sugere que esses ciristas, ao mudarem de voto, devem migrar, em sua maioria, para a candidatura petista.
Dentre os eleitores de Ciro que admitiram mudar de voto ainda no primeiro turno, 36% afirmaram que podem migrar para Lula e 20% para Bolsonaro.
Por outro lado, há um fenômeno preocupante acontecendo no universo dos eleitores de Ciro Gomes, que é o crescimento da tendência pró-Bolsonaro.
Na sétima rodada da pesquisa BTG/FSB, de 25 de julho deste ano, apenas 13% dos eleitores de Ciro Gomes diziam que votariam em Bolsonaro num eventual segundo turno. Na edição seguinte, de 8 de agosto, esse número mais que dobrou, para 27%. Na pesquisa divulgada hoje, o crescimento desse “bolsonarismo cirista” não apenas se mantém como avança: agora são 29% dos eleitores de Ciro que declaram votar em Bolsonaro no segundo turno.
Isso é um problema que a campanha de Lula deveria levar a sério, e iniciar urgentemente a reconstrução de pontes com a direção do PDT, pois não faz nenhum sentido que eleitores de Ciro Gomes apoiem um candidato fascista, ultraliberal, hostil a qualquer ideal trabalhista ou projeto nacional de desenvolvimento.
Outro aspecto interessante dessa pesquisa é a modesta – mas promissora – redução da vantagem de Bolsonaro entre evangélicos.
Na rodada anterior, de 8 de agosto, Bolsonaro pontuava 51% entre evangélicos, contra 29% de Lula, 22 pontos de diferença. Na pesquisa de hoje, o placar está em 49% X 30%, 19 pontos de vantagem. Em todas as pesquisas, Lula aparece com percentual próximo de 30% entre evangélicos, de maneira que, provavelmente, constituiu-se uma espécie de fortaleza evangélica lulista que o bolsonarismo não tem conseguido penetrar.
Entretanto, a característica mais marcante da candidatura Lula é sua força entre os eleitores mais pobres.
Segundo a BTG, Lula tem hoje 66% dos votos totais de eleitores com renda familiar até 1 salário, o que corresponderia a 73% dos votos válidos. Curioso notar que, apesar do início do pagamento dos R$ 600 do Auxílio Brasil, e da queda da inflação, Bolsonaro perdeu voto dos mais pobres. O presidente tinha 20% dos votos desse eleitor com renda familiar até 1 salário, no dia 8 de agosto, e agora tem apenas 15%.
Lula está… 51 pontos à frente de Bolsonaro nesse extrato.
Lula cresceu ainda, fortemente, entre o eleitorado com renda intermediária de 2 a 5 salários, de 30% para 38%, empatando com Bolsonaro, que tem 40% (tinha 42% na semana passada).
Um ponto preocupante para o petista, porém, é que ele perdeu pontos no eleitorado com renda familiar acima de 5 salários, de 34% para 26%, ao passo que Bolsonaro se fortaleceu nesse segmento, de 45% para 49%. Esse extrato, também conhecido por “classe média”, é muito perigoso, por seu poder de formar opinião a seu redor.
A propósito, esse eleitor de classe média provavelmente é o mesmo que votou em Bolsonaro em 2018, e que o presidente vem conseguindo recuperar.
Conclusão
Lula não precisa fazer nenhum “giro ao centro”, porque não existe “centro”.
O que Lula precisa fazer, sim, é manter o esforço para neutralizar os efeitos eleitoreiros do Auxílio Brasil junto ao eleitorado mais pobre. Está dando certo. Segundo a BTG, Lula cresceu de 53% para 61% entre eleitores que recebem o benefício, ao passo que Bolsonaro ficou parado em 24%.
Outro extrato social que a campanha de Lula deve observar com mais cuidado é a classe média. É preciso oferecer a ela uma comunicação à parte, mais voltada para geração de empregos bem remunerados, investimentos em meio ambiente e tecnologia, melhora da infra-estrutura das cidades. E, sobretudo, apresentar um projeto consistente de segurança pública.
A pesquisa BTG/FSB custou R$ 129 mil e entrevistou 2 mil pessoas por telefone. A íntegra do relatório pode ser baixado nos dois links abaixo:
- Formato para smartphone.
- Formato para Desktop (mais completo).