Vice-presidente da AEPET, Felipe Coutinho, diz que política de preços foi responsável por perda de mercado de 30% para companhia e teve efeito devastador sobre a economia
O vice-presidente da AEPET (Associação dos Engenheiros da Petrobras) e conselheiro do Clube de Engenharia, Felipe Coutinho, criticou a atual política de preços da companhia adotada desde 2016. O chamado preço de paridade de importação seria responsável, segundo ele, pela perda de mercado de 30% para a petrolífera brasileira. A principal lógica da medida, que elevou o preço dos combustíveis a níveis estratosféricos, seria beneficiar os importadores e viabilizar economicamente a privatização das refinarias.
Para o cidadão comum entender por que gasolina, diesel e até o gás de cozinha (GLP) estão tão caros, é preciso entender que nos últimos seis anos passaram a pagar um preço como se todos esses produtos consumidos fossem importados. “É como se uma pessoa comprasse um bife no Rio e pagasse o preço de Nova Iorque”, compara o engenheiro numa analogia simples.
O resultado é que apesar de a capacidade das refinarias brasileiras darem conta de praticamente toda a demanda interna, elas operam com ociosidade e o país importa derivados de petróleo e etanol. Foram decisões que podem ter sua legalidade até questionada, segundo ele, bem como a venda das malhas de gasodutos, pelas quais hoje a Petrobras paga aluguel. São questões que devem ser discutidas pela sociedade, principalmente no âmbito da campanha eleitoral, tendo em vista a necessidade de decisões políticas mais afinadas com o interesse nacional por parte do futuro governo.
Leia abaixo a entrevista de Felipe Coutinho ao portal:
– Em que medida a atual política de preços da Petrobras, de paridade de preço de importação, e sua política de privatizações estão sendo prejudicais ao Brasil e ao futuro da companhia?
Felipe Coutinho – Esse plano de privatizações não é novo. Já em 2015, no período Dilma/Bendine foi apresentado o maior plano de privatização da história da Petrobras, que planejava atingir US$ 58 bilhões em cinco anos. Ali já estava a BR Distribuidora, as refinarias, etc. A política de preços de paridade de importação começou em outubro de 2016, esta sim uma política inédita. Desde então têm sido praticados preços relativamente altos e a consequência disso é que a Petrobras perdeu competitividade, com queda de até 30% no seu mercado nesse período. Isso viabilizou o negócio dos importadores. Os principais beneficiários são os agentes privados da cadeia de importação, a maior parte estrangeiros, distribuidores que competiam com a BR e produtores de etanol brasileiros e americanos. O consumidor foi prejudicado com o aumento geral dos preços e a economia como um todo pela perda de produtividade pela alta dos custos. Um dos objetivos dessa política de preços foi facilitar a venda das refinarias para o capital estrangeiro, pois ninguém é tão eficiente quanto a Petrobras no abastecimento do mercado interno e sem isso não haveria chance de retorno para esse investimento por parte dos compradores.
– Então esse argumento de que a privatização das refinarias vem para trazer competição e baixar os preços é falacioso?
– Na verdade, é justamente ao contrário do que se diz. A venda de refinarias é que trouxe a necessidade de praticar preços mais altos. Precisamos desmontar também a ideia de que a Petrobras tinha o monopólio do refino no Brasil. Mesmo tendo 98% da capacidade, ela nunca teve capacidade de praticar preço de monopólio alto sem perder mercado. A prova de que isso não é verdade é que a partir do momento em que os preços subiram, a Petrobras perdeu até 30% do mercado. Se praticasse preços de paridade de exportação mais baixos poderia até almejar exportar derivados.
– É como se uma empresa privada que compete no mercado elevasse seus preços para perder competitividade? Como o cidadão comum consegue entender essa lógica?
– Há um discurso de que praticando preços mais altos o resultado será melhor. A ideia é de que é melhor exportar petróleo bruto do que refinar no Brasil, como se fosse a busca pelo ótimo. Mas na prática houve perda de 30% do mercado. Ainda assim, o objetivo de uma empresa estatal não é maximizar seu resultado de curto prazo. Isso não se justifica. O objetivo da Petrobras é o abastecimento no mercado brasileiro com os menores custos possíveis e para isso ela foi criada. Há legislação que ampara esse caráter empreendedor do Estado. Por outro lado, empresas petrolíferas estrangeiras privadas que adotaram essa visão do lucro de curto prazo vêm perdendo para as estatais. Estão com produção e reservas em declínio, mas com resultados trimestrais altos, distribuindo bônus para executivos e dividendos para acionistas. Já uma estatal tem que estar voltada para o interesse nacional, fazendo investimentos com conteúdo local em benefício do país. E certamente essa alta margem de lucro atual da Petrobras se deve em grande parte à redução dos investimentos.
– Essa política de preços é então responsável pela atual capacidade ociosa das refinarias brasileiras e a consequência dependência de importação de derivados?
– Sim porque o preço paritário de importação é uma estimativa, um número arbitrado. Então fazem um cálculo, por exemplo, de quanto sairia o diesel se fosse importado, com os custos dos importadores, o que não necessariamente é real. Se jogo para cima o preço, como aconteceu, eu viabilizo o negócio do importador de diesel e sua lucratividade. Com isso, o diesel caro da Petrobras fica caro e encalhado, afetando a produção de todos os outros derivados. Uma consequência de preços relativamente altos e pouco competitivos é a perda de mercado e por isso ela teve que reduzir a atividade das refinarias.
– Há um paradoxo nessa situação, tendo em vista o país já ter comemorado a autossuficiência em petróleo e hoje ser exportador, mas por outro lado está pagando mais caro pelos combustíveis, a ponto de parte da população não ter dinheiro para o gás de cozinha?
– No Brasil são exportados mais de um milhão de barris por dia, pela Petrobras e estrangeiras. Com relação à produção, a capacidade comprovada de produção de gasolina foi maior do que o total consumido em 2021. Com relação ao diesel, com a entrada da RNEST (Refinaria Abreu e Lima), ela é praticamente igual à demanda de 2021, com uma necessidade de importação residual. Com a ampliação dessa refinaria, o Brasil ficaria superavitário na produção desses dois combustíveis, levando-se em conta a capacidade. O Brasil é plenamente capaz de abastecer seu mercado interno. Por isso, não faz sentido pagar o preço como se fosse tudo importado. É como se uma pessoa comprasse um bife no Rio e pagasse o preço de Nova Iorque.
– Quais são as consequências para a redução drástica dos investimentos por parte da Petrobras?
– Em primeiro lugar, com relação à dependência da importação dos fertilizantes, é preciso fazer uma análise do ponto de vista geopolítico. É uma ilusão acreditar que o mercado Internacional vá fornecer eternamente esses recursos a preços baixos. Há sempre o risco de não se conseguir comprá-los no mercado internacional por qualquer preço que seja e isso prejudica uma atividade econômica muito importante para o país que à agricultura. Então, é necessário que o Brasil tenha capacidade para produzir todos os fertilizantes aqui, não só nitrogenados como os demais. Com a decisão de abrir mão das unidades desses insumos, foram afetadas nossa segurança alimentar e econômica. O que gera crescimento econômico e emprego é o investimento e o Estado tem um papel importante nessa promoção do desenvolvimento até como política anticíclica. O nível baixo de investimentos da Petrobras ainda tem o agravante de trazer consequências daqui a seis ou oito anos. Hoje essa taxa está na metade do histórico de 1965 para cá, o que coloca em risco a sobrevivência e sustentabilidade da própria empresa.
– A Petrobras tinha orgulho ter um sistema com “S” maiúsculo e isso vem sendo desmantelado. Do ponto de vista estratégico é um tiro no pé?
– A Petrobras ainda é muito grande. A capacidade de refino é alta, pois a grande maioria das refinarias ainda é dela. Temos que reverter a privatização de duas refinarias, da fábrica de lubrificantes, da BR Distribuidora, das duas subsidiárias de gasodutos cujas alienações foram foram altamente lesivas. No caso da NTS, do Sudeste, por exemplo, a Petrobrás pagou em aluguéis já em 21 ou 22 meses o valor que recebeu pela privatização. Colocar sua malha de gasodutos na mão de terceiros coloca em risco a produção gás e o petróleo que está associado a ele. Está rasgando dinheiro porque o custo do aluguel é mais alto do que o custo de capital de terceiros e a redução da dívida, neste caso, não se justifica.
– Além da redução nos investimentos na infraestrutura, a Pesquisa e o Desenvolvimento também foram afetados?
– Uma coisa está ligada à outra porque a pesquisa que desenvolvemos na Petrobras é aplicada e está muito ligada à solução de problemas reais e práticos basicamente da operação. Com a significativa redução dos investimentos, as demandas de soluções também diminuem e a atividade de pesquisa e desenvolvimento também cai. É uma lástima para o Brasil, que já é deficiente nesse setor. Há um impacto na produção de conhecimento.
– Essas decisões que levam em conta somente a posição da Diretoria da empresa, do Conselho de Administração ou no Ministério da Economia do atual Governo, normalmente com respaldo da mídia, podem vir a ser revistas com base numa análise também jurídica? Ou seja, há indícios de que a legislação, que para as empresas de economia mista exige uma supervisão do Congresso, dos órgãos de fiscalização e da sociedade, estaria sendo violada?
A questão é que o país está submetido a uma onda antinacional. A cúpula das instituições das três esferas de Poder, tanto no Executivo, quanto o Legislativo e o Judiciário, atua no sentido antinacioanal ou se omitem permitindo esse tipo de barbaridade com o patrimônio público. Não há uma oposição a esse entreguismo nessas instituições e na cúpula dos órgãos de controle.
– Grandes petrolíferas vêm mudando seu foco estratégico, adotando uma visão mais ampla, para se tornarem empresas de energia. A própria Petrobras já chegou a desenhar esse modelo no passado. Ela está também se desvirtuando nesse aspecto?
– É verdade. A Petrobras chegou a ser a maior produtora de biodiesel do Brasil, chegou a ter participação na produção de etanol, e também na energia elétrica em termelétricas. É um processo importante porque é uma diversificação que ajuda a ter melhores resultados. O segmento de energias renováveis recebe muitos incentivos enquanto o segmento dos fósseis tem sido mais taxado. As companhias de petróleo têm enfrentado um ambiente de negócios cada vez mais complexo de mais restrições a créditos, com exigências a cumprir com relação a redução de emissões de CO2. Pode haver críticas a um segmento ou outro das renováveis, mas até para conhecer seus desafios, fragilidades e problemas é preciso estar no negócio e aprender as melhores soluções. O importante é oferecer uma energia segura e acessível para a sociedade brasileira.
– O que um possível futuro governo pode fazer para refazer isso?
– É totalmente possível reverter esse quadro. É uma decisão política. A primeira coisa a ser feita é acabar com o preço de paridade de importação, passar a praticar política de preços para abastecer o mercado brasileiro com os menores preços possíveis e fazer uma auditoria na privatização desses ativos, principalmente nas malhas de gasoduto, na BR Distribuidora e nas refinarias. As empresas que compraram não vão ter alternativa e terão que aceitar a posição do governo. Caberá então à Petrobras aumentar seus investimentos, principalmente em conteúdo local, se voltar para uma integração vertical, investindo na petroquímica e em energias renováveis.
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